CASO DE FEMINICÍDIO NO MÉXICO GERA CRÍTICAS SOBRE O PAPEL DA IMPRENSA

Publicação de fotos de corpo de jovem de 25 anos vítima de feminicídio causa indignação no México. Parceiro de Ingrid confessou o crime, mas o compartilhamento em massa das imagens e sua publicação nos jornais geraram revolta

Francisco Robledo e Ingrid

BBC News

Um caso de feminicídio de uma jovem provocou indignação e gerou críticas sobre o papel da imprensa no México. Ingrid Escamilla, de 25 anos, foi supostamente assassinada por seu parceiro na Cidade do México, que confessou o crime.

A polícia identificou o homem, que está preso, como Francisco Robledo, de 46 anos. Ele foi encontrado pela polícia com manchas de sangue e diante do corpo de Escamilla, que apresentava várias lacerações de arma branca.

O assassinato aconteceu no domingo (9) e as fotos do corpo da vítima foram publicadas nas capas dos tabloides da capital mexicana.

A Procuradoria-Geral de Justiça da Cidade do México (FGJCDMX, na sigla em espanhol) informou que pelo menos seis pessoas, policiais e promotores, estão sendo investigadas por vazamento de imagens.

Nas redes sociais, foi feita uma convocatória para compartilhar o rosto de Ingrid Escamilla em vez das fotos violentas do feminicídio.

Os assassinatos de mulheres cresceram 137% nos últimos cinco anos no México, disse o procurador-geral Alejandro Gertz na segunda-feira (10) durante uma entrevista a jornalistas com o presidente Andrés Manuel López Obrador.

Embora o caso de Ingrid Escamilla não tenha sido citado especificamente, gerou ainda mais indignação o fato de Gertz ter sugerido mudar a maneira pelo qual o feminicídio é investigado – tratando o crime apenas como homicídio. Também despertou crítica a declaração de López Obrador de que “houve muita manipulação sobre esse assunto (feminicídios) na mídia”.
Confissão

A Secretaria de Segurança (SCC) da capital mexicana informou que recebeu, no domingo de manhã, um alerta de uma “agressão contra uma mulher” no bairro Gustavo A. Madero.

Ao chegar ao local, encontraram o suposto agressor com “pontos visíveis” de sangue em suas roupas e corpo, de modo que ele foi “imediatamente preso”, afirmou a SSC em nota.

“No local, o corpo de uma mulher de 25 anos foi encontrado, sem sinais vitais e com traços visíveis de violência”, acrescentou.

Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra o detido sendo interrogado em uma patrulha da polícia.

Nas imagens, ele confessa que depois de uma discussão com sua parceira na noite anterior, ambos se agrediram com uma faca. Ele, então, a matou e mutilou seu corpo.

“Não queria que ninguém notasse. Com a mesma faca que ela me atingiu, eu a enterrei”, diz o suposto assassino, que também diz que tentou se livrar de partes do corpo da mulher.

Robledo decidiu fazer isso para apagar as evidências, além de sentir “vergonha, medo”.

Sensacionalismo

O tabloide “Pásala” estampou em sua capa de segunda-feira a manchete “A culpa foi do Cupido”, porque o assassinato ocorreu “a poucos dias do Dia dos Namorados (14)”, com uma foto grande e explícita do corpo da vítima.

Já a manchete do jornal “La Prensa” foi “Esquartejada”, com três fotos ocupando toda a capa: uma do detento, outra do corpo da vítima e mais uma do prédio onde moravam.

Antes dessas e de outras manchetes dos jornais, mulheres e coletivos repudiaram nas redes sociais a divulgação das fotos e a abordagem da imprensa mexicana sobre feminicídios.

Nelly Montealegre, vice-procuradora-geral das Vítimas da FJG, informou na terça-feira (11) que seis pessoas – incluindo integrantes da polícia do SSC e da FJG – estão sendo investigadas, porque foram elas as “responsáveis pelo vazamento das informações.”

Dependendo do nível de responsabilidade, elas podem sofrer uma penalidade penal ou administrativa.

Um menor de idade foi colocado sob “medidas de proteção como vítima indireta dos fatos”, ao testemunhar o assassinato de Ingrid Escamilla, disse Montealegre. Os relatos da imprensa indicam que ele é uma criança com autismo, o filho do suspeito.

“O feminicídio é um crime absolutamente condenável. Quando o ódio atinge os limites como o de Ingrid Escamilla é escandaloso”, disse a prefeita da Cidade do México Claudia Sheinbaum no Twitter.

No ano passado, foram registrados 68 casos de feminicídio na capital mexicana, uma taxa de 1,44 casos para cada 100 mil habitantes.

Se contabilizados os dados de todos os 32 Estados do país, foram 976 casos, de acordo com o Sistema Nacional de Segurança Pública. No entanto, várias organizações dizem que há muitos casos subnotificados.

Eles também criticam o fato de que a grande maioria dos casos nunca é resolvida e apenas uma pequena parcela dos autores é levada à Justiça.
“Manipulação”

Para o presidente López Obrador, o feminicídio foi objeto de “manipulação” pela imprensa crítica a seu governo.

O presidente respondeu a perguntas de jornalistas sobre os planos do promotor Gertz de mudar a maneira como os feminicídios são classificados.

“Houve muita manipulação dessa questão na mídia e aqueles que não nos veem com bons olhos se aproveitam de qualquer circunstância para gerar campanhas de difamação, de informações distorcidas, falsas”, afirmou.

Gertz argumentou que sua intenção não é acabar com a judicialização dos feminicídios, mas, segundo ele, é preferível mudar a tipificação dos assassinatos de gênero contra as mulheres para facilitar sua investigação.

Ele ressaltou que na lei atual mais requisitos são necessários para criminalizar um caso como feminicídio do que como homicídio, o que atrasa a justiça para as mulheres.

“Deveríamos tornar muito mais simples proteger as vítimas, proteger as mulheres, dar-lhes maior poder em defesa de sua vulnerabilidade”, afirmou.

No entanto, o Congresso, responsável por modificar a lei, ainda não discutiu o assunto.

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