''NÃO TEVE BRIGA, SÓ SENTI O TIRO'', DIZ MODELO QUE FICOU PARAPLÉGICA APÓS DISPARO DO EX-NAMORADO

"Aconteceu tudo muito rápido, não teve briga e discussão, só senti o disparo nas costas. O tiro foi à queima-roupa, meu corpo girou e eu caí de barriga para frente. Parecia um filme de terror"

Daniela Bezerra


Bárbara Therrie, Universa

Daniela Bezerra tinha 19 anos quando ficou paraplégica após um ex-namorado disparar um tiro contra ela e depois tirar a própria vida. Ao saber que se tornaria cadeirante, a modelo pensou que seria dependente dos pais para sempre, mas com o tempo sua opinião mudou.


Aos 30 anos, Daniela conta que está na segunda faculdade, recuperou sua vaidade ao empreender e fazer fotos para mostrar a inclusão e se tornou paratleta de arremesso de peso e lançamento de dardo e disco. “A limitação está dentro da nossa cabeça, quando andava tinha uma vida muito mais limitada”, diz. A seguir, ela conta a sua história a Universa:

“Eu e meu ex nos conhecemos no quiosque do meu pai, ele era cliente e eu trabalhava lá. Eu tinha 18 e ele 28 anos quando começamos a namorar. Durante o relacionamento ele nunca teve qualquer indício de ser violento. Era ciumento, mas dentro do normal, não era de mexer no meu celular ou escolher as roupas que deveria usar.

“Meu ex era namorador e me traiu algumas vezes. Ele sempre dizia que gostava de mim, que ia mudar e pedia para voltar. Entre idas e vindas ficamos juntos por um ano e o último término foi justamente porque descobri uma traição”.

Ele me chamou para conversar e tirou uma arma

No dia 20 de fevereiro de 2012, ele me mandou uma mensagem pedindo para eu ir à casa dele pra gente conversar. Chegando lá percebi que ele estava bêbado, ele me ofereceu bebida, não aceitei. Estávamos na cozinha, ele disse que precisava me mostrar algo, me levou até a sala e me mostrou uma arma.

Nunca tinha visto ele com uma arma antes, na hora não fiquei com medo, falei para ele guardá-la, virei as costas e saí andando.

Aconteceu tudo muito rápido, não teve briga e discussão, só senti o disparo nas costas. O tiro foi à queima-roupa, meu corpo girou e eu caí de barriga pra frente. Na sequência, ele deu um tiro na própria cabeça e caiu perto de mim.

Lembro da sensação como se fosse hoje. A bala entrou pelas costas e transfixou, saiu na altura do meu fígado. Na hora não senti dor, é como se alguém tivesse me empurrado bem forte. Quando caí já não senti as pernas e depois de um tempo minha barriga começou a doer muito. Comecei a gritar e a pedir socorro. Parecia um filme de terror.

Os vizinhos entraram na casa, arrancaram uma porta, fizeram de maca e me levaram em cima dela em um carro até o hospital da minha cidade. De lá fui transferida para uma cidade vizinha.


Quando acordei da cirurgia, o médico disse que a bala perfurou o meu fígado, sofri uma hemorragia interna e levei mais de 25 pontos na barriga. Ele também explicou que sofri uma lesão na medula espinhal, na vértebra T11, e que tinha perdido os movimentos das pernas.

Fiquei triste, chocada e pensei: ‘Não vou fazer mais nada da vida, só vou ficar em casa e ser dependente dos meus pais para sempre’. Fiquei 20 dias internada no hospital e fiz minha reabilitação no Centro de Neurorreabilitação do Sarah, de Fortaleza.
Adaptação e reabilitação

No começo precisei me adaptar, me conhecer e me redescobrir de várias maneiras. Sempre fui vaidosa, mas fiquei com a autoestima baixa e sentia vergonha das cicatrizes na barriga. Perdi muita massa muscular, emagreci, doei todas as minhas calças jeans e não usava mais alguns tipos de roupas.


A situação mudou quando passei a empreender por sugestão da minha irmã. Começamos a vender roupa feminina online e ela sugeriu fazer fotos minhas modelando para mostrar a inclusão. Isso me ajudou porque foi a primeira vez que me vi como uma pessoa com deficiência e como modelo. Me arrumava, me maquiava e me sentia bonita.

“Depois que tomei o tiro, demorei cerca de quatro anos para me relacionar com outro homem, nunca mais namorei sério e sou muito mais seletiva. Um dos meus maiores medos era não saber como o meu corpo iria se comportar durante a relação sexual devido à falta de sensibilidade”.

“Na minha primeira relação sexual pós-lesão, saiu xixi na hora porque não havia esvaziado a bexiga, fiquei morrendo de vergonha e constrangida”.

Meu parceiro foi compreensivo, conseguimos contornar a situação e no fim deu tudo certo. Expliquei que por conta da lesão tenho retenção urinária, não faço xixi como as outras pessoas, preciso introduzir um cateter hidrofílico pela uretra para esvaziar a bexiga.

Hoje em dia sou mais segura de mim, entendo melhor o funcionamento do meu corpo e procuro me relacionar sexualmente com parceiros que tenham mente aberta e que possam entender minhas limitações para que a relação flua e seja prazerosa para os dois.

Cadeira de rodas não é prisão

Para algumas pessoas a cadeira de rodas pode ser uma prisão, mas no meu caso ela trouxe uma nova visão de vida, liberdade e oportunidades. A limitação está dentro da nossa cabeça, quando andava tinha uma vida muito mais limitada. Estudava e trabalhava como cabeleireira a domicílio e ajudava meu pai no quiosque

“Depois do ocorrido com o meu ex, me tornei muito mais ativa, independente, conheci pessoas incríveis e viajei para vários lugares. Terminei o curso de biologia, fiz uma pós-graduação e atualmente estou cursando nutrição”.

Inaugurei um espaço físico da minha loja online de moda feminina. Fiz um curso de fotografia, sou influenciadora digital (@danielaabezerra), uma das embaixadoras da Coloplast (empresa que oferece soluções e produtos para pessoas com retenção urinária), modelo profissional em cadeira de rodas da Smart Cadeiras de Rodas e me tornei paratleta de arremesso de peso e lançamento de dardo e disco.

Tudo o que sou e conquistei foi graças ao apoio de pessoas, amigos e empresas que abraçaram a causa junto comigo, mas principalmente dos meus pais e irmãos que sempre me incentivaram.


Não tenho raiva do meu ex e me amo

Nunca senti raiva do meu ex pelo que ele fez comigo, guardar rancor só iria me prejudicar. Fiquei triste por ele ter falecido e pela forma como foi.

Aprendi a não deixar o medo, os obstáculos e as limitações serem maiores do que a minha vontade de vencer. Se tento fazer algo e não dá certo, tento novamente ou peço ajuda.

“Pode ser que para mim seja um pouquinho mais difícil ou demorado por conta da cadeira de rodas, mas no fim sei que vou conseguir”.

Hoje me amo e me aceito com todas as cicatrizes e com todas as mudanças no meu corpo, porque são elas que contam quem eu sou e a minha história.”

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