COM CONTRATO DE R$ 145 MILHÕES, GOOGLE CONSOLIDA DOMÍNIO NA GESTÃO RATINHO

No papel de revendendora, Celepar passa a fornecer Google Workspace para 26 órgãos e secretarias


     Jonathan Campos/AEN
O governador Ratinho Júnior e integrantes do governo em visita à sede do Google Cloud, em São Paulo, em maio deste ano. 

A Secretaria de Estado da Administração e Previdência (Seap) firmou um contrato com a Celepar, no valor de R$ 145.382.770,80, para utilização de ferramentas do Google em 26 secretarias e órgãos do Estado. Com vigência de três anos, o acordo prevê a ativação imediata de 90.618 contas, com previsão de 99.680 licenças, em substituição a programas da Microsoft utilizados na administração estadual.

É a primeira grande contratação desde que a Celepar, a estatal paranaense de tecnologia da informação, assinou um contrato para atuar como revendedora do Google, em junho deste ano. O gigante da tecnologia pode vender o pacote Google Worskpace para o governo e prefeituras sem passar por licitação, já que a Celepar é dispensada do processo por ser uma empresa pública.

Como a intenção do governador Ratinho Júnior (PSD) é privatizar a Celepar, o pacote (que inclui e-mail, agenda, videoconferência, chat, drive, documentos, planilhas e inteligência artificial) poderá ter seus preços reajustados nos próximos anos. O acordo de parceria entre Google e Celepar prevê que a multinacional “poderá alterar os preços da Tabela de Preços periodicamente”. Os valores não foram especificados e os termos aditivos ao acordo foram colocados em sigilo.

Já o contrato da Celepar com a Seap indica que o Google poderá ser perpetuar como fornecedor do poder público no Estado (além do governo, a estatal tem cerca de 60 prefeituras entre seus clientes). O contrato poderá ser prorrogado “por um ou mais períodos” e estabelece que “os preços inicialmente contratados são fixos e irreajustáveis no prazo 12 (doze) meses contados da vigência contratual”. Depois desse período, está prevista a correção dos valores pelo IPCA.

Em nota, a Seap afirmou que a projeção de custo para uma nova licitação indicou uma despesa 32% maior. A Secretaria afirmou ainda que a plataforma Google "já conta com distribuição e suporte especializado da Celepar", garantindo integração, padronização e redução de custos operacionais. (veja a íntegra da nota abaixo).

Aproximação e controle

Entre 2003 e 2010, nas duas gestões de Roberto Requião, o governo do Paraná priorizou a utilização de softwares livres, com o objetivo de reduzir custos (a economia seria de R$ 3 milhões por ano) e evitar a dependência tecnológica de gigantes do setor. O estado chegou a ter a Lei do Software Livre, de autoria do ex-deputado Edson Praczyk, aprovada em 2003.

A Microsoft passou a se aproximar do Estado no governo de Beto Richa. Em abril de 2013, Richa assinou um acordo de intenções com a empresa para utilização de soluções nas áreas de tecnologia da informação e plataformas de aprendizagem, a princípio sem custos. A assinatura gerou reações da oposição, pois a lei de 2003 dizia que o Estado devia dar prioridade a softwares públicos. A utilização do Microsoft 365 teria sido adotada entre 2014 e 2015.

                                                 Celepar/Divugação
Beto Richa assina acordo com a Microsoft, em 2011 

Em 2020, já no governo de Ratinho Júnior, a Assembleia Legislativa do Paraná revogou a Lei do Software Livre e outras duas legislações sobre o tema, para dar "condições de escolha ao ente público".


O primeiro passo para a ascensão do Google na administração estadual foi dado no dia 21 de outubro de 2024. Nomeado quatro meses antes, em junho, o secretário estadual da Inovação, Alex Canziani, presidiu a reunião extraordinária do Conselho Estadual de Tecnologia da Informação do Paraná (Cetic-PR) que aprovou por unanimidade a utilização do Google Workspace na administração estadual e a inclusão do produto no catálogo da Celepar.

Depois disso, o governo de Ratinho anunciou quatro parcerias para utilização de soluções nas áreas de educação, sustentabilidade e segurança pública, a primeira delas em outubro de 2024. Em 2025, Ratinho Júnior se reuniu com o presidente do Google Cloud para a América Latina, Eduardo López, duas vezes, a primeira delas em abril, em Las Vegas, e depois em maio, em São Paulo, como mostrou a Agência Estadual de Notícias (AEN). Já o acordo do Google para utilizar a Celepar como revendedora não foi noticiado pela AEN.

       Foto: Jonathan Campos/AEN
Eduardo Lopez e Ratinho Júnior assinam parceria em maio de 2025 / 


Mudança no Plano de Tecnologia

A decisão do Cetic-PR foi a base para o governo publicar uma nova versão do Plano Diretor de Tecnologia da Informação e Comunicação (PDTIC) da Seap, em setembro de 2025. “Ao longo de 2024 e 2025, houve mudanças de diretrizes estratégicas no âmbito do Governo do Estado do Paraná”, diz a apresentação da versão 4.0 do Plano, tratada no documento como mera “revisão interna” (a versão anterior, feita pela empresa Network Informática e Serviços Ltda., teve sua estrutura mantida).

A nova versão cita que o Conselho “aprovou a padronização do Google Workspace como solução oficial de colaboração e produtividade no Poder Executivo Estadual” e determina a substituição dos programas da Microsoft:

Onde constava Microsoft 365, passa a constar Google Workspace;
Onde constava Teams, passa a constar Google Meet;
Onde constava Exchange, passa a constar Gmail;
Onde constava Copilot, passa a constar Gemini.

A mudança no Plano Diretor de Tecnologia possibilitou ao Google se tornar fornecedor dos quatro produtos para 26 secretarias e órgãos do governo, com previsão de ativação imediata de 90.618 contas e um total de 99.680 licenças:Casa Civil - 500 licenças
Casa Militar - 350 licenças
Colégio Estadual do Paraná - 140 licenças
Controladoria-Geral do Estado (CGE) - 146 licenças
Coordenadoria Estadual da Defesa Civil - 139 licenças
Procuradoria-Geral do Estado (PGE) - 950 licenças
Secretaria da Comunicação - 477 licenças
Secretaria da Cultura - 560 licenças
Secretaria da Administração e da Previdência - 623 licenças
Secretaria da Agricultura e do Abastecimento - 533 licenças
Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - 200 licenças
Secretaria da Educação - 30 mil licenças
Secretaria da Indústria, Comércio e Serviços - 100 licenças
Secretaria de Inovação e Inteligência Artificial - 310 licenças
Secretaria da Justiça e Cidadania - 2.100 licenças
Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa - 200 licenças
Secretaria da Saúde - 10.500 licenças
Secretaria da Segurança Pública - 38.500 licenças
Secretaria das Cidades - 425 licenças
Secretaria de Desenvolvimento Sustentável - 120 licenças
Secretaria de Infraestrutura e Logística - 120 licenças
Secretaria do Planejamento - 241 licenças
Secretaria do Turismo - 210 licenças
Secretaria do Esporte - 420 licenças
Secretaria do Trabalho - 2.154 licenças
Secretaria do Desenvolvimento Social e Família - 600 licenças

O contrato informa que 88,4% do total de licenças foi destinado ao plano básico, 11,5% ao plano Intermediário e menos de 0,2% ao plano Avançado. O contrato com a Casa Civil inclui Vice-Governadoria, Imprensa Oficial e Escritório Representação Brasília; e com a Sesp ficam atendidos todos os órgãos vinculados, como PM-PR, Polícia Penal, Polícia Científica e IML. A Receita Estadual e a Secretaria da Fazenda já utilizam o Google Workspace. A Sanepar também contratou a Celepar para utilização da solução, por R$ 20,9 milhões.

Soberania e aprisionamento tecnológico

Em outubro deste ano, o PSOL pediu ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) a anulação do contrato entre Celepar e Google. O partido argumenta que a estatal se transformou em mera revendedora e cita como exemplo o contrato para a Sanepar utilizar o Google Worskpace por R$ 20,9 milhões.

"A Celepar passa a operar dentro da estrutura comercial e técnica da Google, sujeita a suas regras e auditorias, com o objetivo principal de atuar como canal de venda para órgãos e entidades do estado do Paraná, facilitando a contratação desses serviços pela administração pública sem a necessidade de novos processos licitatórios, numa clara manobra para tentar burlar a legislação nacional", diz a denúncia.

Para o partido, há a suspeita de ausência de Estudo Técnico Preliminar (ETP) e Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI) para a contratação do Google Workspace e a Celepar fica sujeita a cláusulas contratuais assimétricas. "O Google pode alterar os preços da Tabela de Preços periodicamente de forma unilateral, mediante aviso à Celepar. Essa prerrogativa unilateral expõe o Estado do Paraná e a Celepar ao risco de onerosidade excessiva e imprevisibilidade orçamentária".

O PSOL argumenta ainda que o contrato representa riscos à soberania digital e à proteção de dados, além de abrir a possibilidade de aprisionamento tecnológico. "E-mails e anexos sigilosos estarão circulando em uma plataforma que não possui data center no Brasil. O Google Drive pode distribuir os dados em qualquer lugar do mundo, o que representa riscos para nossa soberania nacional", diz a ação, que cita o Cloud Act, lei que autoriza o governo norte-americano a acessar dados sob controle de empresas do país em todo o mundo.

Com o contrato com o Google questionado no TCE e sob investigação preliminar do Ministério Público do Paraná, o secretário de Estado das Cidades, Guto Silva, participou de um evento do Google no fim de outubro nos Estados Unidos. No dia 28, em Washington, ele apresentou a palestra “A jornada do Paraná para se tornar o primeiro Estado de IA do Brasil” no Google Public Sector Summit. A palestra não constava na programação oficial do evento.

Foto: Alex Adam/Secid
O secretário Guto Silvano Google Summit, em Washington 

O bom relacionamento com o Google também passa pelo secretário Alex Canziani, que participou das assinaturas de parceria com o gigante da tecnologia. Filha de Canziani, a deputada federal Luísa Canziani (PSD-PR) foi presidente da Frente da Economia Digital da Câmara dos Deputados. Ela preside a comissão que discute a regulação da IA e já esteve na sede do Google, na Califórnia.

Nota da Seap

Segundo a Secretaria da Administração e Previdência, uma nova licitação para a contratação de soluções de office geraria uma despesa 32% maior. Além disso, o Google Workspace já conta com distribuição e suporte especializado da Celepar a medida "atende as normas internacionais de segurança da informação e à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)". Segue a nota da Seap:

A contratação do Google Workspace pela Secretaria de Estado da Administração e da Previdência (Seap), por intermédio da Celepar, representou economia imediata aos cofres públicos. A proposta da Celepar apresentou valores mais competitivos que os verificados em contratações de outros órgãos públicos, sendo que a projeção de custo para uma nova licitação apontou para uma despesa 32% maior. Portanto, a contratação via Celepar representa uma economia substancial, alinhando-se perfeitamente ao dever de buscar a proposta mais vantajosa para a administração.

A adoção do Google Workspace em detrimento de outras soluções também justifica-se por oferecer um conjunto de ferramentas de produtividade e colaboração em nuvem amplamente reconhecido pela eficiência, escalabilidade e segurança, aliado a um custo-benefício mais vantajoso para a administração pública. Diferentemente de outras alternativas, a plataforma Google já conta com distribuição e suporte especializado da Celepar, garantindo integração plena ao ecossistema tecnológico do Estado, maior padronização e redução de custos operacionais.

A medida atende as normas internacionais de segurança da informação e à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), fatores que asseguram governança e economicidade, em conformidade com os princípios e diretrizes estabelecidos pela Lei Federal nº 14.133/2021, bem como pelo Decreto Estadual nº 10.086/2022. Sob a perspectiva da LGPD, os órgãos públicos usuários exercem o papel de controladores dos dados, enquanto a Celepar e a Google, no âmbito deste contrato, atuam estritamente como operadores de processamento. Tudo está dentro da Lei, de acordo com o disposto no § 1º, IV, art. 26 da LGPD.

Privatização segue suspensa

A privatização da Celepar segue suspensa por determinação do Tribunal de Contas do Estado. Se a companhia for vendida, o futuro comprador poderá herdar esse e outros contratos sem ter passado por licitação – além do Google Worskpace, a companhia tem contratos para fornecimento e manutenção de sistemas que podem ultrapassar os R$ 2,4 bilhões (veja quais contratos terminam em 2026).

Em junho deste ano, a Casa Civil do governo de Ratinho Junior enviou um ofício a secretarias e outros órgãos recomendando a prorrogação dos contratos com a Celepar por até cinco anos. O ofício recomendou ainda aos contratantes que autorizassem a companhia a explorar comercialmente os softwares desenvolvidos e compartilhassem seus códigos-fonte com uma empresa prestes a ser privatizada.

A Celepar assinou novos contratos com prefeituras do Estado neste ano, como mostrou matéria publicada pelo Plural em outubro. Os contratos para utilização do sistema de Gestão de Infrações de Trânsito (GIT) somam R$ 86 milhões.

Leia o que já foi publicado sobre a privatização da Celepar


José Marcos Lopes

https://www.plural.jor.br/
GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR



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