DA BANCADA RURALISTA, ENTENDA O PERFIL DE CHIQUINHO BRAZÃO NO CONGRESSO

Deputado com atuação pouco expressiva na Câmara, Brazão não se destaca pela apresentação de projetos

Por Texto: Gabriel Máximo | Edição: Thiago Domenici

O gabinete 507 do Anexo IV da Câmara dos Deputados amanheceu trancado na segunda-feira (25). Seu titular, o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), havia sido preso pela Polícia Federal (PF) na manhã do dia anterior. Chiquinho é um dos três suspeitos de mandar matar a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018. O irmão do parlamentar e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingos Brazão, e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense Rivaldo Barbosa completam a lista de acusados de serem os mandantes de um crime há seis anos sem solução.

                                                                                            Gabriel Maximo / Agência Pública
Na segunda (25), o gabinete de Chiquinho Brazão no Congresso estava de portas trancadas

O perfil de Chiquinho na Câmara

Chiquinho Brazão foi vereador do Rio de Janeiro por quase quatro mandatos, de 2005 a 2018, e foi colega de Marielle na Câmara Municipal carioca. De acordo com o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ), que integrou o legislativo carioca de 2017 a 2023, Brazão sempre fez questão de presidir a Comissão de Assuntos Urbanos e minar a participação da esquerda. “No trato, era alguém que se você passasse por ele nunca havia algum tipo de ofensa, nunca fez nada, mas sempre ficava muito irritado quando a gente mantinha uma posição ideologicamente maior contra os projetos dele”, disse à Agência Pública.

Em 2018, seis meses depois do assassinato de Marielle, Brazão foi eleito deputado federal pelo Avante, com 25.817 votos, e reeleito em 2022, dessa vez pelo União Brasil. Na Câmara dos Deputados, tem atuação pouco expressiva. Um deputado ouvido pela Pública sob reserva afirmou que Brazão sempre foi um colega tranquilo no cotidiano da Câmara e que, embora houvesse havia algum tempo o rumor de seu envolvimento no assassinato de Marielle e Anderson, jamais poderia imaginar que ele seria capaz disso.

Nos registros de presença, consta que durante o primeiro mandato (2019-2022) Chiquinho Brazão só teve 13 ausências não justificadas, das 458 sessões deliberativas realizadas no período. Na atual legislatura, do total de 96 sessões até o momento, o deputado participou de 87.

Foi relator de apenas oito projetos de lei, sendo que nenhum deles foi aprovado até o momento. Entre eles, estão a proposta que aumenta a pena para profissionais do futebol envolvidos em manipulação de resultados e a que cria mecanismos para auxílio na compra e reconstrução de imóveis afetados por desastres naturais. O deputado não ocupou cargos importantes na Casa, tendo sido vice-líder do Avante algumas vezes em 2019 e 2020.

Brazão não se destaca pela apresentação de projetos. Ele é mencionado como autor de 769 propostas, mas na maior parte delas o deputado está na condição de coautor. Ele é um frequente apoiador da criação de frentes parlamentares, independentemente se a proposição é de direita, como a de defesa das guardas municipais, ou de esquerda, tal qual a que sugere defender o Pantanal. A característica é típica de políticos do chamado Centrão, partidos sem coloração ideológica e que servem a diferentes governos.
                                                                                                         Renan Olaz/CMRJ
Chiquinho Brazão foi colega de Marielle na Câmara Municipal do Rio de Janeiro

                                                                                                           Renan Olaz/CMRJ
Seis meses depois do assassinato de Marielle, Brazão foi eleito deputado federal


As propostas de Brazão

Nos projetos dos quais Brazão é o principal autor, a maioria foi apresentada no primeiro mandato e se refere a questões econômicas ou medidas de enfrentamento das consequências da pandemia. No entanto, as propostas não se resumem a esses temas. Em 2021, o deputado apresentou um projeto de lei (PL 146/2021) para estabelecer que o poder público forneça ferramentas tecnológicas a mulheres vítimas de violência para fortalecer o combate à prática.

Outra proposta alinhada à pauta feminina é a que altera a Lei do Incentivo ao Esporte para obrigar que 50% dos recursos arrecadados com patrocínios e doações sejam destinados às modalidades femininas dos esportes. “As seleções femininas sofrem com a falta de dinheiro e de estrutura, apesar de contarem com expoentes da categoria, como a brasileira Marta, eleita tantas vezes a melhor jogadora do mundo pela Fifa. O mercado está se abrindo, mas o futebol ainda é um ambiente em que a atuação das mulheres é menos incentivada”, justifica no texto.

Da Bancada ruralista

O deputado integra, desde 2019, a poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mais conhecida como bancada ruralista. Teve posição favorável em várias votações importantes do grupo, como o projeto de lei que flexibilizou as regras para o registro de agrotóxicos e o PL da “grilagem”, que regulariza a ocupação indevida de terras públicas, ambos aprovados durante o governo Bolsonaro (2019-2022). Na atual legislatura, ele apoiou o projeto que definiu a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Em nota enviada à Pública após a prisão de Brazão, a FPA informou que decidiu expulsá-lo do grupo “diante das graves denúncias” e manifestou solidariedade às famílias das vítimas. Essa foi a segunda expulsão em razão do caso, já que no domingo (25) a executiva nacional do União Brasil aprovou por unanimidade a expulsão do deputado.
                                                                           Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Chiquinho Brazão era integrante da bancada ruralista

Prisão

Em 23 de março, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a prisão preventiva de Chiquinho Brazão, concretizada na manhã seguinte pela PF e confirmada pela Primeira Turma da Corte na última segunda-feira (25). Por se tratar de um deputado federal, que tem foro privilegiado, é necessário que a Câmara confirme a manutenção da prisão. Para isso, os parlamentares precisam votar a medida em plenário, onde precisa ser aprovada por maioria absoluta, ou seja, 257 votos.

O caso foi levado para análise preliminar da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta terça-feira, sob relatoria do deputado Darci de Matos (PSD-SC), que defendeu em seu parecer a manutenção da prisão. No entanto, após a leitura do relatório, os deputados Gilson Marques (Novo-SC), Fausto Pinato (PP-SP) e Roberto Duarte (Republicanos-AC) pediram vista, o que dá aos parlamentares até duas sessões para analisar o relatório. Na prática, a votação só deve ocorrer após o dia 9 de abril, já que não haverá sessões na Câmara na próxima semana em razão da janela partidária. Até lá, Chiquinho Brazão seguirá preso.

Após o pedido de vista, o clima na reunião, que já estava tenso, piorou. Houve discussões entre parlamentares da oposição e do governo, sobretudo do PSOL, partido de Marielle Franco. O deputado Gilson Marques questionou “a pressa, o afogadilho” para decidir sobre a prisão de Brazão, ao que foi rebatido pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP): “São seis anos esperando por justiça, e vocês passando pano para miliciano!”.

Presente na sessão, o advogado de Chiquinho Brazão, Cleber Lopes de Oliveira, argumentou que a decisão de Moraes ocorreu “ao arrepio da Constituição Federal”, uma vez que, segundo ele, não teria ocorrido uma prisão em flagrante, condição para que uma pessoa com foro privilegiado seja presa. Do presídio federal de Brasília, Brazão participou da sessão virtualmente. Ele disse ter uma “ótima” relação com Marielle Franco e que, apesar das divergências políticas entre eles, não vê o “elo” para ser acusado de seu assassinato.
                                                                                           Alerj, ABr e Câmara Deputados
Domingos Brazão, seu irmão Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa. Os três foram presos pelo assassinato da vereadora Marielle Franco

Rio das Pedras, milícias e os Brazão

Em delação premiada à PF, Ronnie Lessa, um dos executores confesso da morte de Mariele, indicou como motivo do crime “o fato de a vereadora Marielle Franco estar atrapalhando os interesses dos irmãos [Chiquinho e Domingos Brazão], em especial, sua atuação junto a comunidades em Jacarepaguá, em sua maioria dominadas por milícias, onde se concentra relevante parcela da base eleitoral da família Brazão”.

Nesse ponto, o relatório final PF insere os Brazão em um contexto maior de violência e dominação de território. “Neste sentido, constata-se que a interação da Família Brazão com grupos paramilitares é intensa e se destaca na Zona Oeste do Rio de Janeiro, notadamente nos bairros de Jacarepaguá, Tanque, Gardênia Azul, Rio das Pedras, Osvaldo Cruz e arredores. […] Neste sentido, observa-se que Família Brazão goza de especial influência na comunidade de Rio das Pedras, um enclave geográfico controlado por organização criminosa do tipo milícia há mais de duas décadas.”

A relação entre voto e áreas controladas por milícias no relatório incluiu duas citações a uma reportagem da Pública de 2019, que deu dimensão às atividades políticas dos Brazão. Dias antes da publicação da reportagem, em fevereiro de 2019, Domingos Brazão havia sido alvo de operação da PF para averiguar tentativas de atrapalhar a elucidação da morte de Marielle e do motorista Anderson Gomes. A apuração e os dados levantados pela Pública mostram como os irmãos Brazão ampliaram sua influência política na área, tornando-se campeões de votos nas eleições de 2010, 2012, 2014 e 2016.

“Neste sentido, observa-se que Família BRAZÃO goza de especial influência na comunidade de Rio das Pedras, um enclave geográfico controlado por organização criminosa do tipo milícia há mais de duas décadas”, diz o relatório da PF, seguido do infográfico da Pública com os dados da votação das quatro eleições.

Quando o inquérito da PF foi aberto, em 21 de julho de 2023, já haviam se passado cinco anos e quatro meses desde o crime. Uma investigação anterior da Polícia Civil fora “sabotada” por membros da própria corporação, segundo a PF e pelo menos três pessoas que poderiam esclarecer pontos do plano do homicídio foram assassinadas depois do crime contra Marielle.

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