POTEIRO, O VELHO

Antônio Poteiro  
Creio que estava no início da adolescência quando vi pela primeira vez uma tela de Antônio Poteiro. Representava uma cena de festa no interior. Uma quermesse talvez. Sabia vagamente quem era o autor. Sua figura barbuda, excêntrica, meio Papai Noel, era folclórica. Lembro-me que, sendo tolo e pretensioso como quase todo adolescente, pensei algo como: “Horrível! Eu desenho melhor que ele”. Naquela ocasião não pude decodificar o sentido íntimo daqueles traços rústicos e cores fortes. Amarelo manga, vermelho sangue, verde limão maduro. A aceitação, ou compreensão, do conceito de primitivismo artístico passava longe de meu imaginário caipira de goianinho caipora, (mal) acostumado que estava com pequenos manuais de divulgação do tipo “Da Vinci por ele mesmo” ou “O pensamento vivo de Picasso”. Não tinha olhos para ver. Mas não apenas eu.




Antônio Batista de Sousa, o Poteiro, concedeu um hilário e comovente depoimento no documentário “Mudernage”, lançado no início de 2010, dirigido por Marcela Borela, onde conta como entrou no estranho mundo da arte “sofisticada”, da arte acadêmica, da arte de mercado. O filme trata da introdução da modernidade em Goiás, um Estado caracterizado pela força da tradição. Nesse sentido, devemos lembrar que o estilo primitivista só pode ser entendido como ação artística em um cenário cultural moderno, dotado de uma percepção capaz de separá-lo da simples produção artesanal. De fato, antes de estabelecer-se como artista cult, Poteiro foi um reconhecido artesão.

O “Velho”, como é conhecido por seus amigos, conta em “Mudernage” que era ceramista e vendia sua produção na feira Hippie de Goiânia, quando o pintor Cléber Gouvêa o convidou para expor em uma galeria. Aceitou prontamente. Poteiro, que era português de origem, logo conheceu e integrou a pequena ONU dos artistas goianos: o italiano Frei Confaloni, o alemão Gustav Ritter, o paulista D. J. Oliveira, o mineiro Cléber Gouvêa e, finalmente, Siron Franco, goiano de Vila Boa. Em 1972, Siron Franco colocou tinta e tela em suas mãos de ceramista. Frei Confaloni não gostou do resultado. Disse: “Poteiro, sua cerâmica é uma maravilha, mas sua pintura é uma merda”. A resposta que recebeu foi humilde: “Você tá certo, eu também acho”. Quase desistiu da pintura. Porém, mais uma vez, Siron Franco interveio: “Velho, você é artista, você é pintor. Larga de bobagem e não escuta esses idiotas. Pintura, arte, é sentimento, arte não é perfeição”.

Sem mudar o estilo, Poteiro assistiu o reconhecimento chegar. Vendeu centenas de trabalhos. Logo vieram convites: em 1978 lecionou cerâmica no Rio de Janeiro; em 1980, em Düsseldorf e Hannover. Colecionou condecorações: em 1985 recebeu um prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1987 o governo português o condecorou com uma comenda oficial e em 1999 recebeu a medalha Henning Gustav Ritter, do Conselho Estadual de Cultura de Goiás.

Poteiro já era multipremiado quando recebeu a minha crítica juvenil: “Horrível! Eu desenho melhor que ele”. O falecimento do artista reavivou minha memória. Fez-me pensar e conclui que mesmo que, provavelmente, eu estivesse certo, junto com Frei Confaloni, provavelmente, estávamos errados. 

 POR ADEMIR LUIZ

GAZETA SANTA CÂNDIDA,JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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