APÓS 3 ANOS, JUSTIÇA DEVOLVE À MÃE CRIANÇA LEVADA A ADOÇÃO ...

. . . por excesso de internações 

Desembargador reformou decisão que permitiu o afastamento e a adoção por uma família substituta

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Luís Gomesluisgomes@sul21.com.br

Mãe biológica manteve em sua casa quarto preparado para a volto filho | Foto: Arquivo Pessoal

O desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro confirmou a decisão de devolver à mãe biológica uma criança que foi retirada do convívio familiar há mais de três anos e encaminhada para adoção por suposta negligência materna no tratamento de saúde do filho. A decisão confirma o pedido da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS) de retorno da criança ao convívio da mãe e reforma as decisões anteriores, que permitiram o afastamento e que ela fosse adotada por uma família substituta.

Em fevereiro, o Sul21 publicou uma reportagem que analisa casos de famílias que tiveram os filhos retirados pelo Estado, destacando que a situação de vulnerabilidade social da família biológica muitas vezes é motivadora para a decisão de perda da guarda.

De acordo com a Defensoria, no atual caso, a mãe, residente de um território marcado pela vulnerabilidade social na zona norte de Porto Alegre, perdeu a guarda da criança, então com 2 anos, hoje com 5, após uma profissional da saúde denunciar que o menino passou por diversas internações para tratar de problemas respiratórios. Para a denunciante, as internações recorrentes eram causadas porque a mãe não fazia o devido tratamento médico da criança após a alta hospitalar, o que levava a novas internações. Ela também foi denunciada por outras pessoas por tumultuar o serviço hospitalar por levar a criança ao local constantemente, sem necessidade, exigindo a internação.


Contudo, segundo a Defensoria, a família morava em território de hipervulnerabilidade e a unidade de saúde próxima de sua residência não contava com atendimento pediátrico, por falta de profissionais. A UPA de abrangência de sua região, em dado momento, também deixou de fazer atendimentos pediátricos de emergência, deixando a população daquela zona desassistida. Essas circunstâncias faziam com que a mãe, diante de quadros de disfunção respiratória do filho, precisasse se deslocar ao atendimento de emergência do hospital mais próximo de sua casa para atendimento. Ao chegar no hospital, a mãe sempre exigia de forma fervorosa e enfática o atendimento do filho, o que causava, muitas vezes, desconforto na equipe de assistência.

O quadro de agressividade da mãe, segundo documentos contidos no processo, eram decorrentes de um problema de saúde mental da genitora. Apesar de leve, o quadro não tinha o devido acompanhamento na época da denúncia.

Na defesa original da mãe, a Defensoria apontou que, em depoimento, uma assistente social do hospital relatou que, na sua visão, “aquela situação era a luta de uma mãe pela saúde de seu filho”.

A testemunha disse ter feito diversas intervenções com a genitora no ambiente hospitalar e que acreditava não se tratarem de internações desnecessárias, uma vez que a criança chegou a receber suporte respiratório de oxigênio, o que demonstraria a importância do atendimento médico buscado pela mãe.

Em primeira instância, em agosto de 2019, a Justiça determinou que a criança deveria ser afastada da mãe e levada a uma instituição de acolhimento. Inicialmente, a decisão permitia que a mãe visitasse a criança, mas esse direito foi suspenso posteriormente. Uma segunda decisão também determinou que a criança poderia viver com uma família substituta, de forma provisória, embora ainda não finalizado o processo, nem proferida a decisão final. A criança passou a morar com esta família em dezembro de 2021.

A Defensoria recorreu das decisões e, ao analisar o caso, o desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro considerou que os laudos técnicos contidos no processo demonstram que a mãe se reorganizou, mudou de residência, constituiu família com um companheiro, e está assídua há longa data em serviço de acompanhamento em saúde mental, sendo também atendida pelo serviço socioassistencial do território de sua residência, estando apta a cuidar de seu filho.

“Uma vez induvidosa a relação de afeto entre a mãe e a criança, no caso; e restando evidenciado o total interesse e condições na manutenção do poder familiar, forçosa a reforma da sentença”, diz a decisão.

O desembargador pontua ainda que, apesar da criança já estar integrada à família pela qual foi adotada, não seria prudente destituí-la do poder familiar.

A Defensoria produziu um vídeo (ver acima) em que mãe biológica, que teve o nome e a identidade preservados, conta que nunca perdeu a esperança no retorno do filho e que manteve durante todo o período de afastamento um quarto montado no aguardo pela criança.

“Não me chamaram para conversar, não mantiveram o contato, só pegaram ele e desligaram mãe e filho. (…) Eu dizia para ele: ‘vou lá e já volto’. Para ele não se sentir abandonado, para ele entender que eu não sou a pessoa que diziam”, diz a mãe.

Defensora Pública que acompanha o caso, Larissa Caon destaca que pretendentes à adoção de crianças ou adolescentes são comunicados no decorrer dos processos de que a destituição familiar pode ou não ser definitiva, cabendo a eles escolher se aceitam a guarda nesta condição ou se preferem aguardar uma criança que já esteja totalmente desvinculada de sua família de origem, sem possibilidade de retorno.

“No caso concreto, os pretendentes à adoção foram alertados pelo juízo, como de praxe, em processos desta natureza, de que a guarda seria concedida a título precário, e que a decisão poderia ser revertida, o que, de fato, ocorreu”, diz a defensora.

Larissa destaca ainda que, durante todo o processo, a mãe biológica nunca desistiu de reaver seu filho e manteve o quarto da criança montado, com fotos expostas pela casa, e com um armário cheio de brinquedos guardados nas prateleiras esperando o retorno do menino.

“A luta da Defensoria Pública, diuturnamente, é para que, nos processos de destituição do poder familiar, não haja a colocação da criança em família substituta antes da decisão final do processo. Isso porque, segundo a legislação, há a primazia da família biológica, sendo que a colocação em adoção apenas poderá ocorrer nos casos em que cabalmente comprovada a impossibilidade de reintegração familiar. No presente caso, restou demonstrado que a mãe biológica tem condições de retomar os cuidados do filho e, por isso, a decisão judicial determinou o retorno da criança para casa. Importante registrar, neste ponto, que a situação de pobreza, segundo a lei, não é fundamento para retirar uma criança de sua família biológica. O Estado, nestes casos, deve dar o suporte socioassistencial necessário, incluindo a família em acompanhamento da rede de proteção, dispensando, quando elegível, benefícios sociais para melhora da condição econômica e social, para a garantia dos direitos da criança”, diz a defensora.

A decisão pelo retorno da criança à mãe biológica agora transitou em julgado e deverá ser cumprida imediatamente



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