BOLSONARO PRESO. O GOLPE CONTINUA. VEREADOR DE CURITIBA É DESTAQUE.


Quem criou o tal Dossiê Moraes? 
por Paulo Motoryn no Cartas Marcadas 

Nova peça de propaganda do golpe foi idealizada por vereador do Novo que ganhou contrato de R$ 33 milhões no governo Bolsonaro. Eu sei que, muito provavelmente, você está feliz com a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, mas eu tenho aquele papel chato de não fazer ninguém esquecer que há uma nova tentativa de golpe em curso no Brasil. E, mesmo que a segunda-feira tenha sido boa, vale lembrar que a semana passada foi muito favorável aos conspiradores: vieram as sanções contra Alexandre de Moraes e a oficialização das tarifas norte-americanas sobre produtos brasileiros – desidratadas, é verdade. Mas o fato é que o ataque não vai parar. Com Bolsonaro preso, tudo indica que as coisas vão se intensificar. E os Estados Unidos estão, de novo, do lado golpista da história. Você lembra que, em 2022, o golpe fracassou por falta de respaldo internacional. Agora, o cenário é outro. 

Mas, concordemos ou não sobre o momento em que estamos, vamos ao que interessa: combater o golpismo. Como você sabe, tenho me debruçado sobre toda essa movimentação. Isso envolve, por exemplo, assistir ao Timeline, programa do blogueiro foragido Allan dos Santos. Na edição da última sexta-feira, 1º, me chamou atenção ver Eduardo Bolsonaro divulgando o “Dossiê Moraes” — uma nova peça da engrenagem golpista. A edição desta semana de Cartas Marcadas será, portanto, um “dossiê do dossiê”: vamos expor as mentiras, omissões e distorções de quem tenta transformar ações legais contra golpistas em abusos de autoridade. E revelar a contradição do autor: um vereador do Novo que se diz anti-estado, mas cuja empresa fechou contrato de R$ 33 milhões em verba pública no governo Bolsonaro – e não entregou o que deveria.

 Para que você não tenha que ler, vou explicar: o tal “Dossiê Moraes” já começa com uma manipulação clara ao apresentar o chamado Placar de Ofensas, que lista mais de 300 supostas violações de princípios constitucionais associadas a 77 atos que são considerados como “abusos” cometidos pelo ministro Alexandre de Moraes. Para cada ação de Xandão questionada pelo dossiê, é atribuído um rol extenso e inflacionado de princípios, como liberdade de expressão, devido processo legal, proporcionalidade, separação de poderes, imparcialidade judicial e dignidade da pessoa humana. 

Dessa forma, o documento cria a falsa impressão de que o STF estaria sistematicamente violando uma enormidade de direitos. Essa estratégia não só infla artificialmente os supostos “abusos”, como também banaliza o significado dos princípios constitucionais. No mundo paralelo do dossiê, até operações da Polícia Federal contra suspeitos de financiar uma tentativa de golpe são tratadas como abusos de autoridade de Moraes. 

Três fases da Operação Lesa Pátria, por exemplo, são mencionadas como exemplos de arbitrariedades. Uma delas, a 23ª fase, é incluída no dossiê com o parecer de uma suposta “especialista” jurídica, a advogada Gabriela Ritter. O material omite um conflito de interesse: ela é filha de Miguel Ritter, bolsonarista condenado a 14 anos de cadeia e um dos alvos daquela fase da operação. Já a 25ª fase, que mirou empresários que bancaram acampamentos golpistas e encontrou armas, dinheiro e documentos, é descrita como “prisão sem denúncia”, ignorando que prisões cautelares são medidas legais previstas para evitar obstrução da justiça ou fuga. Sobre os abusos da 26ª fase da Lesa Pátria, contra suspeitos de lavagem de dinheiro para atos antidemocráticos, o dossiê se supera: cita Elon Musk como especialista para comprovar a injustiça, dizendo que, dias depois dessa operação, o bilionário falou sobre a censura no Brasil. 

O tweet mencionado, porém, passa longe de falar sobre a ação da PF. O dossiê, claro, também repete a velha distorção da extrema direita sobre o conceito de liberdade de expressão. Quase todos os supostos “abusos” têm essa alegação, mesmo em casos de incitação à violência, convocação de atos golpistas ou ataques sistemáticos à democracia. Bloqueios e suspensões de perfis em redes sociais, como os de Allan dos Santos e outros, além de medidas contra plataformas como Telegram e X (antigo Twitter), são todos tratados como censura. Zero novidade. 

Mas o site não se limita a divulgar o documento enviesado; ele convida o público a se tornar co-autor de um pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes, que segundo o próprio site será apresentado em 8 de setembro de 2025. 

A ação antecipa a estratégia da extrema direita para o próximo mês, aproveitando que o 7 de setembro deve ocorrer muito próximo ao julgamento da condenação de Jair Bolsonaro, tentando usar esse momento para pressionar e dar andamento ao impeachment. Para assinar, o site pede dados pessoais como nome completo, CPF, telefone, e-mail, CEP, cidade e estado — informações que não são necessárias para um processo formal de impeachment. 

Na prática, é uma captação de leads para o Partido Novo e aliados, usando a mobilização política como pretexto para construir um banco de dados com fins eleitorais e partidários, sem transparência sobre esse uso.

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VEREADOR DE CURITIBA ENVOLVIDO NO GOLPE
Quem é Rodrigo Marcial? ------- A parte boa da nova peça da campanha bolsonarista contra Moraes é que ela dá um novo rosto à tramoia anti-STF: o do vereador curitibano Rodrigo Marcial, do partido Novo. Ele se apresenta como criador e principal articulador do chamado "Dossiê Moraes". Por isso, no ato pró-Bolsonaro da capital paranaense, no domingo, 3, foi um dos destaques do trio elétrico. 

No site do dossiê, Marcial destaca o apoio de outras figuras da extrema direita, a maior parte de colegas do Partido Novo, como o senador cearense Eduardo Girão, e o ex-procurador e ex-deputado federal paranaense Deltan Dallagnol – inelegível como Bolsonaro. Marcial, no entanto, carrega uma contradição incômoda para quem afirma combater o “aparelhamento do estado”: apesar do discurso anti estatal típico do Novo, sua empresa de planos de saúde, a MedHealth, foi contratada em 2021 pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, sob o governo Bolsonaro, por nada menos que R$ 33,3 milhões. 

O contrato, feito por pregão eletrônico, previa a prestação de serviços médicos a servidores ativos e inativos da universidade. Mas, três meses depois da assinatura do acordo, a MedHealth não executou o serviço e viu o contrato ser rescindido de forma unilateral pelo Executivo. A MedHealth, na ocasião, já era comandada por Marcial, que aparece como sócio-administrador no CNPJ da empresa. A sociedade foi herdada do pai, o médico Marcial Carlos Ribeiro, cirurgião renomado no Paraná e fundador da Funef, entidade filantrópica ligada ao Hospital São Vicente. Vale notar que o pregão que beneficiou sua empresa não envolvia nenhuma inovação tecnológica nem parceria público-privada. Era, literalmente, a contratação estatal clássica que o Novo jura combater. E nem isso a empresa do vereador do Novo foi capaz de fazer.

Perguntei à empresa, ao mandato do Marcial e à universidade se o valor chegou a ser pago e também se foi devolvido corretamente pelo MedHealth. Até o momento, não houve resposta. Hoje vereador em primeiro mandato, Marcial diz ter feito carreira como advogado e professor de economia. Integrou o Instituto de Formação de Líderes e criou, ainda na universidade, grupos voltados à difusão do ideário liberal. 

Ao assumir como suplente na Câmara Municipal de Curitiba, em 2022, e depois ser eleito de fato em 2024, manteve a retórica de combate à “gastança pública” e de valorização do empreendedorismo. Agora, na dianteira do "Dossiê Moraes", tenta posar como fiscal da Constituição. Mas seu histórico mostra que a disposição para mamar nas tetas do estado não é um problema — desde que seja seu CNPJ que esteja na ponta do contrato. 

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Quero encerrar esta edição de Cartas Marcadas com um convite: qual personagem da conspiração bolsonarista você gostaria de ver investigado por aqui? A lista é longa, eu sei — vai de congressistas e pastores a militares e governadores. Mas quero fazer isso com você, leitor: escolher juntos alguns nomes para “puxarmos a capivara”, antes que seja tarde demais. 

Se alguma dessas figuras nefastas que se tornaram parte do nosso noticiário te desperta desconfiança, me conta. Pode ser o começo da próxima reportagem. Valendo! 

Escreva para o meu e-mail paulo.motoryn@intercept.com.br ou responda a este e-mail. Mostrar texto das mensagens anteriores

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