BANCOS ENTENDEM QUE SANÇÕES DOS EUA NÃO SÃO APLICÁVEIS AO BRASIL, DIZ GILMAR MENDES

Ministro do STF considera, no entanto, que questão ainda pode ser discutida no futuro

Por Giullia Colombo, Valor — Brasília

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes disse nesta quinta-feira (2) que até o momento os bancos têm interpretado que as sanções aplicadas pelos Estados Unidos a autoridades brasileiras não são “extensíveis” ao Brasil.

“Até aqui, os bancos têm interpretado que as sanções não são extensíveis ou aplicáveis. É esse o entendimento”, declarou o decano da Corte a jornalistas depois de participar do 2º Fórum Futuro Tributação, evento em Lisboa (Portugal), organizado pelo Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe).

Nos últimos meses, integrantes do STF e autoridades brasileiras tiveram os vistos revogados pelo governo dos EUA. Além disso, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação da trama golpista, foi sancionado pelo país com a Lei Magnitsky, que prevê que os alvos não podem manter relações comerciais com empresas norte-americanas do setor financeiro ou que tenham negócios com os Estados Unidos, o que incluiria bancos e empresas de pagamento brasileiras.

Para Gilmar, no entanto, a questão ainda pode ser discutida no futuro. Ele citou a decisão de agosto do ministro Flávio Dino, que definiu que leis e ordens judiciais estrangeiras não valem no Brasil de forma automática, nem vinculam empresas brasileiras ou atingem bens situados no país. A decisão foi tomada em um processo envolvendo as ações sobre o desastre de Mariana (MG) movidas por municípios brasileiros na Justiça da Reino Unido. Apesar de não citar a Lei Magnitsky, na prática, ela blindou o país das sanções.

“Nós tivemos também uma manifestação no Supremo da lavra do ministro Flavio Dino naquele caso envolvendo a questão da mineração em Mariana, em que ele balizou que essas decisões tomadas por autoridades estrangeiras precisam ser validadas por autoridade judicial brasileira. Em suma, são questões que certamente podem vir a ser discutidas no futuro”, afirmou Gilmar.

Também há na Corte um processo de relatoria do ministro Cristiano Zanin, para definir como as empresas brasileiras do setor financeiro devem agir.

Lei antiembargos

Na terça-feira (30), o ministro disse a jornalistas em Brasília que os três Poderes discutiam uma espécie de “lei antiembargos" para proteger autoridades e entidades que sofreram sanções. Segundo apurou o Valor, o tema está sob análise da Advocacia-Geral da União (AGU) e ainda não chegou à Casa Civil. O governo federal aposta na retomada das negociações com os Estados Unidos antes de seguir com as discussões em torno de uma nova legislação.

Segundo fontes, o Executivo acha que irá conseguir retomar as negociações diplomáticas com os EUA. Para quatro interlocutores, é melhor priorizar uma saída diplomática do que medidas que poderiam ser lidas como retaliações. Um ministro do STF também considerou que o importante agora é debater o tema, mesmo que nenhuma providência concreta seja tomada rapidamente.

Sobre o tema, Gilmar disse que a discussão ainda precisa ser refinada, mas que se assemelha aos projetos em debate ou em implementação na Europa.

“São projetos similares ou propostas similares às que já existem em debate ou em implementação na Europa em face das determinações de embargos que têm havido por parte sobretudo dos americanos, vis-à-vis aos russos, ao Irã ou mesmo à Cuba, e são debates que precisam ser refinados”, afirmou a jornalistas em Portugal.

PEC da blindagem e anistia

O ministro ainda foi questionado se a derrota da chamada PEC da Blindagem no Senado diminuiria a pressão pela aprovação do PL da Anistia, rebatizado de PL da Dosimetria, em discussão na Câmara.

O decano negou enxergar uma “associação imediata” entre as duas propostas e disse que o debate sobre a anistia aos condenados pelo 8 de janeiro de 2023 e pela tentativa de golpe continuará, ainda que seja voltado para a redução das penas.

“Não sei se tem uma associação imediata entre uma coisa e outra. O debate sobre a anistia se liga aos condenados do 8 de janeiro e agora aos responsabilizados também pelo episódio da tentativa de golpe. Certamente, esse debate pode continuar na medida em que venha a implementação das medidas. O julgamento encerrou-se. Agora, virão embargos de declaração e, depois, as execuções das medidas. Com certeza haverá maior debate no Congresso Nacional em prol, seja de redução de pena, seja de anistia”, afirmou.

Gilmar também comentou as manifestações de 21 de setembro, contra os projetos. Segundo o ministro do Supremo, o movimento reflete a divisão do país. “A mim parece que isso traduz um pouco também da divisão que vocês detectam no país. Pesquisas feitas, recentes, a gente nunca pode se levar inteiramente por pesquisa, mas elas indicam apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal, a convicção de que a decisão se lastreou em dados muito consistentes da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da República. Ao mesmo tempo também, e coerentemente, essas pesquisas repudiam qualquer alívio ou anistia nesse contexto. Então, se vamos falar de apoio popular, isso também tem seu valor, mas é claro que o Judiciário não decidiu com base nisso, decidiu com base na prova dos autos”.

Por fim, o ministro observou que não houve uma repercussão do resultado do julgamento da trama golpista que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e três meses de prisão. Segundo ele, apesar de não ter tido o efeito de levar grandes manifestações às ruas, é preciso considerar que a discussão de um nome para as eleições de 2026 foi antecipada.

“Nós estamos já em um ano que antecede as eleições. A discussão de nome de candidatos foi um pouco antecipada. Quando um candidato que, eventualmente, poderia estar com seu nome nas urnas também é afetado por medidas, seja restritiva, seja de inelegibilidade, também isso provoca discussões. É preciso que a gente olhe nesse contexto, mas não houve repercussão que levasse as pessoas às ruas. Acho que as pessoas entenderam que as decisões tomadas, restritivas, são legítimas”, finalizou.

Foto: Fellipe Sampaio/STF
O ministro Gilmar Mendes, do STF

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