JESUS NÃO BEBE COLA : UMA CRÔNICA DE NATAL

Nós, abaixo-assinados, valorizamos o encantamento do Natal como uma parte preciosa das nossas vidas.
 
Como uma das poucas formas não extintas de preservar os sentimentos de solidariedade.

Na verdade, o absurdo da solidariedade, num mundo onde o outro vai se tornando mais e mais ameaçador…

Por que deveríamos amá-lo?

Por que deveríamos sequer ouvi-lo?

Ele é fonte perene de incerteza.

Amar o encantamento do Natal hoje é aceitar ser surrealista.

Aceitar que o próprio encantamento é uma mercadoria poderosa — cobiçada por todos justamente como alívio para a pressão do desencantamento. Até onde vai o processo de desencantamento?

É o que está em todas as vitrines, em todos os comerciais. É isso que a estrela-guia passou a significar nas propagandas, hipnotizando os humanos com seu brilho longínquo… mas quando olhamos direito é apenas um comercial de picolé.

Somos surreais porque sabemos de tudo isso, mas algo em nós proclama ‘pouco importa’.

Há na ‘re-inauguração do menino’… — há em nós mesmos
um resquício do pó das estrelas de onde viemos
um lampejo do sentimento oceânico da vida
na distância entre o que meramente se vê
e a essência impossível do nosso existir.

Se tudo desaparecer num redemoinho de coisas vendáveis permanecerá o amor incondicional aos filhos como testemunha dessa sacralidade estranha.

E é a esse lugar que o encantamento se dirige. Lá, no meio da floresta dos valores impostos, há uma generosa clareira, e vejam quem aparece deitado numa improvável rede indígena… o outro.

Não deixaremos que a barbárie ou o capitalismo avancem para além do que já avançaram.

Pois se a figura do Papai Noel circula pelo mundo bebendo cola, celebrando de forma quase perversa e humana o prazer do vício que há lá dentro da garrafa e da pessoa, (e veja só, parece tanto com Karl Marx!)…

Se houve ousadia e disposição de se apropriar do nosso imaginário para melhor promover as vendas… Quais serão os próximos passos? Todos os imaginários estão em risco…

Sendo assim, jamais permitiremos que dêem o mesmo destino a Jesus[1].  

Lutaremos para que essa fronteira que o capitalismo ou a barbárie ainda não atingiram[2] — certamente cobiçada no silêncio das pranchetas de publicidade — permaneça intocável como fonte de encantamento e celebração do absurdo da solidariedade

E esse é o limite do final dos tempos e será o sinal da nossa revolução[3].

 
PS:  Toca Raul e seu profético Vampiro!
paulocostalima@terra.com.br



[1] Ou a qualquer figura religiosa de qualquer religião. Mas aqui deveríamos também colocar uma frase para proteger todos os imaginários, do Saci ao Pé-Grande e Che-Guevara. Alto lá, isso aí vai avacalhar nosso manifesto. Nada disso, a luta é pelo imaginário… Não, a luta é pela sacralidade da vida.

[2] Em 2007 a inclusão num filme em Israel da imagem de Jesus bebendo de uma lata de refrigerante no deserto provocou uma enorme reação dos próprios fabricantes. Isso confirma o potencial anárquico dessa fronteira.  

[3] Wellington Gomes sugere que Jesus, um pouco mais crescido, pode sim beber um licor de gengibre, lá no sertão nordestino. Nada contra, licor é quase vinho.

GAZETA SANTA CÂNDIDA,JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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