CPI APONTA BOLSONARO COMO "CABEÇA" DE FAKE NEWS, MAS ESBARRA EM TIPIFICAÇÃO


JÚLIA SCHIAFFARINO


A CPI da Covid aprovou, no último dia de trabalhos, um requerimento de pedido de cautelar ao Supremo para remover o presidente Jair Bolsonaro das redes sociais. Esse desdobramento traz como base uma live veiculada em 21 de outubro na qual o presidente associa a vacinação contra o coronavírus à contaminação pelo HIV. A disseminação de fake news como esta, pelo presidente, ao longo de toda a pandemia, é parte do relatório final da comissão que descreve Bolsonaro como “cabeça” de uma organização complexa e sistemática que visa “extrair proveito econômico ou político”.

No documento apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) um capítulo inteiro é dedicado a esmiuçar a produção e propagação de notícias falsas por parte do governo.

Apesar de detalhar o esquema de produção e disseminação de fake news, apontar nomes de integrantes, financiadores e lucros, bem como os efeitos negativos dessa prática, o relator reconhece que uma punição esbarra na inexistência de tipificação penal capaz de “punir de forma satisfatória as pessoas que divulgam informações falsas”. Nesse sentido o texto destaca a necessidade de se avançar, no Congresso, com proposições que possam preencher tais lacunas.

Enquanto isso, na esfera do direito eleitoral, a infração foi caracterizada com o advento da Lei 14.192 de 4 de agosto de 2021, que tornou crime divulgar propaganda eleitoral durante o período de campanha. Atualmente a chapa Bolsonaro-Mourão é alvo de duas ações a serem julgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação com o disparo em massa de mensagens nas eleições de 2018. O julgamento está pautado para esta terça (26).

De acordo com a apuração da CPI, o esqueleto da organização das fake news no governo Bolsonaro é formado por cinco núcleos. No primeiro e principal deles, denominado núcleo de comando, está o próprio presidente. Ao lado dele, são citados os filhos dele, o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) e o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro.

“Esse núcleo tem a função de dirigir a organização e orientar estrategicamente as ações realizadas nos níveis inferiores da hierarquia, dando-lhes diretrizes e informando-lhes prioridades de ação”, consta do documento.

O documento lista sete tipos de desinformação divulgadas intencionalmente pelo governo entre 2020 e 2021: notícias falsas sobre a origem do vírus, perpetuando conteúdos xenófobo; críticas ao isolamento social; busca de isenção do governo federal com falso discurso de que o Supremo proibiu o presidente de atuar para combate da pandemia nos estados; campanhas de tratamento precoce; distorção no número de mortos; contestação do uso de máscaras com mentiras sobre efeitos nocivos à saúde; propagandas de posturas antivacina.

Para além de uma expressão de opiniões, o relatório afirma que as transmissões e compartilhamentos de notícias falsas por Bolsonaro fazem uso de uma estrutura presidencial e, portanto, pública. Assim, chama a prática de “desinformação institucional” numa estrutura “que incluiu órgãos públicos como a Secom, o Ministério da Saúde, a TV Brasil e o próprio Palácio do Planalto”.

Além disso, essas ações têm efeitos graves uma vez que “o discurso do chefe do Executivo federal foi determinante para a omissão do governo federal na implantação de políticas comunicacionais de conscientização e enfrentamento à pandemia de covid-19.

Núcleos complementares e monetização

Além do núcleo de comando, são citados como parte da organização um núcleo formulador – que atua dentro do Palácio do Planalto e ficou popularmente conhecido como Gabinete Paralelo; um núcleo político – que oferece suporte às decisões e é composto por parlamentares; e um núcleo de produção de disseminação de fake news – no qual estão blogueiros e influenciadores digitais.

Ainda dentro mapa da organização de produção e disseminação das fake news, o relatório descreve o núcleo responsável pelo financiamento.

Entre os principais nomes a serem investigados por aportarem verba para incentivar as notícias falsas estão os dos empresários Otávio Fakhoury, que integra o Instituto Força Brasil, e Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan.

Em relação a Fakhoury, o relatório mostra o empresário como “financiador de diversos veículos investigados por essa CPI” com movimentações bancárias que “apontam, por exemplo, a transferência, entre 2020 e 2021, de R$3 10.279,24 para o Instituto Força Brasil, disseminador de fake news na pandemia e propagador do negacionismo e do tratamento precoce”.

A questão financeira, aliás, é um ponto sensível no relatório.

O texto destaca que, além dos interesses políticos, há saldos econômicos envolvendo a produção e disseminação de notícias falas “em razão da enorme quantidade de visualizações das publicações, os titulares desses canais, páginas e perfis auferem expressivos ganhos financeiros, com base em critérios definidos pelos algoritmos de cada rede social ou plataforma de conteúdo digital, o que comumente se denomina monetização.”

O relatório também faz um mapeamento de perfis em redes sociais de propagadores de fake news, mas destaca que também estão nas operações os “robôs” que simulam o comportamento de usuários reais, comentando, curtindo e compartilhando publicações.

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