CONSELHEIRO TUTELARES DE CURITIBA PARALIZAM ATIVIDADES EM PROTESTO . . .

. . .  CONTRA 'COLAPSO' NA PROTEÇÃO DE CRIANÇAS

Trabalhadores apontam problemas estruturais, poucas unidades, sobrecarga, entre outros agravantes
                                                                    Foto: Reprodução / redes sociaisFoto: Reprodução / redes sociais
Relatório aponta mais de 100 mil atendimentos em 5 anos e descumprimento de lei federal sobre número de unidades. 

Conselheiros tutelares de Curitiba (PR) emitiram um alerta público na terça-feira (4), sobre o que apontam ser um colapso na rede de proteção à criança e ao adolescente no município. Em uma carta aberta à população e em um detalhado relatório técnico, os trabalhadores descrevem uma situação de sobrecarga crítica, com profissionais atendendo além da jornada, incluindo noites, finais de semana e feriados, em um esforço considerado “humanamente impossível” para suprir a demanda.

Como forma de protesto e busca por soluções, os conselheiros decidiram paralisar atividades às terças-feiras, mantendo apenas o atendimento administrativo e os casos emergenciais.

Dados revelam volume insustentável

De acordo com os documentos, o Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia) registrou 106.220 ocorrências de violações de direitos envolvendo crianças e adolescentes em Curitiba entre janeiro de 2020 e outubro de 2025. Desse total, 53.806 atendimentos foram concentrados apenas entre janeiro de 2024 e outubro de 2025, indicando um crescimento constante na demanda. Os conselheiros afirmam que os números são subnotificados devido ao excesso de trabalho.

Atualmente, Curitiba possui 1,8 milhão de habitantes, distribuídos em 10 regionais administrativas, cada uma com um Conselho Tutelar. No entanto, a Resolução nº 231/2022 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) determina a criação de um Conselho Tutelar para cada 100 mil habitantes. Pela regra, que considera a população, a capital paranaense deveria ter aproximadamente 18 unidades. Dados do IBGE de 2025 citados no relatório mostram que pelo menos seis regionais possuem mais de 200 mil habitantes cada, como a Boa Vista (268.906), Cajuru (250.328) e Matriz (210.121), evidenciando a defasagem.

 Reprodução / redes sociais | Foto: Reprodução / redes sociais
Os conselheiros decidiram paralisar suas atividades nas terças-feiras, mantendo apenas o atendimento administrativo e os casos emergenciais 

Infraestrutura insuficiente e abandono

O relatório produzido pelos conselheiros apresentou dados de que há mais de 700 crianças e adolescentes em acolhimento institucional na cidade. E com rede de proteção operando no limite da capacidade, ocorrem atrasos na oferta de vagas e ações são inviabilizadas, como por exemplo o acolhimento conjunto de irmãos.

A situação é agravada pela precariedade de serviços especializados. O documento cita que, para atender crianças vítimas ou suspeitas de violência em toda Curitiba, existem apenas duas profissionais responsáveis pela “escuta especializada”, concentradas em um único local.

As demandas chegam aos Conselhos Tutelares por diversas vias, incluindo busca espontânea, Disque 100, notificações obrigatórias, escolas, unidades de saúde, delegacias, Ministério Público e o Poder Judiciário.

‘Não podemos mais fingir que não estamos vendo’

Em entrevista ao Brasil de Fato, o conselheiro tutelar da Regional Cajuru e Coordenador Geral do Conselho Tutelar de Curitiba, Valter Assis, explicou o motivo da mobilização. “A mobilização é um ato necessário, porque o conselho chegou a um ponto que não pode mais fingir que não estamos vendo o que tá acontecendo”, afirmou. Ele reforça que o diálogo com o poder público não tem surtido efeito: “Nós estamos terminando o segundo ano de mandato do prefeito e não há previsão de ampliação de serviços”.

Sobre a paralisação, Assis foi enfático ao dizer que a medida é um posicionamento ético. “O conselho tem a obrigação ética e tem o papel político de demonstrar esse diagnóstico, essa realidade que está aqui hoje. É ficar atendendo no balcão, sabendo que não vai dar resposta para as pessoas que estão chegando, que as políticas não vão ser melhoradas, a população vai ficar com seus direitos violados e ainda vão ser responsabilizados porque não dá conta da situação, porque não tem suporte. Então, conforme a Constituição Federal, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, deveriam ter suporte do Estado”. E completou: “O que o conselho está fazendo é mudar o atendimento. Parar e chamar a atenção dos envolvidos na obrigação da proteção”.

“Se o conselho, que tem dados sobre isso, não fizer [a paralisação], ninguém mais vai fazer. O conselho viola direitos se ele não demonstrar o que está acontecendo”, disse Valter.

Profissionais adoecidos e desvalorizados

A sobrecarga física e emocional causa ainda um cenário crítico entre os conselheiros tutelares de Curitiba. No atual mandato, cinco conselheiros pediram exoneração voluntária.

Reprodução / redes sociais | Foto: Reprodução / redes sociais
Movimento de conselheiros de Curitiba demandam a criação do Segundo Conselho Tutelar no município

O esgotamento profissional também teve resultado evidente na última eleição do Conselho Tutelar, quando ais da metade dos conselheiros optou por não se recandidatar, principalmente devido às condições inadequadas de trabalho.

Somam-se a esse cenário os constantes afastamentos por motivos de saúde, agravados pelo excesso de atividades. Esta situação insustentável compromete diretamente a qualidade e a celeridade do atendimento prestado à população.

Reivindicações e alerta às autoridades

Em carta aberta, conselheiros tutelares de Curitiba reivindicam urgentemente das autoridades municipais as seguintes pautas:A ampliação imediata do número de Conselhos Tutelares, conforme a resolução do CONANDA.
A reestruturação física e tecnológica das unidades existentes.
A ampliação e qualificação da rede de proteção, especialmente nas áreas de saúde mental, assistência social e educação.
A criação de novos serviços especializados, como equipes de escuta e acolhimento familiar.
Garantia orçamentária específica para as políticas públicas de proteção.
Valorização dos conselheiros com condições dignas de trabalho.

Conselheiros apontam na carta que a prefeitura, a Câmara Municipal de Curitiba e o Ministério Público vêm sendo alertados sobre a situação desde 2023, mas as ações têm se limitado a “criar comissões que não saem do papel” e “ignorar documentos urgentes”. Com o lema: “Segundo Conselho Tutelar já! Nenhuma criança pode esperar!”, movimento conclama a população a cobrar dos vereadores e do prefeito, e a apoiar assinando o abaixo-assinado que pede a imediata criação de um segundo Conselho Tutelar por regional.
Leia na íntegra a carta publicada pelo movimento do Conselho Tutelar:



CARTA ABERTA À POPULAÇÃO DE CURITIBA

Curitiba, 04 de novembro de 2025

Imagine uma criança vítima de violência esperando dias ou até meses para ser atendida; um adolescente em situação de risco sem receber atendimento; uma família desesperada sem ter onde buscar ajuda; crianças sendo submetida a acolhimento, em decorrência da falta de estrutura do Estado, da precariedade dos serviços de atendimento e proteção. Esta não é uma cena de filme, é a realidade diária em Curitiba enquanto a Prefeitura e órgãos responsáveis fecham os olhos para ausência de proteção integral da criança e adolescente.

Esta é a razão pela qual o Conselho Tutelar de Curitiba vem a público pedir socorro!
Diante do silêncio das autoridades e da gravidade da situação, os Conselheiros e Tutelares de Curitiba
decidiram paralisar suas atividades nas terças-feiras, mantendo o atendimento administrativo e os casos
emergenciais.

O Conselho Tutelar é o órgão que as famílias procuram quando não encontram respostas às suas demandas nas políticas no seu território. As solicitações de atendimento, não ocorrem só por meio de busca espontânea, também são encaminhadas por vários órgãos e entidades em grandes quantidades. Só os casos de crianças e adolescentes em acolhimento institucional até o momento já passam de 700.

De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente os municípios deverão assegurar, criar e manter o Conselho. Segundo o CONANDA, o município deve criar um CT para cada 100 mil habitantes. O município Curitiba tem uma população de 1.830.795 habitantes distribuídos em 10 regionais e apenas um conselho por regional.

De acordo com o SIPIA, de 2020 a outubro de 2025 foram registrados mais de 100.000 atendimento no CT. Somente nos anos de 2024 e 2025 foram registrados 50 mil. E é certo que esse número é subnotificado, pelo excesso de trabalho.

O horário de funcionamento dos CTs é das 08h às 18h nos dias úteis, e regime de escala de plantão, fora do horário de expediente. Os/as conselheiros/as de Curitiba, em sua grande maioria, estão atendendo para além das jornadas, estendendo ao período noturno, finais de semanas e até feriados, com o objetivo de atender a demanda. Contudo, apesar do esforço empenhado não é suficiente para sanar a demanda e garantir que crianças e adolescentes sejam Atendidas.

ENQUANTO A PREFEITURA NEGA, crianças agredidas esperam atendimento, aguardam em fila para ser escutadas; Adolescentes em situação de risco ficam desamparados; Famílias inteiras são deixadas à própria sorte; Crianças vítimas de violências não são ouvidas.

ISSO TOCA SUA VIDA? Nenhuma família está imune quando o sistema de proteção entra em colapso. Pode ser o filho do seu vizinho, a neta da dona do mercado, o aluno da escola pública da sua rua.

A PREFEITURA SABE. A Câmara Municipal de Curitiba sabe. O Ministério Público e o conselho tutelar alerta sobre essa calamidade, desde 2023; mas preferiram criar comissões que não saem do papel; ignorar documentos urgentes; protelar, enquanto vidas são destruídas.

NOSSAS CRIANÇAS MERECEM MAIS DO QUE DESCULPAS!

Elas merecem Atendimento digno e rápido; Conselheiros com condições de trabalho e estrutura para atendê-las adequadamente; uma cidade que as proteja de verdade. Por isso é urgente criar mais um CT em cada regional.

Conselheiros Tutelares de Curitiba estão nesta linha de frente pela infância que não pode gritar por
ajuda.

Segundo Conselho Tutelar já! NENHUMA CRIANÇA PODE ESPERAR!

NÃO SE CALE! Cobre seu vereador; exija do prefeito. Compartilhe esta carta. Assine o abaixo assinado (https://peticaopublica.com.br/psign.aspx?pi=BR154464)

Conselho Tutelar de Curitiba

Leia o relatório técnico produzido pelo Coletivo do Conselho Tutelar de Curitiba
Outro lado

Questionada pelo Brasil de Fato sobre a posição em relação à paralisação dos conselheiros tutelares, a Prefeitura de Curitiba afirmou que “o atendimento nos Conselhos Tutelares do município ocorreu de forma parcial, nesta terça-feira (4), em razão de decisão dos próprios conselheiros. Os equipamentos permaneceram abertos, com servidores da Prefeitura de Curitiba prestando atendimento, orientações e informações”

“A administração municipal reafirma que cumpre o disposto no art. 132 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Atualmente, Curitiba conta com 10 Conselhos Tutelares, um em cada Regional Administrativa, totalizando 50 conselheiros tutelares em atuação. A Prefeitura mantém diálogo permanente com os conselheiros tutelares, construindo entendimentos conjuntos para o avanço das políticas públicas voltadas à proteção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes”, segue a nota, que afirma também que “foram implementadas melhorias contínuas na estrutura física dos Conselhos, no sistema de transporte institucional, bem como a ampliação do quadro de profissionais administrativos de apoio”.

Editado por: Nathallia Fonseca






GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

Postar um comentário

0 Comentários