BRASIL: SEREMOS PUTAS VELHAS?

Tinha um professor no pré-vestibular que com a voz afetada e chorosa dizia: “nós somos putas velhas.”

Ele falava isso pra reforçar a legitimidade das dicas que ele e os colegas davam para o vestibular da Ufrgs. Ao riso dos estudantes, explicava a expressão: tal qual uma meretriz idosa, hoje de pantufa e chambre surrado, eles também já haviam visto muita coisa nesta vida. Pelo menos no que tange às provas vestibulares do Rio Grande do Sul.

Devido à natureza e às peculiaridades da profissão, suponho mesmo que uma prostituta veja de um tudo em seu ofício. Concordo, então, com a expressão. E agradeço o mestre pelas dicas. Depois dalgumas tentativas, passei pra Letras-Francês na Ufrgs. Pena que não tive tempo de fazer orgias e balbúrdias. Tava só pela bagunça. Mas as únicas vezes que virei a noite, foram para dar conta dalgum livro do século XIX da cadeira de Literatura Clássica.

O Brasil, por tudo o que passou, apesar da relativa pouca idade, bem poderia sentar-se na poltrona com um chambre rosa surrado e, com o cigarro desaconselhável entre os dentes, lembrar os percalços, mas evitar, por sabedoria experiente, um porvir lamentável.

Não sei se a analogia é adequada. Mas vou arriscá-la: “nascemos”, em 1500, sendo uma espécie de prostíbulo de Portugal. Até 1530, os portugueses vinham aqui, retiravam o que desejavam, às vezes até faziam sexo com as indígenas (estupro, melhor dizendo) e voltavam satisfeitos à Europa.

Já na colonização, eles impuseram sua cultura, sua língua e sua religião quando aqui se estabeleceram. E nossas riquezas naturais continuaram a ser mandadas pra lá.


Nossa independência foi comprada e não atendeu aos interesses dos mais pobres. Seguimos escravocratas e com o patético sistema de governo monárquico.
Em 1889 veio a República, com um golpe militar. Ainda experimentaríamos pelo menos mais três golpes e pelo menos uma tentativa fracassada dos militares tomarem ilegitimamente o poder. Pega fogo o cabaré.

Entre uma dança e outra, já tivemos um governo que flertou com o Nazismo ao ponto de quase declarar guerra aos Aliados, na Segunda Guerra Mundial. Mas tomamos um Bourbon e fomos do outro lado.

A noite é longa. Esse mesmo governo acabou, depois, sendo o que mais melhorou a vida dos trabalhadores. E isso é imperdoável para a nossa elite. Vargas se suicidou. O Brasil estava de ressaca.

Nos deram um drinque chamado Perigo Comunista, capricharam no gelo e no açúcar e nos entregamos cheios de tesão a 21 anos de Ditadura.

A ressaca foi longa. Uma dor de cabeça que nem as pílulas de eleições acabaram com ela totalmente, apesar de amenizá-la.

Mas sempre há os ébrios convictos. Queriam sempre voltar aos tempos de chumbo. Tanto, que elegeram um presidente com esse saudosista discurso de bêbado: saudar as benesses duma noite de fracassos.


Na boate Brasil, não pode entrar menores: dos nove últimos presidentes eleitos (desde Getúlio), apenas quatro terminaram o seu mandato. Tivemos, nesse tempo, suicídio, dois golpes, renúncia e um impeachment.

O Brasil teve mais de 350 anos de escravidão. Quando da Lei Áurea, no recente 1888, os ex-escravizados não tiveram um plano de colocação no mercado de trabalho. No lugar deles, imigrantes europeus foram chamados para trabalhar nas lavouras e nas surgentes fábricas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Para italianos e alemães houve a doação de terras, para incentivar um “branqueamento” da população.

Já fomos como aquele estabelecimento badalado. Chegamos à sexta economia do mundo, fazíamos diplomacia e o mundo parava para nos ouvir na ONU. Hoje, somos como aquele lugarzinho de beira de estrada. As relações internacionais não nos dão ouvido e os discursos diplomáticos parecem mais uma música fanha tocada na vitrola de moeda e que ninguém quer dançar.

Estamos passando pela pior crise sanitária da história com um governo que a nega e nega a ciência, numa volta à dicotomia religião X ciência de que pensávamos já superadas pelos renascentistas e reforçada pelos iluministas, nas luzes da razão. Mas desde quando prostíbulo tem luz? Para esconder a maquiagem malfeita, breu.

Seremos putas velhas céticas que aprenderemos com nossos erros, com nossas vivências? Ou estaremos sempre num círculo vicioso de embriaguez e ressaca moral e ética?

Vou tomar uma dose enquanto aguardo.

Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”

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