E O LÍBANO MERGULHOU NA ESCURIDÃO

Por Guga Chacra


O Líbano não consegue parar de piorar. Neste fim de semana, chegou a ficar 24 horas sem energia elétrica central — a que o Estado supostamente deveria prover. Falo de uma nação que até pouco tempo atrás, em 2019, ainda era de classe média, com um padrão não muito diferente de países da América Latina. Inclusive, com menos miséria e desigualdade do que o Brasil. Beirute tem marcas de destruição da guerra civil (1975-1990) e bairros mais pobres. Mas ainda assim eram melhores do que as áreas mais miseráveis das capitais brasileiras
Homem com máscara vê o escombros de explosão em Beirute

A atual catástrofe libanesa começou há pouco mais de dois anos. A corrupção de uma classe política sectária em uma nação sem projeto algum de país levou ao fim da coleta de lixo e a apagões intermitentes. A população sobrevivia graças a um câmbio fixo fictício e a remessas do exterior. Apesar de ser uma nação mediterrânea com muitas áreas férteis, especialmente no verdejante Vale do Beqaa, importava 80% dos alimentos que consumia.

Com uma moeda sobrevalorizada, isso não parecia ser um problema para os consumidores. Obviamente, quando essa mesma moeda, a lira libanesa, perdeu 90% do valor, ocorreu o colapso total. A classe média que vive do salário, e não dos dólares enviados pelos parentes no exterior, começou a passar fome. Os mais pobres, que normalmente são refugiados sírios e palestinos, foram para a pobreza extrema.

O combustível do Líbano também é importado. Além de faltar dinheiro para comprar, grande parte acaba sendo contrabandeada para a vizinha Síria. Os mais ricos montam esquemas para abastecer seus geradores — em um país com Estado ausente, esse recurso também é muito utilizado por parte da classe média. Chegou um momento, na semana passada, que literalmente acabou a combustível para a estatal de eletricidade e o país ficou na escuridão. Alimentos perecíveis estragaram. Remédios dependentes de refrigeração perderam a validade.

A saída foi o governo pegar emprestado do Exército e usar dinheiro das reservas em dólares do Banco Central, que já estão próximas do fim, para conseguir pagar. Todo este caos se soma à maior explosão não-nuclear em uma zona urbana na História da humanidade — todos se lembram bem quando o porto de Beirute explodiu, destruindo boa parte da capital libanesa. Para completar, apesar da formação de um novo governo, segue a instabilidade política, com rivalidades envolvendo diferentes e complexas alianças envolvendo partidos cristãos, sunitas, xiitas e drusos. Acrescente-se a existência de milícias, sendo uma delas a mais poderosa do mundo — o Hezbollah. Há ainda interferência estrangeira de países da região e do Ocidente.

Infelizmente, o desmonte do Líbano prossegue. É uma nação cujo principal produto de exportação é o libanês. A mão-de-obra libanesa, especialmente a qualificada, seguirá emigrando para o resto do mundo, onde costumam se sobressair historicamente. Já o Líbano seguirá sem perspectiva de sair da escuridão. Triste ver um país com tanto potencial morrer diante dos nossos olhos. Deveria servir de alerta a outras nações, inclusive o Brasil.


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