AGROTÓXICOS: MORTE DE 112 MILHÕES DE ABELHAS LEVANTA POLÊMICA NO INTERIOR DE SP

Justiça absolveu Usina Colombo, fabricante dos açúcares Caravelas e Carrefour, por contaminação de abelhas; cabe recurso

Hélen Freitas Repórter Brasil

                                                                                                                            Pixabay
As abelhas realizam o processo de polinização, responsável pelo desenvolvimento das espécies vegetais 

Após seis anos do início da ação penal, a Vara de Catanduva (SP) absolveu uma gigante do setor canavieiro acusada da morte de milhões de abelhas no interior de São Paulo, supostamente causada por um agrotóxico já banido na Europa. O caso, porém, pode voltar a ser alvo de novas ações judiciais.

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) pedia a condenação da Companhia Agrícola Colombo – fabricante dos açúcares Caravelas e Carrefour – por crime ambiental devido à pulverização por aeronaves do inseticida tiametoxam. O produto é proibido em países europeus, justamente por causa do efeito letal sobre abelhas e outros insetos polinizadores.

Segundo a ação movida pelo MP, o agrotóxico teria contaminado apiários vizinhos a plantações de cana-de-açúcar da usina Colombo no município de Pindorama, a 400 quilômetros da capital paulista.

Na sentença divulgada nesta sexta-feira (30), o juiz responsável pelo caso afirma que “não há dúvida quanto à utilização de produto tóxico capaz de matar abelhas”. Porém, ressalva que não há comprovação de que a concentração “era alta suficientemente para causar tais mortes, o que causa dúvida quanto à materialidade delitiva, inviabilizando a condenação”.

O promotor Yves Atahualpa Pinto, um dos responsáveis pelo caso, estuda a possibilidade de abrir uma ação para responsabilizar a empresa na esfera cível.

Apicultor calcula que perdeu até 112 milhões de abelhas em 8 anos devido a agrotóxicos (Foto: Arquivo Pessoal)

O MP iniciou a investigação em 2017, depois de o apicultor e policial militar Wilson Gussoni registrar uma série de denúncias contra a usina Colombo.

Gussoni calcula que, nos últimos oito anos, até 112 milhões de abelhas teriam morrido em consequência da pulverização aérea de agrotóxicos em uma fazenda da usina, próxima de seus apiários.

Procurada pela reportagem, a empresa nega irregularidades (confira mais abaixo).

Proibido na Europa, liberado no Brasil

Em 2016, uma perícia realizada pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil constatou a presença de tiametoxam no tanque de um avião que aplicava agrotóxicos nos canaviais da Colombo.

A substância é proibida na União Europeia desde 2018. No Brasil, o uso é liberado mediante regras específicas – que nem sempre são cumpridas pelas fazendas e empresas de aviação agrícola.

Para a pulverização aérea em lavouras, por exemplo, somente a Syngenta tem autorização para comercializar o tiametoxam.

Nos autos do processo, a Colombo sustenta que as terceirizadas responsáveis pela aplicação do produto por aeronaves seguiam à risca as orientações da bula do agrotóxico e cumpriam com todos os requisitos legais.

Documentos do inquérito civil aberto pelo Ministério Público mostram que, entre 2015 e março de 2017, a usina comprou mais de 28 toneladas do agrotóxico. Desse total, 78% foram vendidos diretamente pela Syngenta por R$ 9 milhões.

Ainda segundo o inquérito, o órgão de defesa agropecuária da prefeitura de Catanduva chegou a autuar, em 2017, duas empresas que faziam a aplicação de agrotóxicos por aeronaves para a usina em Pindorama. O relatório aponta que foram utilizadas substâncias em desacordo com a bula dos produtos e que a pulverização não respeitou a distância mínima de 250 metros de mananciais e agrupamento de animais, exigida por lei. Ainda segundo o relatório, não havia comprovação de que os pilotos tinham recebido treinamento.

Testes feitos pelo próprio apicultor indicam que abelhas estavam contaminadas por agrotóxico letal (Foto: Arquivo Pessoal)

Também em 2017, Gussoni chegou a pagar do próprio bolso por um exame toxicológico de 100 abelhas mortas. Além disso, mandou analisar amostras de água e de folhas de cana-de-açúcar que, segundo ele, seriam de uma lavoura da Usina Colombo em Pindorama. Os resultados acusaram a presença do tiametoxam em todas as amostras.

Porém, um laudo realizado a pedido do MP afirmou que os resultados apresentados por Gussoni não eram conclusivos por não haver detalhes sobre os locais de coleta das amostras. Além disso, o laboratório responsável pela análise não tinha certificação do Inmetro.

Saga do apicultor

Além de figurar como testemunha na ação do MP, Gussoni já moveu uma ação contra a usina Colombo com um pedido de indenização no valor de R$ 1,36 milhão. Porém, o processo acabou extinto, antes de ser julgado, porque o apicultor não pagou as custas iniciais.

Agora, Gussoni tenta emplacar duas ações de produção antecipada de provas contra a Syngenta e o Carrefour. A informação já havia sido publicada em reportagem da Rede Brasil Atual.

Placa de cera vazia do apicultor Wilson Gussoni, no interior de São Paulo (Foto: Arquivo Pessoal)

A ideia do apicultor é reunir documentos internos das empresas para subsidiar futuros processos na Justiça e buscar a responsabilização de toda a cadeia produtiva: da produtora do agrotóxico, passando pela usina de açúcar à gigante varejista.

“Essa ação vai fazer a diferença lá na frente”, afirma seu advogado, Sávio Carmona. “Pode eventualmente não resultar em indenização, mas vai repercutir em política de compliance [ambiental], de reestruturação de fornecedores”, acrescenta.

O primeiro pedido de antecipação de provas, contra a Syngenta, foi negado pela Justiça. Gussoni recorreu e aguarda decisão. A ação contra o Carrefour ainda não foi julgada.

O que dizem as empresas

A Usina Colombo nega as acusações. A empresa diz que Gussoni entrou com ações judiciais e administrativas contra a empresa, mas acabou perdendo em todos os casos.

“Todas as suas investidas não obtiveram êxito, sendo, inclusive, arquivadas ou objeto de desistência pelo próprio autor por falta de nexo causal”, diz nota emitida pela usina.

Além disso, a Colombo afirma mapear apiários próximo às lavouras de cana. “O projeto representa um compromisso em estabelecer um relacionamento de coexistência harmônica entre os criadores de abelhas presentes nas áreas de produção e vizinhanças” (confira a íntegra das respostas).

Já a Syngenta afirmou que seus produtos “estão entre os mais regulamentados do mundo e são seguros quando utilizados de acordo com as especificações descritas em bulas e receituários agronômicos. Além disso, desempenham um papel essencial na produção de alimentos de qualidade, seguros e sustentáveis”.

Por fim, o Carrefour informou que a Usina Colombo e outros fornecedores que vendem produtos da marca própria do supermercado seguem a “Política de Qualidade do Grupo”. A empresa sustenta ainda que está “construindo novos protocolos e evoluindo, considerando a complexidade da nossa cadeia”.

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