CHINA INICIA CONSTRUÇÃO DA MAIOR HIDRELÉTRICA DO MUNDO E PREOCUPA ÍNDIA E BANGLADESCH

Projeto bilionário no Tibete reacende temores sobre segurança hídrica e impactos ambientais em países vizinhos. A obra está inserida na expansão energética do governo chinês, que tem buscado diversificar sua matriz

Por Redação do Um Só Planeta

Rio Yarlung Tsangpo, na China — Foto: Getty Images


A China deu início à construção daquela que promete ser a maior usina hidrelétrica do mundo. O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro chinês, Li Qiang, durante cerimônia no Tibete no último sábado (20), e chamou o empreendimento de “projeto do século”. A barragem será erguida no rio Yarlung Tsangpo — que se transforma no rio Brahmaputra ao cruzar a fronteira com a Índia — e está no centro de um investimento estimado em 1,2 trilhão de yuans (cerca de R$ 900 bilhões ou £124 bilhões), segundo a agência estatal Xinhua. 
A informação foi publicada pelo jornal The Guardian.

O megaprojeto prevê a construção de cinco usinas hidrelétricas em cascata ao longo de um trecho de 50 km do rio, que desce cerca de 2 mil metros ao deixar o Planalto Tibetano. A estimativa é que a produção de energia alcance 300 milhões de megawatts-hora por ano — número muito superior ao da atual maior hidrelétrica do mundo, Três Gargantas, que gera 88,2 milhões de MWh.

A obra está inserida na expansão energética do governo chinês, que tem buscado diversificar sua matriz para alcançar as metas climáticas e estabilizar o fornecimento de energia. A China é, hoje, o maior emissor global de carbono e também o país com mais projetos hidrelétricos em operação no mundo.

Apesar disso, o projeto já levanta fortes críticas de países vizinhos e de grupos ambientalistas e tibetanos. Índia e Bangladesh, por onde o rio continua seu curso, demonstraram preocupação com o possível impacto sobre o abastecimento de água, irrigação, produção de energia e ecossistemas locais. “China pode sempre transformar essa água em uma arma, bloqueando ou desviando seu curso”, disse Neeraj Singh Manhas, assessor especial para o Sul da Ásia na Parley Policy Initiative, à BBC.

Em dezembro, o governo indiano formalizou suas preocupações a Pequim, e reiterou o tema em reuniões entre ministros das Relações Exteriores em janeiro. Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que o país “não busca hegemonia hídrica” e que “jamais persegue benefícios próprios em detrimento de seus vizinhos”. O órgão também prometeu manter os canais de diálogo com os países a jusante e reforçar a cooperação em prevenção e mitigação de desastres.

Além da geopolítica, ativistas e comunidades tibetanas alertam para possíveis impactos culturais e sociais. Há locais sagrados ao longo do curso do rio e incertezas sobre deslocamentos populacionais. Protestos anteriores contra barragens no Tibete resultaram em repressões severas, como ocorreu em 2023, quando centenas de pessoas foram presas ao se manifestarem contra a barragem de Kamtok, no alto rio Yangtzé. A hidrelétrica de Três Gargantas, por exemplo, deslocou cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Ambientalistas também manifestam preocupação com a construção em uma região marcada por instabilidade geológica, com frequentes deslizamentos de terra, intensa atividade tectônica e biodiversidade sensível. Ainda assim, Li Qiang afirmou que o projeto estimulará o desenvolvimento regional e a criação de empregos, e acrescentou: “Especial ênfase deve ser dada à conservação ecológica para evitar danos ambientais”, conforme reportado pelo The Guardian.

Vizinhos estão preocupados

A repercussão do anúncio também foi abordada pela agência de notícias Reuters, que destacou o contraste entre as ambições de Pequim e as preocupações crescentes de seus vizinhos. Segundo a agência, além do potencial energético — o suficiente para abastecer todo o Reino Unido — o projeto levanta velhas tensões ligadas à segurança hídrica.

A falta de transparência sobre o cronograma e os detalhes técnicos da construção intensifica os temores. O chefe de governo do estado indiano de Arunachal Pradesh, que faz fronteira com o Tibete, alertou que a barragem poderia secar até 80% do rio no território indiano e, ao mesmo tempo, provocar inundações em áreas vizinhas como Assam.

Especialistas apontam ainda para outra consequência do represamento: a retenção de sedimentos ricos em nutrientes, essenciais para a agricultura nas planícies aluviais do sul. “O sedimento carrega nutrientes essenciais para a agricultura nas planícies ribeirinhas”, explicou Michael Steckler, professor da Universidade Columbia.

Além das preocupações ambientais, o projeto alimenta desconfianças históricas. China e Índia travaram uma guerra fronteiriça na década de 1960, e a ausência de informações claras sobre o andamento da obra contribui para especulações sobre possíveis usos estratégicos do controle hídrico. Segundo o Ministério das Relações Exteriores da China comentou à Reuters, a construção do projeto hidrelétrico de Yarlung Zangbo "é uma questão de soberania chinesa”, ressaltando os benefícios em geração de energia limpa e controle de inundações.

O governo chinês também declarou que já realizou comunicações necessárias com os países a jusante sobre dados hidrológicos, controle de enchentes e cooperação para mitigação de desastres.

Ainda segundo a Reuters, o impacto total da barragem pode estar sendo superestimado. A maior parte do volume de água do rio Brahmaputra provém das chuvas de monção que ocorrem ao sul dos Himalaias, e não do Tibete. O pesquisador Sayanangshu Modak, da Universidade do Arizona, afirmou que o plano chinês é de uma usina “a fio d’água”, o que significa que o rio continuará a correr por seu leito natural, sem armazenamento em grande escala.

A Índia, por sua vez, também tem seus próprios projetos para reforçar sua posição sobre o uso da bacia. Foram propostos dois empreendimentos no rio Siang (como o Brahmaputra é chamado no país), incluindo um projeto de 11,5 gigawatts em Arunachal Pradesh, que, se executado, será o maior do país. “Se a Índia puder mostrar que vem utilizando essas águas, a China não poderá desviá-las unilateralmente”, concluiu Modak.

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