POLÔNIA: UM BASTIÃO OCIDENTAL SOB PRESSÃO DA GEOPOLÍTICA

Hermes Menna Barreto Gonçalves


Este artigo pretende apresentar ao leitor conservador uma visão sobre a importância geopolítica da Polônia perante a complexa conjuntura internacional da atualidade. Cabe notar que esse ator internacional, em face de sua situação geográfica, mas sobretudo por conta de sua identidade, do seu caráter, da sua crença religiosa e, sobretudo, das tradições de seu povo, esteve sempre presente em momentos-chave da saga histórica da Europa judaico-cristã.

O atual território polonês, confirmado pelos tratados de paz que encerraram a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), buscou retomar ao máximo as antigas fronteiras históricas polonesas, apagadas a partir das sucessivas partilhas levadas a efeito por Prússia, Rússia e Áustria, no final do século XVIII (1ª, 2ª e 3ª partilha), e Alemanha Nazista (nacional-socialista) e União Soviética, em 1939 (4ª partilha). Grosso modo, atualmente, em termos de espaço, a Polônia contemporânea possui fronteiras: a norte, com a Federação Russa (Kaliningrad) e Lituânia; a leste, com Belarus e Ucrânia; a sul, com a Eslováquia e com a República Tcheca e a oeste, com a Alemanha.Topografia da Polônia

O território polonês possui várias regiões bem distintas entre si. O país possui uma porção nordeste (Distrito dos Lagos), que é densamente arborizada, fracamente povoada e sem maiores atrativos agrícolas ou industriais. A oeste (Pomerânia polonesa) e a sul dessa primeira região, por sua vez, temos vastas planícies e planaltos, densamente povoados, e com elevado rendimento agrícola (principais produtos: batata e beterraba), que se estendem, a sul, até as fronteiras montanhosas com os tchecos (Sudetos), eslovacos e ucranianos (Cárpatos). As principais áreas industriais se situam no entorno das grandes cidades como Varsóvia, Gdansk (Danzig), Lodz, Kraców (Cracóvia) e Szczecin (Stettin), mas também, e sobretudo, na região da Baixa Silésia, rica em depósitos de carvão mineral, o que levou ao estabelecimento de numerosa indústria siderúrgica.

Como visto acima, o Distrito dos Lagos é uma região natural da Polônia, situada no nordeste do país, na região da Masúria. Esta região tem esse nome por conta ter sido habitada pela tribo dos masúrios, em seus primórdios, antes de sua assimilação pelos poloneses. Além da importância estratégica, como região passiva (ou seja, que restringe movimentos militares), a região se destaca, na maior parte do tempo pelo grande interesse de turistas, pois possui mais de 2.000 lagos, entremeados por rios, tornando a região um paraíso natural.

Por outro lado, outro acidente natural de importância estratégica para o país são os portões da Morávia, que vem a ser um caminho de acesso entre a Polônia e a Europa Central, situada na região da Morávia, na República Tcheca. De grande importância histórica, este corredor, formado pela depressão entre os Montes Cárpatos, a leste, e os montes Sudetos, a oeste, testemunhou a maior parte das grandes invasões de povos nômades que a Europa já sofreu. Atualmente, materializando esta ligação, temos uma densa malha de rodovias e ferrovias ligando ambos os países.

No que tange a sua história, a Polônia tem sua origem remota no começo do século V, quando algumas tribos eslavas se estabelecem nas férteis planícies da Europa setentrional, entre o Mar Báltico e os Montes Cárpatos. Destacando-se dentre tais tribos, os chamados polanos gradualmente unificam as tribos circunvizinhas até que, sob a dinastia Piast, ocorre o estabelecimento do primeiro Reino, ou Ducado, polonês.

Tal ente político, estabelecido por volta do século IX, na região conhecida como Polônia maior, ou “antiga”, com primeira capital na localidade de Gniezno, se cristianiza no ano de 966, desde então não parando mais de atuar como baluarte cristão na área. Cabe destacar que essa primeira Polônia nasceu afastada do litoral, mas logo passou a controlar as áreas costeiras ao Mar Báltico.

Já no século X, este Ducado polonês ganhou importância na Grande Estratégia do Sacro Império Romano-Germânico, que desejava, nas fronteiras de leste: expandir a fé cristã e retomar o hábito romano de manter Estados-tampão nas fronteiras com terras desconhecidas. Assim, nas contendas entre o Império contra os pagãos de origem germânica que habitavam as margens do Báltico, especialmente os saxões e os prússicos, este primeiro Estado polonês se destacou.

Confirmando a sua vulnerável situação geopolítica, com destaque para a permeabilidade territorial (em meio a uma vasta planície, pouco acidentada, que se prolonga até a Ásia Central), no século XIII, enfrenta, seu primeiro grande desafio existencial. Trata-se da chegada de numerosa horda de cavaleiros mongóis, liderados por descendentes do legendário Gengis Khan. Na primeira invasão, os poloneses, juntamente com outros reinos cristãos na Europa Central, são salvos da aniquilação pelo falecimento fortuito do Khan (Imperador) mongol, na longínqua Karakorum, o que leva ao cancelamento, e retorno, da expedição.

Nas décadas seguintes, os mongóis voltaram (em 1259 e 1287), levando a melhor na segunda tentativa, tendo saqueado diversas cidades e monastérios. Já na terceira invasão, os defensores haviam demonstrado um melhor preparo: as cidades estavam bem fortificadas, bem como as forças defensivas era conhecedoras das táticas mongóis. Com isso, as forças invasoras tiveram um resultado bem menos significativo, se retirando com pesadas perdas militares.

A partir do final do século XIV, uma nova ameaça surge contra os poloneses, desta feita oriunda dos Cavaleiros Teutônicos. Este Estado confessional, baseado na Ordem que tem origem nas Cruzadas, tenta expandir, na base das armas, o Cristianismo sobre as tribos pagãs que ainda habitavam as costas do Mar Báltico, com destaque para o Ducado da Lituânia. Ao longo desta empreitada, entraram em conflito com os reis da Polônia acerca de direitos territoriais que incluíam questões fronteiriças, mas também acerca da navegação nos rios que desembocam no Mar Báltico.

É desta fase o surgimento da Dinastia Jagiellona, surgida do casamento entre um rei lituano e uma rainha polonesa (1385). Este período foi caracterizado por laços profundos entre a Lituânia, que se cristianiza no processo, e os poloneses. Esta sinergia, que frutificaria por vários séculos (cerca de 400 anos) só foi interrompida com a absorção de ambos os Estados confederados por seus vizinhos mais poderosos.

E foi esta confederação com os lituanos a configuração mais importante que um Estado polonês atingiu ao longo da história. A chamada “Comunidade das Duas Nações” (Reino da Polônia e Grão-Ducado da Lituânia), que abarcou uma grande porção de espaço territorial, nos séculos XVI e XVII, materializou uma das potências européias desse período histórico. Cabe notar que este agrupamento político é fundamental para a exata compreensão da importância da Polônia para a prevalência dos valores ocidentais, tanto que recebeu a alcunha de “Antemurale Christianitatis”[1].

Embora nominalmente fosse uma Confederação que reunisse poloneses e lituanos, majoritariamente, a “Comunidade das Duas Nações” abrangia os atuais territórios da Polônia, de Belarus, dos Países Bálticos e, parte considerável da Ucrânia. Um detalhe importante é que o atual enclave russo de Kaliningrad (cujo nome anterior, em alemão, era Königsberg), também era domínio polonês (território vassalo), muito embora sob controle e vivificação germânica, desde o período dos Cavaleiros Teutônicos.

No que tange, ainda, a esse Estado germânico medieval, eles travaram uma série de guerras com a Comunidade, que, com perdas e ganhos, consolidam uma configuração territorial que será, com algumas retificações, mantida até meados do século XX. Deste período, destaca-se a derrota germânica em Grunwald (imagem 2) na mesma região onde foi lutada a famosa batalha de Tannenberg[2], em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial.Mapa dos limites teuto-poloneses nos Séculos XIV e XV

Esse Estado polonês-lituano também foi peça fundamental na contenção do avanço otomano sobre a Europa Central, desde antes da celebração do ato fundador da união entre os dois atores (a União de Lublin), em 1569. Em meados do século XVII (1648 a 1667), contudo, a Confederação quase se extinguiu em face de uma invasão, seguida de ocupação de seus principais territórios por forças militares suecas, apelidada de “Dilúvio”. Neste episódio, no que quase resultou numa 1ª partilha prematura da Polônia, o país sofreu perdas tão graves em sua população e economia que são tidas como comparáveis com àquelas sofridas pelo país durante a Segunda Guerra Mundial.

Rei Jan Sobieski III após a Batalha de Viena (1683) – obra de Jan Matejko

Posteriormente, recobrando parte da energia anterior, já no limiar do Século XVIII, as forças militares desse primeiro Estado polaco, na verdade – neste estágio histórico – uma entidade multinacional (envolvia poloneses, lituano, rutenos e cossacos) foram decisivas para fazer refluir os turcos para além do Danúbio. Em 1683, a Batalha de Viena, onde as forças cristãs tiveram um de seus líderes na figura do rei polonês Jan Sobieski III, foi um marco crucial nesta longa guerra das forças cristãs contra os invasores islâmicos.

O reinado de Sobieski marcou o final de uma era de grande destaque político e econômico no concerto europeu. As grandes perdas de recursos humanos durante as guerras dos séculos XV, XVI e XVII, bem como a decadência política interna, levaram a Confederação a um grave declínio. Para complicar a situação, seus vizinhos mais fortes, Prússia e Rússia, completando um ciclo inverso, ganhavam poder, principalmente ao longo do século XVIII, quando, ao entrarem em acordo com o Império Habsburgo (centrado na Áustria), começaram a atuar pela divisão da enfraquecida Confederação multinacional centrada na Polônia.

Já em pleno século XVIII, em face de uma notória decadência política, o que incluiu uma Guerra Civil incapacitante, leva a que, a partir de 1772, ocorram três partilhas sucessivas (1772, 1793 e 1795) da Comunidade Polonesa-Lituana, por obra de seus vizinhos russos, prussianos e austríacos (imagem 4).As partilhas polonesas do século XVIII (1772-1795)

O final do século XVIII traz nuvens de caos e guerra sobre a Europa, na medida em que o terror revolucionário se abate sobre a França, levando uma anteriormente “Grande Potência”, calcada nos valores judaico-cristãos, implodisse ante uma louca “cruzada” contra o valores cristãos e tradicionais de sua população. Tal luta pela derrubada do chamado “Antigo Regime”, e seus ordenamentos jurídicos calcados nas antigas codificações romanas, expande a guerra sistêmica, capitaneada por Napoleão Bonaparte, por toda o continente, incluindo os territórios poloneses.

Com as Guerras Napoleônicas, e as sucessivas derrotas da Áustria, Prússia e Rússia antes os franceses, houve a efetiva presença dos Corps d’Armée[3] franceses nos territórios da antiga Confederação. Ante a oportunidade de enfraquecer seus oponentes, os franceses criaram, em 1807, o Ducado de Varsóvia, um Estado vassalo ao Império Francês, tendo sido estabelecido como forma de apaziguar o nacionalismo polonês e canalizar suas energias contra os inimigos da França Imperial.

Esta breve tentativa de forçar o renascimento do país, gestado por patriotas poloneses exilados na França e na própria Polônia, fracassou com a derrota francesa na Rússia, em 1812, onde Corpos de Exército poloneses, com cerca de 100.000 homens, reunidos e equipados, com imenso esforço nacional, sucumbiram ao famoso “Inverno russo”. Com esse grande fracasso, nos anos seguintes o Império Francês desmorona e a Polônia revivida foi novamente enterrada pela realidade geopolítica que emergiu do Congresso de Viena, em 1815.

A partir daí, por quase um século, a Polônia foi mantida vívida apenas na cultura de sua elite pensante – no exílio – e por seu povo que teimava em resistir ao jugo estrangeiro renovado pelos ditames de Viena. Não obstante, somente com o final da 1ª Guerra Mundial, e a consequente destruição das forças que a aniquilaram no século XVIII (em novembro de 1918, os Impérios da Prússia, Rússia e Áustria-Hungria foram desmantelados), que o país recobra sua independência.

Neste período destaca-se a figura de Josef Pilsudsky, político, estadista polonês, nascido em terras lituanas, que a exemplo de muitos de seus contemporâneos nacionalistas, arrisca tudo, no momento certo, em prol da materialização de um ideal de liberdade. No seu caso, Pilsudsky se baseou nas tradições históricas polonesas, com destaque para a chamada Idade de Ouro (Confederação Polaco-Lituana).

Seu papel como líder da libertação polonesa, começa no exterior, neste caso, na Alemanha, onde lhe é permitido fundar o núcleo de um futuro exército polonês visando o combate aos russos. Tal grupo, a União para a Ação Militar, fundada em 1908, trata-se da origem imediata do corpo de oficiais poloneses, e logo, das Forças Armadas polonesas atuais.

Em face de seus esforços, e com vazio de poder criado pelo Armistício de 1918, Pilsudky e seus correligionários estabelecem a República da Polônia, a partir de seu núcleo militar, em novembro deste mesmo ano. Tal renascimento polonês é confirmado no Tratado de Versalhes, assinado para dar fim à 1ª Guerra Mundial, no que tange à Alemanha.

Ao par de suas ações revolucionárias e políticas, Pilsudsky ainda arruma tempo para o desenvolvimento de um pensamento geopolítico próprio, buscando: a maximização das potencialidades e minimização das fraquezas de seu renascido país. Ele tinha convicção que a Polônia deveria ser, a exemplo da Comunidade Polaco-Lituana, que era seu modelo de Estado, uma pátria de nações, o que poderia resultar numa nova Confederação que reunisse poloneses, lituanos e ucranianos. Para entendermos a amplitude dessa disputa política, seu rival político, chamado Roman Dwowski, uma liderança social-democrata, tinha a proposta alternativa de limitar a soberania do país às populações polonesas e católicas, tão somente.

A centenária ocupação russa, longe de quebrar a identidade nacional polonesa, fez com o que o polonês médio, em geral, católico, empreendedor, amante da liberdade, visse com péssimos olhos a Revolução socialista que engolfou seus antigos senhores russos, instalando um regime soviético, de fundo totalitário e ateu. Tal regime, buscando “exportar a Revolução do Proletariado” esperava levar o “caos e a guerra” para a Europa Central, mais precisamente para a Alemanha, mas precisavam, para isso, reocupar a Polônia.Livro sobre o “Milagre do Vístula” em 1920

Na ânsia por se defender da agressão comunista, os poloneses lutam uma sangrenta guerra (1919-1921) com a agora União Soviética, que é derrotada fragorosamente ao tentar derrotar militarmente a jovem República polonesa. Neste ponto, destaco o chamado “Milagre do Vístula”[4], ocorrido em agosto de 1920, e que marcou a primeira derrota militar de vulto do Exército Vermelho em sua expansão revolucionária no rumo do Ocidente. Os esforços de Pilsudsky e seus militares, além de salvar, mais uma vez, a liberdade da Europa, garantem, ainda, ao par de um significativo ganho territorial polonês, às expensas da União Soviética, a independência dos Países Bálticos, incluindo a sua amada Lituânia.

Como complemento, haja vista sua importância atual é bom que se diga que a Geoideologia (ou seja, o dever ser geopolítico para a Polônia) pensada por Pisludsky demandava a realização de algumas propostas complementares, a saber, de modo sucinto: o Prometeísmo, que seria uma proposta de enfraquecimento ou desintegração da Rússia em suas nações constituintes para assegurar a paz na Europa. Essa teoria política tinha, ainda, a visão de que a Polônia teria um “Destino Manifesto” na Europa de Leste, pois seria o Estado-chave, por majoritariamente católico, para a ocidentalização do leste europeu, apesar de sua natureza eslava. Deriva daí a proposta da criação de uma Federação Intermarium, sonhada por Pilsudsky, que queria a aglutinação política dos Estados da Europa central e de leste, existentes entre os mares Báltico e Negro, de modo a conter “expansionismos” tanto de oeste quanto de leste.

Com a ascensão do Nacional-Socialismo, ou Nazismo, na Alemanha, a partir de 1933, a Polônia passa a dispor de dois inimigos mortais, totalitários e expansionistas, tanto a oeste quanto a leste. Em face dessa ameaça dupla, um cansado Pilsudsky tenta, até sua morte, em 1935, a manutenção de um acordo de não-agressão com os alemães, confiante num aparente ódio nazista ao Comunismo. Ao mesmo tempo, os poloneses buscam intensamente um arremedo de aliança militar, primeiro com seus vizinhos mais próximos (sem dúvida lembrando a proposta Intermarium de Pilsudsky), sem sucesso, e, posteriormente, com os chamados Aliados ocidentais (então França e Grã-Bretanha).
Última partilha polonesa (1939)

É bom que se lembre que os soviéticos, apesar da intensa narrativa criada pela mídia e por setores da intelectualidade, mundo à fora, nunca libertaram a Polônia do Nazismo. Na verdade, como fruto do Pacto Molotov-Ribbentrop, assinado entre a Alemanha nazista e a União Soviética, em agosto de 1939, eles a invadiram duas vezes: uma em acordo com os alemães de Hitler, no começo da 2ª Guerra Mundial, e a outra, em perseguição ao mesmos alemães, como desfecho da invasão germânica da própria União Soviética, em junho de 1941 (Operação Barbarossa).

A Polônia, em termos relativos, foi um dos países que mais sofreu com a guerra que lhe foi imposta a partir de 1939. Não bastasse suas cidades, campos e população terem sido devastados pelo morticínio do conflito, pois os poloneses eram particularmente odiados pelos nazistas, seu território ainda recebeu as principais plantas da morte daquele regime totalitário. Deste modo, antigas vilas pacatas, como Auschwitz-Birkenau, Maidanek, Sobibor, Treblinka, e outras, foram marcadas para sempre com o triste destino de milhões de judeus, ciganos, eslavos e outros grupos étnicos liquidados em massa pelas forças do Nacional-Socialismo alemão.

A ocupação soviética, na Polônia, após a expulsão dos alemães, como em toda resto da Europa Oriental foi chamada por Churchill, em 1946, de “Cortina de Ferro”. Tal cognome, não escolhido por acaso, quis deixar bem claro que a ocupação soviética não foi menos cruel que a dos nazistas. Talvez tenha sido até pior, pois mutilou a Polônia, novamente, sem uma nova partilha, e tentou aplastar sua identidade nacional.

Cena do filme “Katyn”, sobre o massacre da elite político-militar polonesa (1940)

Sobre isto, um fato pouco conhecido no Brasil, diz respeito aos Massacres de Katyn, um episódio icônico, trágico, mas que facilita a compreensão acerca de um dos porquês da forte aversão polonesa (até hoje) ao Comunismo, bem como pelos russos. É que estes, não satisfeitos com a perfídia do Pacto de 1939, decidiram, para garantir seu domínio sobre a Polônia no pós-guerra, aproveitar o fato consumado da dupla invasão que venceu os poloneses, e liquidar a nata da elite política e intelectual do país.

A partir dessa decisão da cúpula soviética (Politburo), que pretendia exterminar os principais focos de resistência da Polônia enquanto projeto de Estado soberano, estima-se que pelo menos 25.000 cidadãos poloneses, com destaque para militares, policiais, professores, cientistas, escritores e políticos, foram assassinados friamente pela polícia política soviética (NKVD), quase sempre com um tiro na nuca, na localidade de Katyn e em outros pontos do vasto território-prisão soviético.

A partir da derrota alemã, e a conseqüente ocupação soviética, foi recriado o Estado da Polônia, mas transformado convenientemente, assim que possível, numa República Socialista. Esta, por sua importância geopolítica, como chave da Europa Oriental, teve sua capital consagrada no nome da aliança militar dos países socialistas que garantiu a hegemonia russa sobre aquela região da Europa, e concentrou o desafio aos antigos aliados ocidentais. Aqui me refiro ao Pacto de Varsóvia, ativado em 1955.

Com a desintegração da União Soviética, em 1991, os poloneses, mais uma mais vez aproveitando um vazio de poder, reestabelecem sua República, no formato liberal, mas sem esquecer de, rapidamente, retomar sua cruzada, ao menos civilizacional, contra o poderio russo, cujas fronteiras, pela primeira vez, em séculos, não estavam contíguas às suas.

Caracterizada, em breves parágrafos, a geografia e a longa história da Polônia, acredito que ficará mais fácil ao nosso leitor entender as condicionantes geopolíticas que o país enfrenta atualmente, com destaque para as disputas internas acerca da melhor maneira de atender aos interesses nacionais do país.

Como deixamos evidente acima, a política externa polonesa, ao longo de sua história recente, vem se alternando entre duas propostas, ou opções: uma pragmática, ocidentalista, mais defensiva e outra imperialista, messiânica e mais agressiva.

A primeira, também conhecida como Opção Piast (nome da primeira dinastia real polonesa) propõe que a Polônia mantenha relações neutras, ou, no mínimo, amigáveis com a Rússia, de modo que ela sirva de contrapeso à Alemanha ou alguma outra potência ocidental em busca de hegemonia. Neste caso os eventuais conflitos com a potência germânica seriam dirimidos com uma política de apoio mútuo com os demais países da Europa central e de leste, à exceção da Rússia. Em resumo, visa a consolidação do país como uma Polônia restrita tão somente ao componente étnico polonês (e católico), confiando na segurança internacional e no multilateralismo.

Por outro lado, a visão expansionista, messiânica, saudosista do esplendor político obtido nos tempo de Jan Sobieski III, também conhecida por opção Jagiellonian (nome da dinastia real que imperou sobre a maior extensão territorial polonesa), dirige a política externa para o leste, tentando a recuperação de territórios que já pertenceram à antiga Confederação polaco-lituana.

Esta última opção, que depende, sem embargo, de um enfraquecimento, ou numa hipótese ainda melhor, de uma fragmentação da Rússia, prevê a possibilidade de uma reunião de antigos territórios poloneses, agora situados nas atuais Lituânia, Belarus e Ucrânia (retomando a máxima expansão territorial acima comentada). Sobre a correlação dessas teorias com a realidade, é bom que se lembre, que esta última visão, não por acaso, e de um modo peculiar, sendo um tanto revisionista, foi a defendida por poloneses como Pilsudski, o homem-forte da Polônia independente dos anos 1920 e 1930.

Não obstante, é licito notar que foi a política Piast, foi a que prevaleceu durante a maior parte do período que antecedeu a quarta, e mais recente partilha polonesa (1939). Esta veio a ocorrer justamente pela falta de coordenação entre os países da Europa Central ante o expansionismo de russos e alemães, ligados a ideologias socialistas, como forma de obter a hegemonia pretendida por eles.

Quanto ao expansionismo russo, a receita polonesa para seu combate, tem no chamado Prometeísmo, o seu cerne. Como vimos acima, trata-se da doutrina política que ficou ligada – na cultura popular do país – ao Marechal Pilsudky, e logo à corrente Jaegiellonian da política externa polonesa.

Outro componente marcante do Prometeísmo é seu caráter anti-russo, o que origina uma profunda precaução contra qualquer variante do Estado russo que venha a existir. Ela destaca os benefícios para o leste e centro da Europa do máximo enfraquecimento do poderio russo, de modo a garantir a não ocorrência do famoso “rolo compressor” novamente.

Agora, em termos práticos, a visão messiânica do Prometeísmo, se trazido para a atualidade, vai requerer que os poloneses liderem o esforço para liberar as populações do chamado “espaço ex-soviético” da ameaça à liberdade delas que insiste em vir do leste, como vem sendo visto em episódios na Criméia, ou na Ucrânia.

Ainda no que tange à realidade dos fatos, temos que a aparente derrocada russa, com o recente (em termos geopolíticos) recuo de suas fronteiras para uma configuração anterior àquela do século XVIII, pareceu o “fim da História” para a Polônia, na medida em que tal enfraquecimento russo coincidiu com a “expansão” da União Européia para cobrir tal vácuo de poder. Contudo, tal dinâmica, longe de garantir o efeito Jaegiellonian, mais parece, atualmente, reforçar a retomada do efeito Piast sobre a política exterior polonesa.

Não obstante, nesta última anos década, eventos simbólicos como o golpe de mão russo sobre a Criméia, ou a “crise” da invasão dos refugiadas islâmicos sobre a Europa tornaram possível algum retorno das visões de Pilsudsky ao centro das discussões na Polônia.

Tal reviravolta estratégica no curso dos acontecimentos foi coroado pela retomada, ou ao menos o recomeço, de uma forte presença militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), leia-se, norte-americana, na Europa. Tal presença, ainda longe do desdobramento militar do auge da Guerra Fria, é agora caracterizado por uma linha de contato com o “inimigo” que passa justamente pela fronteira polonesa com um país do chamado “espaço ex-soviético” (Belarus). Para norte e para sul, esta divisa se ramifica, pelas fronteiras dos Países Bálticos e da Ucrânia (até agora), com os russos.

Ao longo dessa “linha de contato”, chama atenção a situação do enclave de Kaliningrado (encravado entre Polônia e Lituânia). Esta antiga possessão alemã (originalmente uma fortificação dos antigos prússicos), quase aniquilada na 2ª Guerra Mundial, foi reconstruída, no pós-guerra, ao estilo soviético, e repovoada com russos étnicos, constituindo com alguns territórios limítrofes, um Oblast russo (em português, região administrativa).

A aspiração russa pelo controle dessa parte, anexada a partir da antiga Prússia Oriental, surge da importância estratégica e militar da área para projeção de poder da Rússia sobre a Europa Central e o Mar Báltico. Tal preocupação em guarnecer militarmente esse ponto estratégico, no auge da Guerra Fria, atendia ao objetivo soviético de controle sobre o referido Mar, fator complicador, ou impeditivo, para qualquer revisão territorial entre Alemanha e Polônia, além de se tratar de um de poucos portos que possibilitam operação contínua, o ano todo, em mãos da Rússia. Posteriormente, com o fim da União Soviética, e principalmente, com a “marcha para leste” da OTAN, e consequente incorporação dos Países Bálticos, a importância do enclave se intensificou ainda mais.

Em face do Oblast Kaliningrado, em caso de guerra, mais uma vez a situação estratégica polonesa seria tão, ou mais crítica, do que aquela do fim de verão de 1939. As Forças Militares da OTAN, em presença na atual linha de contato, meramente simbólicas, provavelmente seriam vencidas rapidamente pelos russos, estima-se, em 02 ou 03 dias de ofensiva. Tal ação, seria empreendida pelos russos para tentar causar um “fait accompli” similar ao da Ucrânia, porém, dependendo do sucesso desta ação, ou simultaneamente, outros ataques russos ocorreriam à Polônia, a partir de Belarus.

Segundo diversos estudos consultados recentemente, a maior ameaça russa, proveniente de Kaliningrado, seriam as diversas baterias já operacionais dos sistemas de mísseis balísticos Iskander M, além de diversos outros tipos de mísseis (navais ou terrestres) lá ativados. Este copioso poder de fogo, aliado à inferioridade de meios militares polonesa tornaria muita limitada a capacidade defensiva polonesa, caso não conte com ajuda militar externa.O Corredor de Suwalki: importante setor para a defesa dos Países Bálticos.

Para a OTAN, num futuro hipotético, caso se decida por um esforço para salvar os Países Bálticos e a Polônia de uma invasão prevista para ser, tão repentina, quanto violenta, certamente será de grande importância estratégica a manutenção da chamado Brecha ou Corredor de Suwałki. Tal setor é um trecho da fronteira polonesa com a Lituânia, com cerca de 70 quilômetros de largura, que também está situada entre Belarus (antiga Bielo-Rússia) e o Oblast russo de Kaliningrado. É um dos mais importantes setores dentro das fronteiras da OTAN, sendo a ligação terrestre da OTAN entre o litoral do Báltico ao norte e a planície européia ao sul, contendo apenas duas rodovias e uma linha ferroviária.

Se as forças russas ameaçassem a livre circulação de pessoal e equipamentos da OTAN através dele, a defesa dos Estados Bálticos seria muito difícil e a credibilidade da OTAN como garantidora da segurança desses países poderia ser seriamente comprometida. Este corredor, em se materializando esse caso hipotético, por seu elevado valor estratégico, tem potencial de atrair os combates mais intensos, de modo muito similar àqueles projetados para a famosa Brecha de Fulda, na Alemanha Ocidental, dos tempos da Guerra Fria.

Portanto, do ponto de vista geopolítico, a presença russa no enclave de Kaliningrado enfraquece a situação estratégica da Polônia, tornando muito provável que, os poloneses, apesar de possuidores de forte identidade nacional, reforçada por uma tradição de séculos de resistência a seus vizinhos invasores, apresente uma baixa capacidade de resistência a um decidido ataque proveniente da Rússia.

Ainda no que tange a sua situação geoestratégica, o território polonês está situado, em sua maior parte, em vasta planície, sem defesas naturais de monta, o que facilitou inúmeras invasões estrangeiras, ao longo dos séculos. Logo, em termos militares, no caso de guerra aberta, as Forças Armadas polonesas, sabedoras de suas limitações numéricas e qualitativas, e como o país é membro da OTAN, vão tentar, ao máximo, evitar a sua aniquilação, tentando a criação de uma linha de defesa junto aos montes Sudetos ou Cárpatos, mais a sul, até receberem ajuda ocidental (o que pode demorar dias, semanas, meses, ou simplesmente não ocorrer, como no caso da última guerra mundial).

Em conversas com amigos que passaram recentemente pela Polônia, foi relatado o orgulho nacional que sentem os seus cidadãos, sempre destacando um certo paradoxo dessa identidade polonesa: são patriotas ao extremo, orgulhosos do seu passado, lutas e realizações presentes, mas bastante céticos quanto a preservação de sua liberdade, caso sejam, como em 1939, abandonados à própria sorte pelas potências ocidentais. O sentimento patriótico, ensinado por pais e mestres, desde a infância, é um diferencial que permite que as gerações atuais exijam dos governos recentes, desde a libertação do pais do Totalitarismo soviético, a preservação desse legado cultural.

Em nome de tal preservação cultural, a Polônia, juntamente com outros países da Europa Central (Hungria, República Tcheca, Eslováquia), e à revelia do desejo da chamada União Européia, evita permitir o acesso das levas de imigrantes muçulmanos que atingiram, e impactaram, a cultura da maioria dos países da Europa. Como resultado de tal resistência aos apelos autoritários de Bruxelas, o Governo de Varsóvia alega razões de interesse nacional, sem dúvida, escorados na profunda devoção do polonês médio por valores como: catolicismo, liberdades civis e econômicas, culto às tradições, entre outros.Conservadores comemorando a independência do país, em marcha convocada por partidos soberanistas (2017)

Todos os seus cidadãos trabalham pela pujança da Polônia moderna, cujo potencial é destacado por diversos analistas de renome, mas sabem que, espremidos entre o gigante russo e o incerto futuro da União Européia, devem sempre estar preparados para uma nova etapa de reconstrução de sua Pátria.

Como é notório em muitas estudos realizadas recentemente, à luz da sua conturbada história, o maior desafio desse bastião ocidental na Europa de Leste será, portanto: evitar uma nova partilha. À luz dessa mesma história, se tomarmos como válidos os pressupostos de Toynbee sobre a resposta das grandes nações aos desafios impostos pela cena internacional, a Polônia já deu mostras que tem tudo para prevalecer, apesar do desequilíbrio de suas forças em relação a seus rivais geopolíticos.

[1] Vanguarda do Cristianismo

[2] Sobre isso, há relatos de que Von Hindenburg, general alemão responsável pela vitória, ter escolhido precisamente este nome para a batalha para justamente compensar tal derrota do século XV.

[3] Organização militar aperfeiçoada por Napoleão que consistia no chamado Corpo de Exército. Este, tratava-se da reunião de várias divisões de infantaria que eram apoiadas mutuamente por forças de Cavalaria e Artilharia, sem dependência de grandes depósitos de suprimento, o que “revolucionou” a guerra da época.

[4] Trata-se do apelido dado pelos poloneses à Batalha de Varsóvia, no âmbito da Guerra Russo-Polonesa (1919-1920), travada entre 15 a 27 de agosto de 1920, quando as forças militares polonesas conseguem se reagrupar e, lideradas pelo Marechal Pilsudsky, contra-atacar decisivamente os soviéticos que recuaram em desordem de volta para seus territórios originais.

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