ELEIÇÃO DE TRUMP É ''DESASTRE PARA O CLIMA'' E VAI BENEFICIAR ELE PRÓPRIO, DIZ JOSÉ CHEIBUB

Professor da Universidade de Pittsburgh se preocupa com a volta do republicano com mais poderes ao comando dos EUA

Por Gabriel Gama | Edição: Bruno Fonseca

O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos marca a normalização do radicalismo no país e anuncia um cenário sombrio para o combate às mudanças climáticas que atingem o planeta. A análise é de José Antonio Cheibub, professor de ciência política na Universidade de Pittsburgh, no estado da Pensilvânia.

Com a maioria das urnas apuradas, o candidato do Partido Republicano derrotou a vice-presidente Kamala Harris, do Partido Democrata. Em comparação com 2020, o eleitorado de Trump cresceu em 90% das regiões do país que já encerraram a totalização. O republicano caminha para se tornar o primeiro presidenciável de seu partido a vencer no voto popular nacional em 20 anos: até o momento, ele tem 51% dos votos contra 47,5% de Harris.

Com a maioria republicana no Senado e o provável controle da Câmara dos Representantes, Trump regressará com mais poderes e terá mais abertura para desmantelar políticas às quais é contrário. “O presidente estará completamente fortalecido com a maioria na Câmara e no Senado e com uma coesão partidária enorme. Terá muito espaço para ele desorganizar mais ainda toda a política”, avalia Cheibub.

O combate às mudanças climáticas também será fortemente afetado pela eleição do republicano. “Estamos falando de um país que ainda é um dos mais importantes do mundo, que influencia o planeta inteiro, e será comandado por uma pessoa que desacredita na relevância das mudanças climáticas. Trump não fará absolutamente nada para mitigar os efeitos do aquecimento global”, afirma o professor.

“Daqui a quatro anos, pode ter certeza que estaremos numa situação pior [em relação ao clima] do que estamos hoje, que já é ruim”, diz.

Confira os destaques da entrevista de José Antonio Cheibub à Agência Pública:

Para começo de conversa, como o sr. enxerga os resultados da eleição presidencial como um todo?

Hoje eu moro na Pensilvânia, e, sendo esse um estado que poderia dar vitória para ambos os candidatos, a mobilização da campanha de Kamala Harris para alcançar os eleitores foi incrível, não houve um dia que eu não tenha recebido três ou quatro mensagens de texto [do Partido Democrata].

Mas parece que essa mobilização não foi tão bem-sucedida assim. O tamanho da vitória é realmente uma surpresa. Donald Trump quebrou todas as normas de probidade e civilidade e mesmo assim conseguiu vencer. Parece que era o que as pessoas queriam, pelo menos os 71 milhões que votaram nele.

                                                                                                  IACL AIDC Blog/Reprodução
José Antonio Cheibub, professor de ciência política na Universidade de Pittsburgh, no estado da Pensilvânia (EUA)

Trump opera radicalmente para se autosservir. As políticas dele vão beneficiar somente ele próprio e os bilionários, ninguém mais. É um radicalismo sem conteúdo.

A apuração dos votos mostra que Trump estreitou a vantagem dos democratas em estados que tradicionalmente votam no partido, como Califórnia e Nova York. E ele provavelmente ganhará no voto popular, a primeira vez desde 2004 que um republicano alcança a maioria do eleitorado. O que explica isso?

Na minha visão, o Biden tem uma parcela de responsabilidade nisso, pelo egoísmo de achar que ele poderia continuar concorrendo à reeleição. Se desde o início ele tivesse feito o que disse que ia fazer, que era governar por quatro anos e fomentar um processo de emergência de liderança, talvez estivéssemos em outras condições agora.

Kamala teve uma campanha ridiculamente bilionária e foi até criativa no enfrentamento a Trump. Mas o fato do Biden ter ficado até julho nessa indecisão [sobre continuar ou não na disputa presidencial] afetou bastante a corrida. Mexeu com a capacidade do partido de enfrentar os seus problemas internos.

Algumas análises têm apontado a economia e o descontentamento com a inflação como motivos para a rejeição de Biden e Kamala e consequentemente para a vitória de Trump. Mas uma parte das propostas dele não apresenta uma solução concreta para isso. Como o sr. avalia esse quadro?

Trump não tem propostas para a economia. A única coisa que eu me lembro é dele dizer que não vai taxar as gorjetas dos funcionários de restaurantes, algo que a Kamala também tinha defendido.

É uma loucura, porque muita gente fala que a economia do país pode ter sido um fator importante na eleição, mas é puro efeito de percepção. A economia está indo bem, a inflação está sob controle, o desemprego está baixo e tem se mantido assim nos últimos meses.

É um cenário diferente de 2016, no sentido de que, naquela época, era claro o descontentamento e a insatisfação de muitos eleitores com essa noção dos perdedores da globalização. Desta vez, eu não acho que seja isso. Hoje, votar em Trump me parece algo muito mais normalizado entre os eleitores que são pessoas marginalizadas na sociedade.

Mesmo com um discurso xenofóbico e contrário aos imigrantes, Trump avançou em locais com populações latinas migrantes. Até o momento da apuração, de 2020 para 2024, o eleitorado do republicano cresceu 9,5 pontos percentuais nos condados que têm mais de 25% da população hispânica. Como isso é possível?

Isso não me surpreende, infelizmente. Para muitos imigrantes, é fácil ver que o discurso de Trump se refere aos outros, e não a eles próprios. Numa lógica: “Eu sou um imigrante latino, mas estou aqui legalmente e tenho meus documentos. Eu não estou quebrando a lei, não estou fazendo nada. O problema não sou eu, o problema são os que vêm ilegalmente e começam a comer cachorro e gato” [uma desinformação expressa por Trump durante o debate presidencial, em setembro].

Para esses eleitores, os estrangeiros são os outros. Isso, sim, é surpreendente. As pessoas preferem interpretar o discurso da maneira que é mais favorável para elas. É o desejo de se incorporar ao país, de normalizar a situação. “Eu sou parte, eu não sou estrangeiro.”
                                                                                           Reproducao/X/Donald Trump
A volta de Trump à presidência normaliza o radicalismo nos EUA e ameaça o combate climático global, diz José A. Cheibub

Voltando um pouco ao tema da globalização: o Trump tem uma retórica contrária ao livre-mercado, mesmo que dentro dos interesses dele. O sr. vê que a eleição dele é uma resposta ao neoliberalismo ou se enquadra em outro fenômeno?

Com certeza não é uma resposta da maneira como foi em 2016, acredito que dessa vez seja algo bem diferente. Uma das discussões dessa campanha foi: por que a Kamala Harris e outras pessoas do Partido Democrata não se valeram mais das políticas econômicas do Biden? E o argumento era de que essas políticas estavam sendo bem-sucedidas, e não só no sentido de conter a inflação, mas também de reconstruir a infraestrutura, com os grandes projetos de despesa na casa dos trilhões de dólares que foram aprovados.

Existe uma espécie de uma coalizão antineoliberal, é o começo de uma resposta ao neoliberalismo. Uma coalizão em que a questão não é mais sobre o papel do Estado, já há uma aceitação de que o Estado tem um papel a jogar na economia para gerar emprego e movimentar a economia. Em 2016, isso foi uma surpresa, mas hoje não é mais.

Nas cidades industriais decadentes do estado de Ohio, por exemplo, as pessoas não estão sendo atendidas por nenhum programa de treinamento de força de trabalho, nem pelo governo federal nem pelo governo estadual. Os sindicatos estão empobrecidos, esvaziados. Na eleição de 2016, houve um despertar que chamou atenção para isso, mas hoje isso já é estabelecido.

Um dos projetos trilionários aprovados pelo governo Biden é a Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês), um pacote de medidas de incentivo à transição energética e ao combate às mudanças climáticas. Trump já sinalizou que pretende revogar o IRA, algo que depende da aprovação do Congresso. E também quer enfraquecer a Agência de Proteção Ambiental (EPA) e a Administração Atmosférica e Oceânica (NOAA). Se o Partido Republicano realmente tomar o controle do Senado e da Câmara, como o sr. enxerga esses possíveis desmontes?

Será uma tragédia. Assim como o resto do mundo, os Estados Unidos estão indo muito devagar na resposta às ameaças do clima, e a eleição do Trump é mais um passo atrás.

Eu percebo que há uma grande dificuldade em convencer as pessoas da importância disso. O aumento da destruição e magnitude dos eventos climáticos são visíveis a olho nu em todo o país. A cada verão temos mais furacões, mais tornados, mais ondas de calor.

Vai ser um horror, Trump estará completamente fortalecido com a maioria na Câmara e no Senado e com uma coesão partidária enorme. Terá muito espaço para desorganizar mais ainda toda a política. Eu não fiquei tão pessimista em 2016 quanto eu estou agora. Em parte, acho que é porque ainda não sabíamos bem o que ia acontecer. Mas agora sabemos, e vai ser pior.

O poder do presidente será enorme, terá um grande poder de dano. Trump também quer acabar com os empregados de carreira no Estado, e isso é algo que sempre foi visto como impossível. Mas ele tem a vantagem do inesperado, pode fazer coisas que ninguém esperava que ele fizesse.

Trump também planeja retirar o país do Acordo de Paris, o tratado assinado em 2015 no qual a maioria dos países se comprometeram a reduzir suas emissões de gases do efeito estufa para limitar o aquecimento do planeta. Sendo o maior emissor histórico de gases, qual o impacto da possível retirada dos EUA do acordo?

O estrago é completo. Uma das coisas que me ocorreram durante a noite de apuração foi que o Trump vive falando que a guerra na Ucrânia acabaria antes de ele tomar posse. Se for o caso, até que não será tão ruim assim. Agora, em relação ao clima, será um desastre total.

Estamos falando de um país que ainda é um dos mais importantes do mundo, que influencia o planeta inteiro, e será comandado por uma pessoa que desacredita na relevância das mudanças climáticas. Trump não fará absolutamente nada para mitigar os efeitos do aquecimento global.

Daqui a quatro anos, pode ter certeza que estaremos numa situação pior do que estamos hoje, que já é ruim.

Um fator que chamou atenção na eleição foi a entrada do bilionário Elon Musk na campanha de Donald Trump. O sr. acredita que esse apoio se converteu em resultados de fato?

Ainda é cedo para saber. Mas o fato é que se criou uma aliança que já existe na Rússia, entre Putin e os oligarcas, e agora temos isso aqui nos Estados Unidos. Musk e as big techs são oligarcas ligados a Trump.

Até o começo deste século, os bilionários tinham uma expressão um pouco mais pública, mas ainda destruíram o meio ambiente tanto quanto hoje. Em Pittsburgh, por exemplo, as famílias bilionárias que eram donas do setor das indústrias de aço acabaram com o meio ambiente, mas criaram museus, universidades… Os bilionários de hoje sequer pensam em nada disso, estão aqui só para ganhar dinheiro, assim como Trump.

E como o sr. enxerga as repercussões da eleição de Trump para a sucessão presidencial no Brasil?

A minha predisposição é sempre analisar as coisas a partir de fatores domésticos. Mesmo que exista uma influência internacional, elas são processadas e filtradas através das preferências domésticas.

O Bolsonaro tem dito que vai concorrer à presidência em 2026, mesmo inelegível. Não sei como ele pretende fazer isso, mas sei que o Bolsonaro observou bem e viu que o sucesso de Trump se deve, em parte, ao fato de ele não ter recuado da sua arrogância, ele a trouxe ainda mais para a frente. Isso é uma lição que Bolsonaro vai tentar adotar.

Agora, se Trump vai influenciar diretamente nas eleições brasileiras, eu acho que não. A influência pode existir porque o mundo inteiro está conectado, mas o objetivo do Trump não é fazer um movimento global, e sim ganhar dinheiro e proteger os interesses dele.

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