COVID-19 E IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS

Mesmo a presença do Brasil entre as 10 maiores economias do mundo, ele está como o 7º país mais desigual do mundo

(Imagem: Mauro Pimentel | AFP)

Guilherme Lamana*

Você já ouviu falar do Imposto sobre Grandes Fortunas, o IGF?

Provavelmente sim, mas mesmo que não, o imposto sobre grandes fortunas é um imposto federal estabelecido na Constituição Federal de 1988 pelo Art. 153 e inciso VII, só que nunca praticado, pois este depende de uma regulamentação através de uma lei complementar, a qual nunca foi aprovada.

Este imposto tem competência única da União, ou seja, somente a União poderá exigir este imposto e refere-se a uma alíquota, ou seja, uma porcentagem do patrimônio do que seria considerado uma grande fortuna, a Constituição Federal não estabelece esta alíquota ou mesmo o que seria uma grande fortuna e, por isso, é necessário a lei complementar.

Em uma breve pesquisa nos respectivos sites, foi possível localizar um pouco mais de 5 propostas no Senado e cerca de 20 propostas na Câmara dos Deputados, propostas as quais tiveram algum aumento durante este cenário de pandemia referente ao covid-19, mas muitos sem análise, sem seguimento ou mesmo algum consenso.
Mas por que seria importante a implementação deste imposto?

Um relatório da Receita Federal [1], referente a cerca de 30 milhões de declarantes de Imposto de Renda Pessoa Física, nos traz que existe uma alta concentração de renda no país e que os tributos incidem de forma diferente para as classes, sendo as classes mais baixas as quais pagam mais impostos percentualmente.

Mesmo a presença do Brasil entre as 10 maiores economias do mundo, um outro relatório, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), nos apresenta um cenário mais preocupante. O estudo coloca o Brasil como o 7º país mais desigual do mundo, além disso, traz que o Brasil está em 2º lugar quando tratamos de má distribuição de renda analisada a partir do 1% mais rico do país. Um problema que não é novidade, no estudo de um pesquisador do IPEA [3], baseado na World Wealth & Income Database (base de dados mundial de riqueza e renda), se constata que o 1% mais rico do Brasil detinha 27,8% da renda do país já em 2015, por exemplo.

De fato, o Brasil tributa pouco a renda e o patrimônio, o que corrobora para este cenário, assim como mostra o estudo Pesquisa Desigualdade Mundial 2018 [4], coordenado pelo economista Thomas Piketty. Nele, é apresentado que a tributação de renda e patrimônio representa 23% da arrecadação de impostos no Brasil, mas países como na Dinamarca e os EUA, a porcentagem é de 67% e 60%, respectivamente, por exemplo.

Neste cenário, é coerente os indicadores mundiais que nos colocam com tamanha desigualdade, cenário pelo qual existe uma piora dentro do atual momento de pandemia, o qual exige um investimento público e apoio econômico por parte do governo, acabando por comprometer a economia e os gastos. Por esta situação, algumas temáticas antes colocadas de lado pela classe política, como é o exemplo da renda básica, hoje implementada pelo auxílio emergencial. Mas, o imposto sobre grandes fortunas ainda não pôde ter o mesmo fim de implementação, mas ressurge em meios a debates e propostas.

Tal fato não se faz referência apenas ao cenário brasileiro, nosso país vizinho, a Argentina, tem conversas entre parlamentares governistas acerca da elaboração de um imposto único sobre grandes fortunas para financiamento da campanha social e de saúde referente a pandemia. Mas, lá a situação deste imposto é um diferente, além de já existir diferentes tipos de impostos sobre grandes fortunas, tem debate a partir de uma base governista, o que traz mais peso e força ao avanço desta pauta, o que não acontece no Brasil.

Aqui no Brasil, além das propostas dentro do legislativo brasileiro, surgem propostas de instituições e sociedade civil também. Uma delas é a proposta e estudo elaborado pelos Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (FENAFISCO) e pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF) [5], o qual propõe alíquotas de 1%, 2% e 3% para patrimônios de R$ 20,0 milhões, R$ 50,0 milhões e R$ 100,0 milhões, respectivamente. Ainda de acordo com o estudo, baseando-se nas informações de Bens e Direitos constantes nos Grandes Números do DIRPF 2018 isso iria se referir a impostos para 0,09% dos contribuintes, mas que possuem, juntos 15% do valor de Bens e Direitos declarados, totalizando R$ 1,43 trilhão, mas que com esse imposto traria uma arrecadação anual de cerca de 40 bilhões de reais ao ano.

Mas após tanto tempo de instituição do imposto, a falta da lei complementar não seria uma omissão do Poder Legislativo?

De fato, existem argumentos e teses que reforçam este ponto, até houve uma ação, a ADO 31 [6], alegando isto, realizada pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), argumentando que a falta da lei complementar gerava prejuízos ao Estado, à sociedade brasileira e à população do Maranhão, pois com esta fonte de arrecadação os repasses aos Estados seriam maiores, contudo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, extinguiu esta ação por afirmar Dino não demonstrou, de forma suficiente, o vínculo do Maranhão com o pedido de criação de um tributo federal, faltando legitimidade para a sua criação.

Pode-se declarar que não houve uma omissão legislativa por não deixar de se apresentar propostas referentes ao tema, pelo contrário, mas ocorre uma certa lentidão e desinteresse na temática por parte legislativa e desapreço por parte do executivo federal, no papel do Presidente da República, em todos os últimos mandatos na criação do Imposto sobre Grandes Fortunas.

Devido as leis orçamentárias brasileiras, mesmo que houvesse uma aprovação do imposto sobre grandes fortunas, este só poderia ser implementado a partir do ano que vem, sendo assim, não poderia atuar diretamente no cenário de covid-19 com auxílios ou produção de equipamentos públicos.

Mas, seguindo a proposta da FENAFISCO, por exemplo, o valor de arrecadação resultante deste imposto poderia representar, segundo os valores durante a pandemia previstos no site Tesouro Transparente [7] e segundo os decretos, um pouco mais de 25% do gasto com auxílio emergencial, mais do que 65% do valor de auxílio aos Estados e Municípios e quase três vezes maior que o valor previsto para o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).


De fato, não parece ser uma cifra de valores pequenas para nossa arrecadação ou mesmo para serem colocadas de lado pelos nossos representares, também não parece ser um imposto de incidência a um número tão grande de impactados e, mesmo com essas colocações, o imposto sobre grandes fortunas já atingiu sua maioridade e já completa mais de 30 anos sem uma lei complementar que o regulamente.

Citações:

[1] – Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas – Ano Calendário 2017, https://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpf/relatorio-gn-ac-2017.pdf
[2] – Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2019, http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr_2019_pt.pdf
[3] – estudo de um pesquisador do IPEA, baseado na World Wealth & Income Database, https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/22005/1/2016_PedroHerculanoGuimar%c3%a3esFerreiradeSouza.pdf
[5] – Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (FENAFISCO) e pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), https://www.anfip.org.br/wp-content/uploads/2020/03/Artigo-Tributar-os-ricos-para-enfrentar-a-crise.pdf
[7] – Tesouro Transparente, https://www.tesourotransparente.gov.br/

Fontes:


*Guilherme Lamana, estudante de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP), pesquisador da Rede Escola Pública e Universidade e do Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas (OIPP).

GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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