QUEM VAI PRENDER OS MOCINHOS?

Enquanto essa pergunta segue sem resposta, os mocinhos continuarão cometendo ilegalidades e defendendo os interesses legitimados tão somente pelas suas vontades, sem qualquer controle

Sergio Moro (Gabriela Biló/Agência Estado)

por Anderson Pires*

Quem vai prender os mocinhos? Essa é uma pergunta que me parece não ter resposta. Desde que a operação Lava Jata ganhou notoriedade no Brasil, os agentes do Estado envolvidos passaram a exercer suas funções com base nos caminhos que a opinião pública apontava.

Em meio a tantos espaços na mídia, juízes, procuradores, auditores e policiais federais assumiram papel de celebridades e escolheram a qual público iriam agradar. A cada nova etapa, manchetes, holofotes e manifestações públicas os encorajavam a seguir o roteiro que traçaram. Vale ressaltar que esse roteiro já tinha um fim preestabelecido. Dessa forma, se os principais grupos de comunicação promoviam aplausos e aprovação indistinta da Lava Jato, quem seria capaz de impor limites?

A Lava Jato trilhou os caminhos que bem quis, sem que, para isso, existisse um fio condutor que garantisse a legalidade e o respeito aos direitos fundamentais de investigados e réus. Caso seus integrantes achassem necessário vazar conversas de forma ilegal, assim era feito. Conduzir coercitivamente quem nunca se recusou a colaborar virou prática, com direito a estrutura “roliudiana” e muitos minutos nos principais telejornais. Na busca pelo melhor final valia tudo, inclusive atalhos pela ilegalidade. Como se estivessem conduzindo uma obra de ficção, precisavam construir a versão que parecesse mais verdadeira.

As autoridades viraram estrelas. Em meio ao glamour, acreditaram poder tudo, inclusive passar por cima da constituição e promover a “justiça” que achavam conveniente. As aparições eram cada vez mais midiáticas. Os eventos, entrevistas, palestras e homenagens de todo tipo passaram a ser rotina. Sem qualquer pudor, sentavam ao lado de interessados de forma direta nos resultados dos processos. O grau de popularidade chegou a níveis tão elevados, que até um policial federal ficou famoso por conduzir pessoas com prisão decretada pelo juiz Sergio Moro. O Japonês da Federal virou máscara de carnaval. Detalhe: o referido policial era condenado por envolvimento em contrabando. Mas, que importância tem isso, se a mídia era indiferente?

Os mocinhos da Lava Jato esquecerem limites éticos e morais. Acreditavam que sob o manto protetor da mídia estavam livres para exercer suas funções com independência, mesmo que com vícios ilegais. Num país onde a inexistência de justiça faz parte do imaginário popular, ou que só ladrão de galinhas vai preso, venderam a versão que agora isso teria mudado. Os poderosos estavam sendo presos. Mesmo que isso fosse temporário, serviu para justificar o verdadeiro foco da operação: temos que prender mais um ladrão de galinhas (representante dos segmentos populares). Dessa feita, para que sirva de exemplo pela ousadia de ter sido presidente do Brasil. Assim, tentaram reescrever a história.

Todos os abusos cometidos para construir a versão da Lava Jato poderiam ter se perdido no tempo. Mas o que para os apoiadores da Operação parecia fanatismo e paranoia dos Lulistas, foi à tona depois do vazamento de conversas entre os procuradores, o Juiz Sérgio Moro e outros agentes públicos. A justiça, mais uma vez, mostrou a que lado pertence. Os envolvidos tentam justificar os atos ilegais como mera interpretação dos opositores.

Não por acaso, agora, as mesmas categorias que atuaram na Lava Jato e os mesmos grupos de comunicação levantam a voz para combater o projeto aprovado no Congresso Nacional, que versa sobre abuso de autoridade. Segundo eles, acaba com a independência dos mesmos para promover a justiça que lhes convém.

A Lava Jato encorajou agentes públicos em todo país a assumirem as vezes de justiceiros. Exemplos de operações em diversos âmbitos, que extrapolaram os limites da lei, tornaram-se comuns. Soa estranho que diante de um projeto de lei em que essas práticas devem ser apuradas e punidas, tomem como discurso a necessidade de independência.

Partindo da premissa que ao agente público só é permitido fazer aquilo que está previsto em lei, reivindicar independência é uma afronta. Nenhuma carreira de Estado pode se arvorar maior que o limite imposto pelo mesmo. Tudo aquilo que seja feito conforme a visão particular (privada) desses agentes é passível de questionamento. A estabilidade que gozam por estarem no controle do Estado, não lhes pode ser uma garantia de imunidade, muito menos de que estão acima da política. Afinal, a constituição do Estado é concebida no sentido inverso, cabe a quem é eleito estabelecer os limites que serão comuns a todos, não o contrário.

Não bastassem já todos esses argumentos, a referida lei, questionada pelos juízes e procuradores, estabelece que o julgamento sobre possíveis abusos de autoridade será feito por iguais. Juiz vai julgar juiz, procurador julgará procurador. Por mais absurdos que cometam, os pecados serão julgados por irmãos. A corporação que clama por independência continuará cuidando das suas mazelas nos moldes de sempre. Cuidando dos seus com a condescendência de quem está defendendo os próprios interesses.

Falseiam as incoerências do judiciário. Criam uma suposta perseguição, que não lhes deveria assustar, se seguissem a lei de maneira exemplar. Não conseguem ser claros em que ponto da Lei de Abuso de Autoridade está algo que caracterize uma limitação ao exercício de suas funções. Independência? Jamais pode-se estabelecer tal prerrogativa para qualquer agente público. As manifestações são na verdade mais uma cortina de fumaça. Um ato político de categorias que resolveram extrapolar suas competências e estabelecer que tudo que vem da política é nocivo à sociedade.

No país da desigualdade social, esperar que algo de justo venha de categorias que primam pela proteção dos interesses particulares é, pelo menos, ingênuo. Não nos enganemos com essa falácia. O abuso de autoridade não pode ser atestado por alguém da mesma categoria como está proposto na lei. Enquanto não tivermos um controle social efetivo desse Estado elitista, os mocinhos continuarão cometendo ilegalidades e defendendo os interesses legitimados tão somente pelas suas vontades, sem qualquer controle.

Anderson Pires é jornalista formado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), publicitário e cozinheiro.

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