O TEMPO OPORTUNO DAS RUAS

A recente mobilização contra a PEC da bandidagem lembrou que a rua pode ser força democrática — se lida no tempo certo da história

              Foto: João Victor Rezende @rezendefotos_


 Lucio Massafferri Salles*, Pragmatismo Político

A votação do IR com teto de R$ 5.000 veio como vitória popular — e, cá entre nós, é difícil negar: a pressão nas ruas contra essa descarada ‘PEC da bandidagem’ parece, sim, ter surtido efeito.

Dando um salto rápido demais, há quem diga que “não podemos ter medo de ir às ruas, porque funciona; 2013 não pode ser trauma”. Essa leitura simplifica a história: ignora tensões na linha do tempo, o que estava colocado de fundo, as forças ocultas e as nem tão ocultas.
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Sim: pressão popular funciona. Mas só quando ocorre no momento certo. Em 2013, vivemos uma explosão psicossocial nas ruas, disparada por múltiplas pautas (ônibus, corrupção, Copa que “não devia ter”, etc…), empurrada também por agendas invisíveis — espionagem concertada, guerra híbrida e o aparato que já visava criminalizar o partido no governo.


Quem estava nas ruas sabe do que falo, a cena ainda é vívida: cartazes desencontrados, jovens transmitindo pelo celular afirmando que “essa revolução não vai passar na TV”, gente que saiu por 20 centavos e voltou pra casa sem entender como, de repente, era “contra o governo”; simples assim. Aquela energia foi capturada por forças que tinham outro projeto. O agora é diferente. Hoje o STF, sob o olhar atento da sociedade, tenta se firmar como baliza da soberania — e não mais como peça de conchavo ou cumplicidade em golpes. A insatisfação não é contra quem governa legitimamente, mas contra políticos que se movem para salvar a própria pele.


Neste caso, ir às ruas fortalece o governo contra a pauta de elites mal-intencionadas. Não se trata de repetir 2013, nem de viver traumatizado por 2013. O fundamental é a leitura do momento histórico. Em 2013, a rua abriu caminho para a ruptura arquitetada como caos.
Em 2025, pôde servir de escudo contra essa PEC. Não é questão de “sem medo sempre”, mas de agir conforme o kairós — a circunstância ou tempo certo, a oportunidade exata.
A ditadura da transparência – leitura 1 da série Byung-Chul Han.

Vale estender aqui um pouco mais o olhar, com calma, sem cair na primeira impressão: essa pontual vitória popular pode virar arma — não contra a PEC pilantra, mas contra quem derrotou o projeto autoritário.
E, ao dizer que pode não digo que vai. Em 2026, estaremos num rito eleitoral; tudo o que parece “conquista política” pode ser antecipado para marketing de campanha.
A aprovação unânime do IR com teto de R$ 5.000 tem forte valor simbólico — mas, cautela: concessão pontual também pode virar peça de disputa eleitoral, discurso de “quem lutou”, e recurso para legitimar candidaturas já no pré-cálculo.

No fim das contas, o cenário partidário ainda é de tensão. A direita não morreu com a condenação de Bolsonaro. Pelo contrário: novos rostos disputam a herança e alianças pouco visíveis já começam a se costurar.
Se o chamado campo progressista não pensar sucessão com coerência programática, este espaço vazio pode acabar sendo ocupado por quem tem forte estrutura de mídia e capital simbólico.
A soberania digital nunca foi e está longe de ser um dado adquirido: as grandes techs dominam infraestrutura, plataformas e algoritmos — num Brasil ainda fragilizado e vulnerável nesse terreno, o STF tenta fazer frente, com valentia, mas não controla o espaço informacional por inteiro.

Redes transnacionais de influência, financiamentos externos, narrativas midiáticas: não param nem descansam.

*Lucio Massafferri Salles é psicólogo/psicanalista, filósofo, jornalista e professor da rede pública de ensino/RJ. Doutor e mestre em filosofia pela UFRJ, especialista em psicanálise pela USU, realizou o seu estágio de Pós-Doutorado em Filosofia Contemporânea na UERJ. É o criador e responsável pelo canal Portal Fio do Tempo, no YouTube.

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