CONSELHEIRA REVELA VIDA DIFÍCIL DE JOVEM MORTO POR LEOA: ''ELE SEMPRE DIZIA QUE UM DIA VOLTA PARA A MÃE''

Jovem morto após invadir jaula de leoa em João Pessoa tinha histórico de abandono, traumas e vulnerabilidade extrema. Conselheira tutelar conheceu o menino desde os 10 anos, no momento em que ele foi retirado da família e acolhido pela rede de proteção. Naquela idade, Gerson já carregava marcas profundas: instabilidade emocional, medos difusos, impulsos incontroláveis e um comportamento que alternava brincadeiras inocentes com fugas, acessos de risco e atitudes sem qualquer noção de perigo


Por Ana Oliveira e Felipe Borges
Pragmatismo Político

A morte de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, após invadir o recinto de uma leoa no Parque Arruda Câmara, em João Pessoa, expôs muito mais do que uma falha de segurança ou um ato de imprudência. Trouxe à superfície a história de um menino que cresceu sem chão, sem referências emocionais e sem o mínimo de estrutura para sobreviver aos próprios impulsos.

Nos últimos dias, um relato feito por uma conselheira tutelar que o acompanhou durante a infância e adolescência viralizou nas redes sociais. O texto, duro e sensível ao mesmo tempo, descreve uma trajetória marcada por traumas, instabilidade e abandono desde muito cedo — uma trajetória que, segundo ela, sempre pareceu caminhar na beira do abismo.
“Ele carregava feridas antigas”

A conselheira conta que conheceu Gerson quando ele tinha apenas 10 anos, no momento em que foi retirado da família e acolhido pela rede de proteção. Ele já chegava carregando marcas profundas: instabilidade emocional, medos difusos, impulsos incontroláveis e um comportamento que alternava brincadeiras inocentes com fugas, acessos de risco e atitudes sem qualquer noção de perigo.

“Ele dizia que queria voltar para a mãe, que sonhava com ela, mesmo sabendo que ela não tinha condições de cuidar dele”, contou a profissional. A mãe enfrentava problemas de saúde mental, e a reaproximação nunca foi possível. O menino cresceu tentando preencher esse vazio com gestos impulsivos que o colocavam repetidamente em situações extremas.

Ainda na adolescência, Gerson chegou a ser encontrado tentando acessar áreas proibidas, explorando espaços perigosos ou tomando decisões que demonstravam total desconexão com os riscos reais. A conselheira descreve que havia nele um misto de carência, ausência de limites e uma sensação de abandono que jamais foi tratada.

“Ele não era um caso de polícia. Era um menino sem apoio emocional, sem família e sem tratamento adequado. Nunca foi visto como sujeito. E morreu assim”, afirma.
O que aconteceu no domingo

O incidente ocorreu por volta das 10h do último domingo (30). O parque estava aberto e visitantes presenciaram toda a cena — muitos, inclusive, registraram em vídeo.

De acordo com a Prefeitura de João Pessoa, Gerson escalou uma parede de mais de seis metros, ultrapassou as grades de segurança e usou uma árvore interna do recinto para entrar na jaula da leoa. Imagens mostram o jovem descendo pela árvore quando o animal avança.

A leoa, chamada Leona, estava deitada próximo ao vidro que separa o público da área dos animais. Ao perceber a invasão, ela circulou o pequeno lago artificial e avançou em direção ao intruso. Quando ele alcançou um ponto mais baixo da árvore, ao alcance do animal, foi puxado para o chão. Ele ainda correu alguns metros, mas caiu em seguida. O animal aparece logo depois com o focinho sujo de sangue.

Segundo o Instituto de Polícia Científica, Gerson morreu por choque hemorrágico causado por ferimentos perfurantes e contundentes na região do pescoço.
Leoa estressada, mas sem risco de sacrifício

Após o ataque, a leoa ficou em estado de estresse e choque, segundo o veterinário do parque, Thiago Nery. Funcionários conseguiram retirá-la sem o uso de tranquilizantes, seguindo protocolos de manejo. Ela está sendo monitorada por veterinários, biólogos e zootecnistas.

O parque reforçou que em nenhum momento houve a possibilidade de sacrificar o animal. Leona é considerada saudável e sem qualquer comportamento anormal fora do contexto do ataque — ação instintiva, segundo os técnicos.
Parque suspende atividades e investigação foi aberta

O Parque Arruda Câmara, conhecido como Bica, foi evacuado após o incidente e terá as atividades suspensas por tempo indeterminado. A Prefeitura de João Pessoa abriu investigação para apurar as circunstâncias da invasão e avaliar protocolos internos.

O Conselho Regional de Medicina Veterinária da Paraíba também cobrou esclarecimentos e criou uma comissão técnica para avaliar a estrutura e a segurança do zoológico.
Entre a tragédia e o abandono

A história de Gerson não se resume aos dez segundos de vídeo que circularam nas redes. A conselheira que o acompanhou por anos afirma que sua morte expõe uma realidade que o país insiste em varrer para debaixo do tapete: crianças e adolescentes que crescem totalmente desamparados, sem vínculos, sem cuidado, sem tratamento psicológico e sem qualquer rede que impeça que impulsos desesperados terminem em fatalidade.

“Ele sempre acreditou que nada aconteceria com ele. Era o jeito que encontrou de sobreviver ao abandono”, disse. No fim do relato que se espalhou pela internet, ela admite que tentou fazer o possível. “Mas o destino dele foi mais duro do que qualquer intervenção poderia alcançar.”

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