ENEM TEM 3 QUESTÕES ANULADAS APÓS ALUNO ANTECIPAR CONTEÚDO 5 DIAS ANTES DA PROVA

Estudante de medicina que vende serviços de 'consultoria' alega que "adivinhou" as questões dentro dos "parâmetros legais", sem nenhum vazamento de material. O “mentor” atribui sua capacidade de prever questões a um conjunto de métodos pessoais, mas acabou entrando em contradição. Polícia Federal entra no caso

Edcley Teixeira


por Felipe Borges

Cinco dias antes da aplicação das provas de Matemática e Ciências da Natureza do Enem 2025, uma live no YouTube exibiu pelo menos cinco questões praticamente idênticas às aplicadas oficialmente pelo Inep, algumas com os mesmos números, dados e enunciados cobrados dos candidatos. O episódio desencadeou uma onda de desconfiança entre estudantes, mobilizou o Inep e levou à abertura de uma investigação da Polícia Federal.

Na segunda-feira (18), após relatos que se espalharam com velocidade nas redes sociais, o Inep anunciou a anulação de três questões. Segundo o órgão, a decisão foi tomada após “analisar relatos de antecipação de itens semelhantes aos aplicados nas provas”.

A transmissão foi conduzida por Edcley Teixeira, que vende serviços de consultoria para vestibulandos. Ele se apresenta como “estudante de Medicina da periferia” e diz ter “previsto” as questões dentro da legalidade, sem qualquer acesso privilegiado. Apostilas de seu curso, obtidas pelo g1, incluíam ainda uma sexta questão muito semelhante à oficial, desta vez, sobre tijolos.

PF entra no caso e investiga possível quebra de sigilo

Em nota, o Inep informou que acionou a Polícia Federal para “apurar a conduta e autoria na divulgação das questões e garantir a responsabilização dos envolvidos por eventual quebra de confidencialidade ou ato de má-fé”.

O instituto não menciona a possibilidade de anular toda a prova, mas, desde a live, candidatos têm externado preocupação sobre um possível cancelamento ou revisão mais ampla do exame.

O que Edcley diz ter feito

O “mentor” atribui sua capacidade de prever questões a um conjunto de métodos pessoais:
1. Memorização de itens do Prêmio Capes Talento Universitário

Edcley afirma que, após participar do programa da Capes — e ganhar um prêmio de R$ 5 mil — teria percebido que as questões desse concurso funcionariam como “pré-testes” para o Enem.

Com isso, teria memorizado perguntas e incentivado alunos a fazerem o mesmo, repassando ao vivo aquelas que considerava prováveis de aparecer na prova.

O Inep nunca reconheceu qualquer relação entre o Talento Universitário e a elaboração do Enem.

Dois ex-alunos ouvidos pela reportagem afirmaram que Edcley estimulava candidatos a fazerem a prova da Capes e relatarem as perguntas assim que saíssem da sala, já que o teste não permite levar o caderno de questões para casa.

2. “Algoritmo próprio” e 10 anos de estudo da TRI

O consultor afirma ter desenvolvido um “método de algoritmo que dá a resposta de qualquer questão” e declara que estudou por mais de uma década a Teoria de Resposta ao Item (TRI), base da correção do Enem e da estruturação dos itens.
3. Análise de chamadas públicas e rastreamento de autores do Enem

Edcley diz ter identificado, a partir de chamadas públicas, os responsáveis pela elaboração e revisão das questões — cerca de 25 pessoas, segundo ele.

Depois, teria pesquisado artigos científicos publicados por esses profissionais:

“Você facilmente descobre. Jogue no Google, siga a pessoa, veja os artigos científicos. Em geral, são professores universitários. Tem lá um falando de endemias. Você imagina: essa pessoa vai querer reciclar seu próprio artigo.”

4. “Engenharia reversa” das provas anteriores

Por fim, afirma ter percebido um padrão nas avaliações passadas e aplicado uma técnica de “engenharia reversa” para reconstruir a lógica do Enem.

“O Enem inteiro é repetido. Eu descobri o padrão. Entendi a lógica e consegui prever as questões.”

Contradições e mudanças de versão

O consultor alternou explicações ao longo das últimas semanas. Em um vídeo, afirma que leu o livro O Roubo do Enem, de Renata Cafardo, e ali teria entendido como funcionam pré-testes — embora a obra não mencione qualquer ligação com a Capes.

Depois, recuou:

“Não existe isso da Capes”, disse em nova gravação, atribuindo tudo exclusivamente aos próprios algoritmos.

Preocupação dos candidatos e pressão sobre o Inep

A live rapidamente viralizou entre participantes da edição 2025. Muitos relataram surpresa ao identificar questões idênticas às vistas cinco dias antes. Nas redes sociais, cresceram os pedidos por esclarecimentos do Inep e temores sobre eventual cancelamento da prova.

A anulação das três questões não dissipou completamente as dúvidas. Entre estudantes e especialistas, o debate agora se divide entre dois cenários:

Previsão improvável, mas não ilegal: seria possível antecipar questões com base em padrões e pré-testes?

Vazamento: houve acesso indevido a itens sigilosos?

Em ambos os casos, a confiança pública no Enem, exame que movimenta milhões de estudantes e define vagas no ensino superior, entra em xeque.
O que falta esclarecer

A investigação deve responder a questões centrais:

— Como questões com números e dados idênticos apareceram dias antes do exame?

— Houve vazamento?

— Ou Edcley apenas se beneficiou de um sistema pouco transparente de reaproveitamento de itens?

— Qual será o impacto para os candidatos e para o calendário do Enem?

— Como o Inep passará a blindar o processo de elaboração das provas?

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