OS CONVERTIDOS

Não consigo nem mesmo entender é uma significativa parcela bolsonarística (eu calculo em um terço dos trinta porcento que o apoiam) que a princípio não tinham preconceitos exacerbados e explícitos.

(Imagem: Eraldo Peres | AP)

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Concordo com o argumento de que grande parte dos bolsonetes aderiram ao movimento porque viram nele a oportunidade de que fossem concretizados seus desejos mais perversos e preconceituosos.

Também sei que muitos votaram dezessete porque Bolsonaro representava a maior força antiPT ou, ainda mais, uma mudança radical na política brasileira (de fato, comparado ao bolsonarismo, mesmo o neoliberalismo do PSDB está muito mais perto do progressismo do PT do que do que seja lá a política implementada por Bolsonaro).

O voto no antipetismo é explicável. O nas mudanças políticas, justificável. Querer ver seus preconceitos institucionalizados é deplorável, embora também tenha lógica.

O que não consigo nem mesmo entender é uma significativa parcela bolsonarística (eu calculo em um terço dos trinta porcento que o apoiam) que a princípio não tinham preconceitos exacerbados e explícitos. Tinham os chamados “preconceitos sociais” que, se não cuidarmos, é possível que qualquer um se pegue o propagando. Estavam cansados do PT, muito embora alguns até diziam que no Lula votariam. E, claro, como todos, queriam mudanças na Política.

Pode ser que eles eram preconceituosos enrustidos, como alguns explicam. Mas não consigo ver assim. Eram pessoas que eu conhecia com certa intimidade. Diziam coisas do tipo: “e daí que o cara é gay? Bom pra ele”. Hoje, reforçam ideias de que corremos o risco de virar uma “ditadura gay”(sic). É possível que tenha acreditado na mamadeira de piroca.

Eram caras que estudaram na Ufrgs, e afirmavam: “tem que ter cota pros negros, sim. Não tive um só colega negãozinho na federal. Nem no cursinho tinha.” Hoje, propagam uma meritocracia que, fosse há uns anos, diriam que era falácia. Agora, nem sabem mais o que significa o termo falácia.

Eram pessoas estudadas. Conheci alguns mais velhos. Um deles me explicou, antes mesmo de eu entrar no curso de História, sobre os horrores da Ditadura. Hoje, ele relativiza o chamado Período de Chumbo, defendendo que o DOPS só corria atrás de vagabundo comunista.

Eram pessoas instruídas, bachareladas, como disse. Mas hoje, nem aí pro pensamento científico e defendem o fim do isolamento social, por exemplo.

Na verdade, e isso me assusta, não defendem o fim do isolamento. Defendem, incondicionalmente, o que o Bolsonaro defende.

É algo religioso. Uma fé cega. Uma conversão religiosa-fundamentalista.

Há um meme circulando pela internete. De muito mau gosto, por sinal. Sugere que, se o Bolsonaro dizer que comer cocô é bom, os bolsonetes vão comer e procurar argumentos para defender essa escatologia.

Repito, a brincadeira é de extremo mau gosto e eu não compartilho (na verdade, não gosto de compartilhar memes). Mas, infelizmente, dados os absurdos de por último, parece sim muito verossímil.

Se isso ocorrer, não sei como salvar meus amigos dantes tão críticos de comer cocô.

*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”

GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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