GOVERNO RATINHO JR. PÕE EX-CUNHADO E DOADORES DE CAMPANHA NO CONTROLE DA LOTERIA DO PARANÁ O CONTROLE

Tribunal de Contas aponta improbidade; Presidente do TCE teria pedido que licitação não seja suspensa


Por Amanda Audi


Nas últimas semanas, o presidente do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), Fernando Guimarães, teria batido de porta em porta nos gabinetes dos seus colegas. Na ocasião, ele teria feito a cada um pedido especial: não suspender a licitação da gestão da loteria do estado, a Lottopar, que foi alvo de uma série de apontamentos de irregularidades por técnicos do tribunal.

A Agência Pública conversou com pessoas que ouviram os pedidos – que não quiseram se identificar para evitar represálias. “Ele bateu até na porta dos conselheiros que não são muito próximos a ele. Foi estranho, nunca vi tanta veemência num pedido”, disse um dos interlocutores.

A licitação em questão é um negócio milionário que deve render lucros crescentes nos próximos 20 anos. E a sua aprovação está diretamente ligada às famílias e a pessoas do círculo restrito do presidente do TCE-PR e do governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD).

A história é a seguinte: de olho no faturamento das apostas esportivas no país, Ratinho decidiu criar uma loteria própria do estado. A previsão é de que os rendimentos superem os R$ 230 milhões em 20 anos. Há possibilidade do valor crescer ainda mais, tendo em vista que os acessos a apostas explodiram quase 300% entre 2019 e 2021 no país, segundo a Comscore.

Mas a Agência Pública apurou, com documentos exclusivos e conversas com pessoas envolvidas no processo, que o negócio lucrativo ficou sob o comando de um homem de confiança do governador: o seu ex-cunhado, Daniel Romanowski.

Além disso, a decisão favoreceu empresários que doaram para a sua campanha. Um dos donos da empresa que venceu o edital para gerenciar a loteria, Henrique Oliveira, trabalhou no órgão do governo estadual que elaborou o edital, e é casado com a filha do presidente do TCE-PR. A esposa de Guimarães, por sua vez, tem um cargo importante na gestão Ratinho: é superintendente de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado.

“É um grupo muito fechado, muito unido. Eles têm o mesmo convívio social, mesmo quando não há laço sanguíneo direto”, diz uma fonte com acesso às negociações. “Este negócio representa muita grana, por muito tempo, para pessoas específicas deste grupo. É um esquema praticamente vitalício.”
                                                                                                                Bruno Fonseca/Agência Pública


A Pública procurou a assessoria do governo do Paraná, que respondeu, via assessoria da Lottopar. Na resposta, a loteria afirma que o relacionamento entre Romanowski e Selma se encerrou há 10 anos, e “qualquer ilação que possa ser feita neste sentido não passa de má-fé”. A assessoria afirmou que respondeu a todos os questionamentos realizados pelo Tribunal de Contas do Estado e que a licitação ocorreu através da Nova Lei de Licitações (14.133/21). Leia a resposta completa aqui.

A reportagem questionou também o presidente do TCE, Fernando Guimarães, que confirmou que seu genro “tem uma pequena participação numa das empresas consorciadas que disputam a licitação”. “Não existe nenhuma interferência minha nisso. Não pedi nada a nenhum gabinete, nunca fiz isso e não é agora que vou fazer. O processo segue o fluxo normal até a votação em plenário. Não tenho juízo nenhum a respeito”, disse.

“Em relação à minha esposa, realmente ela atua há várias gestões no governo. Atualmente como superintendente-geral de Desenvolvimento Econômico e Social. Isso não compromete minha atuação, minha independência e minha imparcialidade como conselheiro”, completou.
                                                                                                                             Reprodução/Lottopar
Loteria é presidida por ex-cunhado do governador; sócio da operadora da loteria é ex-funcionário do governo e casado com filha de presidente do TCE, que avalia o edital

Uma loteria nas mãos do ex-cunhado do governador

Romanowski, ex-cunhado de Ratinho, é o diretor-presidente da Lottopar. Ele já foi casado com a advogada Selma Saito Azevedo, irmã da esposa de Ratinho, e até hoje é próximo da família. O ex-casal também já foi sócio em uma loja de conveniências em Curitiba, a Uptown Conveniências.

Ratinho tem nomeado Romanowski para cargos estratégicos ao menos desde 2015. Na época, o atual governador ainda era secretário de Desenvolvimento Urbano e colocou o ex-cunhado para coordenar o Paranacidade, órgão que acompanha obras nos municípios do estado.

A dobradinha pavimentou ruas, mas também a ascensão de Ratinho. Correndo as cidades para promover as obras do programa de pavimentação, o então secretário se aproximou de prefeituras com inaugurações e anúncios de investimentos. Nas eleições de 2018, Ratinho foi o mais votado em 382 dos 399 municípios do estado.

Depois de eleito, o novo governador concedeu a Romanowski uma ascensão meteórica. Antes de se tornar o responsável pela Lottopar, ele ocupou cargos de direção na Agência Paraná de Desenvolvimento, no Instituto de Tecnologia do Paraná e na Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina. Romanowski começou a carreira com salário de R$ 13,7 mil em 2015, que foi gradualmente subindo até superar os R$ 31 mil na direção do porto.

Agora, na loteria estadual, o ex-cunhado do governador recebe R$ 22,3 mil mensais. Ele também acumula um cargo no comitê da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná pelo qual ganha quase R$ 3 mil.

Mais que o salário, Romanowski também tem controle sobre um negócio que irá render milhões por ano e cuja operação ainda é nebulosa.
                                                                                                                                  Reprodução
Ex-cunhado do governador recebe R$ 22,3 mil mensais como presidente da loteria estadual do Paraná

Denúncias de improbidade no edital da loteria

A licitação para gerir o sistema da loteria, capitaneada pelo ex-cunhado de Ratinho, foi repleta de problemas. Segundo a Pública apurou, ela tramitou em regime de urgência sem justificativa e o edital seria tão específico que apenas uma empresa pôde concorrer, aponta auditoria do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), de março deste ano.

O edital pedia, por exemplo, experiência mínima de um ano na gestão de loterias em mercados regulados, apesar de a atividade ainda ser embrionária no Brasil, e “especificação demasiadamente detalhada do hardware, sem motivação”, apontou o TCE. O sistema ainda teria que ser apresentado em 10 dias, prazo considerado “inviável” — nas palavras do TCE — de ser cumprido a não ser que a empresa que estivesse concorrendo já tivesse o material pronto.

Os terminais de apostas deveriam ter display colorido com exatas 5,5 polegadas, câmera traseira com exatos 5 megapixels e duas baterias de exatos 2600 mAh cada. O comum em licitações do tipo seria pedir faixas mais amplas, e não determinar valores específicos.

Os técnicos que realizaram a auditoria também avaliaram que o prazo de concessão de 20 anos do serviço determinado pelo governo paranaense é irregular, que os estudos de custos foram deficientes e que não havia um regime de transição para a tecnologia ser transferida para o estado. “Existem graves impropriedades no edital que tem uma alta probabilidade de gerar danos futuros à administração durante a execução contratual”, escreveram.

Quem venceu a licitação relâmpago foi o consórcio formado pela Pay Brokers, uma empresa paranaense que opera transações de pix para sites de apostas internacionais, e uma empresa indiana, chamada Skilrock Technologies. O grupo deve faturar R$ 167 milhões para oferecer o serviço de operacionalização da loteria estadual durante 20 anos, segundo previsão do edital.

O TCE aponta que o fato de o consórcio ser o único a ter os equipamentos exigidos no edital seria “sorte ou direcionamento licitatório”.

O mérito do relatório deve ser julgado pelo TCE-PR no final de setembro. A Pública apurou que o assunto é visto como “muito sério” pelos conselheiros. Se os pedidos dos técnicos forem acatados, a licitação pode ser suspensa.

Ao todo, pessoas ligadas à Pay Brokers doaram R$ 400 mil para a campanha de Ratinho. O repasse do grupo só não foi maior que a doação de Carlos Roberto Massa, o apresentador Ratinho, que enviou R$ 1,8 milhão ao filho político.

Edson Antonio Lenzi Filho e Henrique de Oliveira Moreira, sócios do consórcio vencedor, doaram R$ 130 mil para o diretório do PSD paranaense, que repassou o dinheiro à campanha de reeleição de Ratinho Junior em 2022, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

Outros R$ 270 mil foram doados pelo irmão de Lenzi, Edgar, e sua esposa Daniele. Os três são sócios de um mesmo escritório de advocacia de Curitiba, que tem o mercado de jogos e o lobby pela regulamentação do setor como uma de suas principais áreas de atuação.

A reportagem procurou a Pay Brokers, que não respondeu.

Sócio que levou edital de loteria no Paraná também ganhou no Rio

Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal entendeu que estados podem criar sistemas próprios de loteria — uma competência que antes estava restrita apenas à União. Um dos estados mais avançados até agora é o Paraná.

O edital paranaense tomou como base o modelo do Rio de Janeiro, que também colocou exigências que permitiram a só uma empresa concorrer e vencer. Tanto o consórcio do Paraná como a empresa que venceu no Rio, a Pixs Cobrança e Serviços em Tecnologia, são de Edson Antonio Lenzi Filho. No Rio, a loteria já começou a operar. A estimativa é de arrecadar R$ 8 bilhões durante os 20 anos de concessão.

Henrique Moreira, o outro sócio do consórcio, foi servidor comissionado com cargo de chefia na Secretaria de Administração e Previdência do Paraná no período em que o órgão ajudou a elaborar a legislação para criar a loteria paranaense, junto com a Secretaria da Fazenda. Ele é casado com Mariana Guimarães, filha do presidente do Tribunal de Contas e da superintendente do governo.

A nomeação de Moreira foi assinada em setembro de 2020, mesmo mês em que o Supremo liberou as loterias geridas por estados. O grupo de trabalho para criar a loteria ocorreu quando Moreira ainda estava na secretaria, em fevereiro de 2021 – e apenas uma semana depois da abertura do CNPJ do consórcio Pay Brokers Paraná.

Ele foi exonerado em novembro de 2021, duas semanas antes de a Assembleia Legislativa do Paraná aprovar, em regime de urgência, a lei que autorizou a loteria do estado, e poucos dias antes de ele próprio participar pessoalmente da prova prática para o processo no Rio de Janeiro como representante da empresa vencedora.

A assessoria do governo do Paraná diz que Moreira não participou diretamente da elaboração do edital – apesar de estar em posição de comando na pasta no período em que ele começou a ser confeccionado. A Pública também entrou em contato com a Pay Brokers, mas não obteve resposta.

A sogra de Moreira, Keli Gali Guimarães, foi investigada em 2015 por participação em um suposto esquema de corrupção que usava organizações sociais para prestação de serviços em municípios do estado. Os contratos tinham pouca transparência, e a Controladoria Geral da União estimou os desvios em R$ 24 milhões. Ela foi nomeada por Ratinho em 2022 para assumir a secretaria que trabalha, justamente, com organizações sociais.

Lenzi também é um dos donos da BR Lotto, empresa que atua no mercado de loterias regulamentadas autorizadas pelos governos do Maranhão e da Paraíba. A BR Lotto Paraíba foi credenciada para operar loteria no estado em abril. No Maranhão, a empresa que tem como sócios Lenzi e Moreira foi uma das credenciadas para atuar na Lotema, que teve o funcionamento autorizado também em abril.

Lenzi ainda espera atuar no Mato Grosso do Sul, onde ele e Moreira abriram o CNPJ da BR Lotto Loterias do MS. Mas lá o processo de implantação encontra-se suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça.
                                                                                                 Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
CPI que apura a manipulação de resultados de jogos de futebol pediu quebra de sigilo da Pay Brokers

CPI do Futebol mira empresa que venceu licitação no Paraná

Em junho, a Pay Brokers teve a quebra de sigilo pedida pela CPI da Manipulação no Futebol, comissão criada na Câmara dos Deputados para apurar suspeitas de manipulações de jogos para favorecer apostas.

O requerimento do deputado Luciano Vieira, do PL do Rio Janeiro, diz que a solicitação é “a fim de investigar possíveis práticas criminosas na movimentação financeira” de apostas. Segundo a reportagem apurou, a suspeita é de que a empresa faria operações de câmbio sem autorização do Banco Central. O requerimento ainda não foi julgado.

Em declarações dadas à imprensa, sócios da Pay Brokers dizem que só foram convocados como testemunhas, que não são investigados, e que foram chamados para ajudar a esclarecer o mercado de apostas no país.

A comissão foi criada em meio ao escândalo de operações policiais que encontraram indícios de fraude no Campeonato Brasileiro e em campeonatos estaduais. Uma investigação do Ministério Público de Goiás mostrou que apostadores aliciavam jogadores para serem punidos ou favorecerem algum resultado durante as partidas. Por exemplo, se um grande número de apostas previa que um jogador receberia cartão amarelo durante o primeiro tempo de um jogo, os apostadores ofereciam uma parte do prêmio para que o jogador tomasse de fato alguma atitude para receber a punição e todo mundo sair ganhando.

Estimativas apontam que o mercado de apostas esportivas no Brasil é gigantesco: ele movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano – e concentra 25% do acesso a sites de apostas de todo o mundo, segundo um estudo da empresa SimilarWeb.

O mercado de apostas foi legalizado no país em 2018, ainda durante o governo Michel Temer, mas a sua regulamentação só foi publicada no último dia 25. A falta da regulamentação do setor deixou lacunas que favoreceram a ação de criminosos. Neste período, os sites operavam de forma legal, mas com representações em empresas de outros países, geralmente offshores, passando ao largo da tributação e das regras brasileiras.

Agora, o governo proibiu agentes públicos e de fiscalização de participarem das apostas e impediu que empresas operassem sem credenciamento junto aos órgãos públicos. Esperam, com isso, diminuir os casos de manipulação de resultados.

No caso de loterias estaduais, como a Lottopar, a regulamentação própria depende de cada ente da federação. No Paraná, as empresas que operam as apostas devem pagar ao estado 5% de contribuições sociais mais 1% sobre a receita bruta do mês anterior – um total de 6% do lucro bruto. A loteria afirma que vai criar canais de denúncia e exigir que os operadores abram os dados de apostadores com atitudes suspeitas para evitar irregularidades.

 https://apublica.org                     



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