LEI DA FICHA LIMPA: VETO REDUZ CHANCE DE BOLSONARO DISPITAR 2030

Fabíola Perez

Do UOL, em São Paulo

               Imagem: Sérgio Lima15.fev./Folhapress
Manifestantes fazem protesto a favor da Ficha Limpa em frente à sede do STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília, durante julgamento sobre constitucionalidade da lei.

Inelegível por abuso de poder político e econômico, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tinha uma "janela" para tentar disputar as eleições de 2030, mas, com os vetos do presidente Lula (PT) num projeto que flexibiliza a Lei da Ficha Limpa, as chances ficam reduzidas. Ontem a ministra Cármen Lúcia cobrou explicações sobre as mudanças. Os vetos de Lula ainda precisam passar pelo Congresso.

O que aconteceu

No fim de setembro, Lula sancionou alterações de parlamentares na Lei da Ficha Limpa, mas vetou trechos. 
Foram derrubados pontos que queriam mudar a contagem do tempo para a inelegibilidade.

Lula vetou trecho que poderia beneficiar Bolsonaro. O ex-presidente foi condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por dois motivos: abuso de poder político (ataque às urnas durante encontro com embaixadores) e econômico (uso eleitoral do Bicentenário da Independência, no 7 de Setembro de 2022).

Pela proposta legislativa, a contagem do prazo de inelegibilidade poderia começar a partir de diferentes datas. Eram quatro possibilidades: a data a partir da renúncia ao cargo eletivo; da perda de mandato; da condenação por órgão colegiado (um tribunal de Justiça, por exemplo); ou da eleição na qual ocorreu prática abusiva.

Bolsonaro teria aí uma "janela" para disputar 2030. O texto aprovado no Senado diz que condenados por abuso de poder político ou econômico ficariam inelegíveis "contado da data da eleição na qual ocorreu a prática abusiva". Bolsonaro estaria então impedido a partir de 2 de outubro de 2022 (data da eleição na qual fez prática abusiva, segundo a condenação do TSE) e ficaria elegível de novo a partir de 2 de outubro de 2030. Como ele pode pedir o registro da candidatura antes das urnas, ele poderia viabilizar uma candidatura para disputar o primeiro turno previsto para 6 de outubro de 2030.

Veto fechou a "janela" temporariamente uma vez que o texto precisa passar novamente pelo Congresso. O trecho do texto que havia sido aprovado pelo Senado (o tópico "D") foi derrubado. Além da inelegibilidade no TSE, Bolsonaro foi condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a 27 anos e três meses por tentativa de golpe de Estado -o que é considerado um crime grave mas, até agora, não foi impactado por nenhuma alteração na Lei da Ficha Limpa, porque, no caso julgado pelo STF, ainda há possibilidade de recurso.

O que foi sancionado

Lula sancionou a antecipação do início da contagem do prazo de 8 anos de inelegibilidade para políticos cassados ou condenados por crimes leves. Advogados e cientistas políticos ouvidos pelo UOL afirmam que, por um lado, houve um enfraquecimento da lei, mas, por outro, os pontos mais importantes foram mantidos.

Agora, a contagem dos 8 anos de inelegibilidade começa a partir da condenação de um órgão colegiado da Justiça. Antes, o prazo passava a contar apenas depois de ser cumprida a pena, depois que a decisão fosse definitiva sem a possibilidade de recursos.

Na prática, a lei sancionada reduz o tempo de impedimento de disputar eleições para condenados por crimes leves. Entre eles, os eleitorais e de abuso de autoridade. Para crimes graves, como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, racismo, tortura, terrorismo e crimes hediondo, a lei não foi alterada.

Lula vetou também a retroatividade da lei. Segundo o Planalto, ela permitiria que decisões da Justiça fossem esvaziadas. Este veto também impede que a mudança beneficie Bolsonaro. "Se a lei for mais benéfica, pode afetar fatos anteriores, mas se for mais severa, ela não pode alcançar fatos já ocorridos", explica Fernando Neisser, advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). "Ao vetar a retroatividade se evitar essa discussão. Só casos futuros vão ter essa nova leitura."

Revisões da Lei da Ficha Limpa provocam controvérsias

Lula e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil) devem dar explicações em até cinco dias, ordenou a ministra do STF Cármen Lúcia. "Determino que sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações ao Presidente da República e ao Presidente do Congresso Nacional, a serem prestadas no prazo máximo e improrrogável de cinco dias."

Ministra pediu explicações após uma ação do partido Rede Sustentabilidade. Segundo a sigla, o Senado promoveu "modificações substanciais" ao conteúdo do projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, "sob o pretexto de ajustes redacionais".

Márlon Reis, um dos idealizadores da lei, diz que alteração é "inconstitucional". O advogado é autor que protocolou duas petições no STF alegando inconstitucionalidade do projeto de lei que tramitou no Legislativo e foi sancionado com vetos pelo presidente.
Lei não deveria ser alvo de disputas partidárias, diz Reis. "A lei é uma conquista histórica. É um assunto que não deve fazer parte da pauta partidária, está acima dos interesses de partidos e candidatos, tem a ver com a estrutura da democracia", afirma.

É papel do Legislativo discutir leis em uma democracia, mas disputa política atrapalha, diz cientista político. Para Marco Teixeira, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o caso da Ficha Limpa é complicado, porque políticos estão discutindo uma alteração na lei que pode beneficiar os próximos políticos: a discussão passa a ser pensada a partir de interesses.

Proposta de alteração à lei não foi articulada para beneficiar Bolsonaro. O projeto foi aprovado pelo Senado, e Lula poderia ter vetado o texto todo. "O presidente vetou questões pontuais. Se vetasse a lei inteira, o veto seria derrubado pelo Congresso. Ele fez um cálculo político de pragmatismo", analisa o cientista político Beto Vasques, da FESP-SP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).

Lula não quis se indispor com o presidente do Senado, diz Vasques. "A relação entre Congresso e Executivo já estava tensa. Do ponto de vista da governabilidade, Lula negociou com Alcolumbre", avalia. "Do ponto de vista da sociedade, é um retrocesso mexer em uma lei que ninguém queria que se mexesse."

Alcolumbre disse que fazia questão da "modernização". "Faço questão dessa atualização da legislação da Lei da Ficha Limpa para dar o espírito do legislador quando da votação da lei. A inelegibilidade, ela não pode ser eterna", declarou, à época.

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