A LIBERDADE DO POLICIAL QUE MATOU UM TRABALHADOR NEGRO É UM TAPA NA CARA DO BRASIL

A liberdade concedida ao policial Fábio de Almeida, após a execução de um trabalhador negro registrada em vídeo e testemunhada por diversas pessoas, é uma aberração judicial e a confirmação brutal de que, no Brasil, a cor da pele ainda define quem merece justiça e quem pode ser morto impunemente. 

Guilherme Ferreira era fiel frequentador da Igreja e morreu com sua Bíblia na mochila, mas até agora não mereceu sequer uma nota de repúdio dos paladinos seletivos da bancada evangélica; aqueles mesmos que se dizem defensores da vida, desde que a vida em questão não seja preta nem alvejada por um PM



por Leonardo Sakamoto

“Construção”, uma das mais contundentes músicas de Chico Buarque, foi atualizada, na última sexta (4). Não era um operário que caiu de um andaime e morreu na contramão atrapalhando o trânsito após uma última marmita, mas um marceneiro negro morto com um tiro na cabeça, quando estava saindo do trabalho por um policial militar que o confundiu com um ladrão, ficando estirado no chão com sua marmita ao lado até o sábado de manhã.

Guilherme Ferreira bateu o ponto às 22h28 na fabrica de camas onde trabalhava, em Parelheiros, bairro pobre da capital paulista, e foi morto às 22h35, quando corria para pegar o ônibus e voltar para casa. Junto a seu corpo, que ficou cercado de transeuntes que diziam se tratar de um bandido, foram encontrados, além da marmita, uma carteira, o celular, remédios, chaves e uma bíblia.

O policial Fábio de Almeida foi autuado em flagrante por homicídio sem a intenção de matar, pagou R$ 6,5 mil e foi liberado. A chance é grande de que, no fim das contas, ninguém seja responsabilizado.

Não é um erro. É o sistema funcionando como foi desenhado. A polícia brasileira, especialmente a militarizada, é treinada para ver o negro pobre como inimigo. O resultado é uma carnificina diária, onde pobres e periféricos viram estatística de “autos de resistência” ou “mortes em confronto”.

Enquanto isso, a sociedade segue dividida entre quem enxerga nessas mortes uma tragédia evitável e quem acredita que “bandido bom é bandido morto” — mesmo quando o bandido, no caso, é só um trabalhador com sua marmita. Quem morre torna-se culpado, pois a arma policial faz o papel de investigador, promotor, juiz e carrasco.

E, assim como na canção de Chico, resta apenas o silêncio — não o da pausa poética, mas o da omissão cúmplice da sociedade e do Estado. Guilherme não caiu de um andaime, mas tombou sob o peso de um país que insiste em não reconhecer o valor da vida negra.

Enquanto sua marmita estava vazia e fria no asfalto, o sistema seguia quente, funcionando com precisão cirúrgica para proteger quem aperta o gatilho — e não quem leva o tiro.

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