HOMEM MORRE VÍTMA DE 'BACTÉRIA COMEDORA DE CARNE' APÓS BANHO EM FAMOSA PRAIA DO LITORAL PAULISTA

“Você tem 15 minutos para se despedir do seu filho”. Pai desabafa após perder filho vítima de “bactéria comedora de carne” e expõe o colapso sanitário e político no litoral paulista. Investigação mostra como o sucateamento da saúde pública e a poluição das praias resultou na morte de jovem marinheiro

Perequê-Mirim, Ubatuba

Por Ana Oliveira e Felipe Borges

Pragmatismo Político

No dia 28 de abril de 2025, um jovem de 30 anos morreu em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, após contrair uma infecção bacteriana rara e letal conhecida como fasciíte necrosante, popularmente chamada de “bactéria comedora de carne”. A vítima, marinheiro de profissão, havia tomado banho na praia do Perequê-Mirim dias antes de apresentar os primeiros sintomas. O caso foi denunciado por seu pai, Domício Silvestre Gomes, em sessão da Câmara Municipal, e desencadeou uma onda de indignação na cidade.

A bactéria que vitimou o jovem pertence a um grupo que inclui microrganismos como Streptococcus pyogenes, Vibrio vulnificus e Staphylococcus aureus, entre outros. Essas bactérias atacam tecidos moles com agressividade, causando necrose, septicemia e falência múltipla de órgãos em poucos dias. A infecção costuma avançar de forma silenciosa e profunda, muitas vezes sem sinais evidentes na pele nos estágios iniciais.

Segundo o relato de Domício, seu filho procurou atendimento na Santa Casa de Ubatuba no dia 25 de abril, com sinais de infecção e dores. A unidade, no entanto, demorou a acolhê-lo e não conseguiu identificar corretamente a gravidade do quadro. Dois dias depois, com dores na garganta e agravamento dos sintomas, o jovem retornou ao hospital e faleceu em 28 de abril, enquanto a família tentava transferi-lo para outro centro de saúde. “A transferência chegou a ser autorizada, mas foi tarde demais. ‘Pai, você tem 15 minutos para se despedir do seu filho’, me disseram”, relatou Domício, emocionado.

A denúncia pública feita na Câmara foi o estopim para uma avalanche de protestos nas redes sociais e nos meios locais. Moradores expressaram solidariedade à família, mas também revolta com o abandono estrutural da cidade, especialmente em relação à saúde pública e ao saneamento básico. Não faltam recursos, segundo dados oficiais: apenas em 2023, a recém-implantada Taxa de Preservação Ambiental (TPA) gerou R$ 65 milhões aos cofres da prefeitura, e em 2024, o município recebeu mais R$ 13 milhões em royalties do petróleo.

“Só não se sabe onde esse dinheiro é aplicado”, escreveu uma moradora revoltada. E essa é a pergunta que ressoa cada vez mais alto nas ruas e nas redes. O sistema de saúde de Ubatuba é descrito por seus próprios profissionais como “crítico” e “sem condições mínimas de funcionamento”. A Santa Casa, onde o jovem foi atendido, frequentemente aparece em denúncias sobre negligência e subfinanciamento.

Em sua fala na Câmara, Domício também cobrou providências da Sabesp e da prefeitura sobre o estado do saneamento básico na cidade. Um levantamento da doutora Luciana Frazão aponta contaminação em diversas praias com bactérias causadoras de doenças graves, como furúnculos, sepse e pneumonia. Segundo a pesquisadora, essa situação decorre da falta de tratamento de esgoto, da ocupação desordenada e da omissão do poder público.

A advogada Jaqueline Tupinambá, conhecida por liderar tentativas de responsabilização de políticos locais, também se manifestou. Em sua página no Facebook, ela associou a tragédia à exposição da população às águas poluídas. “Estamos matando nossas praias e rios com a construção de prédios e a especulação imobiliária desenfreada. E ninguém faz nada!”, escreveu. Em outra publicação, Jaqueline compartilhou o vídeo de um morador de rua comendo um pombo nas calçadas de Ubatuba: “Este é o retrato da falta de políticas públicas.”

A comoção causada pela morte do jovem foi tamanha que vereadores — geralmente insensíveis à população — prometeram uma investigação rigorosa e medidas concretas. Mas a promessa é recebida com desconfiança. Em novembro de 2024, a mesma Câmara anulou a cassação da prefeita, acusada de desviar recursos da merenda escolar para beneficiar familiares. A decisão foi considerada escandalosa por moradores e veículos locais, que denunciaram a “depravação moral” da política ubatubense.

Com histórico de pelo menos cinco prefeitos cassados por corrupção nos últimos 30 anos, Ubatuba é um retrato melancólico do descaso com o bem público. Como denunciaram moradores em janeiro deste ano, parte dos rios e córregos da cidade seguem contaminados com esgoto in natura, um escândalo antigo que, mesmo sob pressão do Ministério Público Federal, permanece sem solução.

Fasciíte necrosante é rara, mas extremamente letal

A fasciíte necrosante é rara, mas extremamente letal. Seus sintomas iniciais incluem dor intensa desproporcional à lesão aparente, inchaço, febre e calafrios. Com o avanço da infecção, a pele pode apresentar bolhas, escurecimento e necrose visível. O tratamento é cirúrgico e exige uso imediato de antibióticos potentes, além de suporte intensivo — o que requer unidades de saúde estruturadas, algo que Ubatuba está longe de oferecer.

Casos como o do filho de Domício, que era marinheiro em uma marina local, mostram que a população está exposta a riscos mortais por falhas sistêmicas que poderiam ser evitadas. Segundo relatos, outras três pessoas também teriam sido infectadas recentemente por bactérias marinhas em Ubatuba. Se confirmado, o surto pode representar uma ameaça de saúde pública de grande escala.

As orientações médicas para prevenção são claras: evitar entrar no mar com feridas abertas ou arranhões, higienizar qualquer lesão imediatamente com água limpa e sabão, e procurar atendimento médico ao menor sinal de dor intensa, febre ou inchaço anormal após exposição à água salgada ou doce. Mas nenhuma dessas recomendações é suficiente se o mar estiver contaminado e o sistema de saúde, falido.

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