O ACONTECIMENTO LULA PRESIDENTE

A foto de Lula e os representantes do povo na subida da rampa no Palácio do Planalto expressa a diversidade cultural do país

Cerimônia de posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (Imagem: Tânia Rêgo | ABr)

José Isaías Venera*

Um dos sentidos para a noção de acontecimento é a descontinuidade. O evento que marca uma ruptura, instaura um acontecimento a partir do qual um novo campo simbólico se abre. Na cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), neste 1º de janeiro, o deslocamento de sentido se deu na forma encontrada para a entrega da faixa presidencial. É uma mudança, um novo sentido que não fazia parte até então da série histórica de posse dos presidentes do país.

A recusa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de passar a faixa presidencial abriu duas ordens de sentidos. A primeira série é quando o então presidente sai do país no sábado (31) rumo a Orlando, nos Estados Unidos, e o termo “Bolsonaro fujão” fica entre os assuntos mais comentados no Twitter, deslocando-se para covarde e traidor. A segunda ordem e mais importante é o espaço aberto (na política se diz que não há espaço vazio) para se criar algo, o que resultou na presença de oito representantes que simbolizam o povo brasileiro.

Francisco, 10 anos, ficou em primeiro lugar no campeonato da Federação Aquática Paulista; Cacique Raoni, do povo Kayapó, uma das maiores lideranças indígenas, engajado na defesa da Amazônia; Weslley, metalúrgico da região do ABC, foi beneficiado pelas políticas educacionais dos governos do PT; Murilo, professor que se formou em uma universidade federal (UTFPR); Aline, liderança do movimento de mulheres catadores de materiais reciclados do Distrito Federal, mãe de sete filhos; Ivan, ativista pela causa das pessoas com deficiência; Jucimara, participou de um concurso de culinária da Vigília Lula Livre e, depois, cozinhou por meses no acampamento; e Flávio, artesão que esteve presente durante os 580 dias na Vigília Lula Livre, em Curitiba (PR).

Oito representantes que podem ser citados somente pelo primeiro nome, para destacar a função de espelhar o povo brasileiro. Espelhar é ter consciência a partir da imagem fora, mas presente em si, no observador. A consciência forma-se da identificação com o outro, do comum partilhado e dos laços sociais que se formam. Vê-se no outro: no negro, na pessoa com deficiência, no indígena, na criança, na mulher, no trabalhador. Nós somos os outros, nos constituímos na teia social em que estamos inseridos.

As tensões causadas pela diferença de classe social, da cor da pele, da etnia, da condição de gênero, da questão etária marcam a história desse país e atravessa a cada um de nós. A cena espelha o protagonismo de pessoas que carregam uma herança sofrida de um país desigual, marcado pelo racismo, pela misoginia, pela opressão dos menos favorecidos. Nessa imagem que espelha o país, o símbolo foi a cachorrinha Resistência. Símbolo porque ela representa algo muito além da imagem, cujo valor condensa-se no seu nome Resistência – representa a luta e a energia das pessoas que fizeram a “Vigília Lula Livre” formando um cinturão de vitalidade para o presidente resistir à prisão injusta.

A foto de Tânia Rego, da Agência Brasil, de Lula e os representantes do povo na subida da rampa no Palácio do Planalto expressa a diversidade cultural do país. É um espelho simbólico colocado no centro do ritual sem fazer parte da série histórica de protocolos que estruturam a cerimônia de posse de um presidente. Esse é o acontecimento do cerimonial de posse. Ele marca o acontecimento Lula presidente 2023.

*José Isaías Venera é jornalista, doutor em Ciências da Linguagem e professor da Univille e Univalie/SC.

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