"ATAQUE SEM PRECEDENTES" DE TRUMP AO BRASIL PODE " SAIR PELA CULATRA", DIZ THE ECONOMIST

Revista britânica destaca particularidades do sistema jurídico brasileiro, mas reafirma ilegalidade em ações golpistas de Bolsonaro

Por Ana Beatriz Bartolo, Valor — São Paulo

O presidente dos EUA, Donald Trump Allison Robbert/Bloomberg

As tarifas contra importações do Brasil e as sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, são um “ataque sem precedentes” ao judiciário brasileiro e pode "sair pela culatra", afirma a “The Economist”.

Em editorial publicado nesta quinta-feira (31), a revista britânica resgata como a rixa de Trump contra Moraes começou e explora as particularidades do sistema judiciário brasileiro, que oferece “enorme poder” aos juízes do STF. Ainda assim, a “The Economist” aponta para a legalidade, dentro da legislação brasileira, das ações de Moraes contra Jair Bolsonaro diante das evidências golpistas apresentadas contra o ex-presidente.

“Ter como alvo um juiz em exercício em uma democracia em funcionamento é algo sem precedentes”, escreve a “The Economist”.

Na quarta-feira (30), Trump assinou o decreto impondo tarifas de 50% sobre muitas importações brasileiras a partir de 6 de agosto. No texto, ele citou a “perseguição, intimidação, assédio, censura e processo politicamente motivados” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado ideológico.

Moraes também foi sancionado pela Lei Magnitsky Global, que pune autoridades estrangeiras por “graves violações de direitos humanos internacionalmente reconhecidos”. Na prática, a sanção congela seus ativos em bancos americanos e proíbe sua entrada nos Estados Unidos.

A revista britânica destaca que essa legislação americana já foi usada contra generais genocidas de Mianmar e autoridades russas que assassinaram dissidentes políticos.

“Moraes não fez nada parecido. Seu ato mais notável é liderar o processo contra Jair Bolsonaro, ex-presidente de extrema direita do Brasil e aliado de Donald Trump, que em breve será julgado sob a acusação de planejar um golpe para anular uma eleição que perdeu em 2022, o que ele nega.”

Além disso, a “The Economist” afirma que Moraes é “difícil de intimidar”, pois já estaria “acostumado com ameaças de mortes” e que a estratégia de Trump poderia acabar reduzindo a popularidade de seu aliado. “O presidente Lula agora classifica o clã Bolsonaro como ‘traidor’. A maioria dos brasileiros concorda.”

Desavenças começaram em 2019

A “The Economist” aponta que o conflito entre Moraes e Trump começou em 2019, quando foi iniciado o “inquérito das Fake News”, para investigar informações falsas nas redes sociais que afetavam “a honra e a segurança do Supremo Tribunal Federal e de seus membros”.

A revista afirma que a investigação foi “controversa” desde o início. “Ao investigar, processar e julgar ameaças contra si mesmo, o STF demonstrou seus poderes excessivos. Moraes foi nomeado para liderar o inquérito, contornando o sistema de loteria usual.”

O inquérito, que deveria ter durado apenas um ano, já se arrasta há seis anos e expandiu o seu escopo para incluir desinformação online sobre as instituições democráticas com um todo.

“A investigação é sigilosa, então não está claro quantas contas de mídia social Moraes ordenou que fossem removidas, ou por quê. Em abril de 2024, o comitê judiciário do Congresso dos EUA publicou um relatório mostrando que Moraes havia ordenado que X removesse pelo menos 88 contas desde 2019, geralmente sem fornecer justificativa”, diz a revista.

Sistema jurídico brasileiro

Em fevereiro, o grupo de mídia de Trump e a Rumble, uma plataforma de compartilhamento de vídeos, iniciaram um processo contra Moraes, alegando que, como suas decisões afetaram os brasileiros nos Estados Unidos, elas constituíram um exagero.

Porém, a “The Economist” destaca que as decisões de Moraes não são ilegais dentro da legislação brasileira e que ele estaria “fortalecido” pela Carta Magna de 1988.

“A Constituição brasileira permite que o presidente do Brasil, governadores estaduais, a Ordem dos Advogados do país, sindicatos, partidos políticos e outros grupos entrem com ações judiciais diretamente no Supremo Tribunal Federal, em vez de deixá-las filtrar por órgãos inferiores”.

A revista explica que isso pode sobrecarregar o sistema judiciário nacional. Por exemplo, no ano passado, os 11 juízes do STF emitiram mais de 114 mil decisões. Assim, para lidar com essa carga de casos, um único juiz pode tomar decisões de longo alcance.

“Isso confere ao Moraes e seus colegas na corte enorme poder, especialmente em áreas onde o Congresso brasileiro não legislou. Como ainda não foi aprovada uma lei que regule as mídias sociais, grande parte da aplicação da lei recai sobre o tribunal”, afirma a “The Economist”.

Processos contra Bolsonaro

Em 2021, durante o mandato de Bolsonaro, o Congresso brasileiro aprovou uma lei que pune “crimes contra a democracia”, que incluem “a restrição do exercício de poderes constitucionais” por meio de ameaças graves ou uso da força.

É como base nessa legislação que Moraes move os processos contra Bolsonaro, aponta a revista britânica.

Assim, para a “The Economist”, “aqueles que criticam a perseguição de Moraes a Bolsonaro parecem ignorar as evidências em sua acusação”.

A revista explica que a invasão de bolsonaristas aos prédios do governo federal em 8 de janeiro de 2023 foram motivadas por alegações falsas de Bolsonaro de que as urnas eletrônicas haviam sido manipuladas contra ele.

“Os aliados de Bolsonaro fazem o tumulto parecer um chá da tarde. Qualquer busca superficial pelo tumulto mostra que foi uma orgia vandalística. Em 12 de dezembro de 2022, quando a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi certificada pela Justiça Eleitoral, apoiadores de Bolsonaro incendiaram ônibus e carros em Brasília, a capital. Na véspera de Natal, um homem amarrou uma bomba em um caminhão de combustível perto do aeroporto de Brasília, mas ela não explodiu”, ilustra a “The Economist”.

“Em 10 de junho, Bolsonaro admitiu perante o Supremo Tribunal Federal que havia convocado reuniões no Palácio do Planalto para discutir a possibilidade de decretar estado de emergência após perder a votação. Ele disse que abandonou rapidamente a ideia, que recebeu resistência de generais.”

A revista também comenta sobre o plano de assassinato de Moraes, Lula e o vice-presidente, Geraldo Alckmin e o envolvimento do círculo íntimo de Bolsonaro em tramas golpistas para anular a eleição de 2022.

Valor
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