UMA LUTA PELA HISTÓRIA, A MEMÓRIA E A JUSTIÇA




Imagem: Fernando Frazão | ABr

Luís Felipe Machado de Genaro*, Pragmatismo Político


Estamos diante de um momento sem precedentes em nossa História – momento este caracterizado, principalmente, pela negação dela. Nega-se a História, a memória e a justiça. Por fim, nega-se a verdade.


O momento é de achismos e opiniões torpes, sem contato com realidades passada e presente. Estudiosos afirmam estarmos vivendo o período tenebroso da “pós-verdade”, onde certezas e narrativas até então sustentadas em fatos e evidências pelo tempo – constructo de nosso presente! – foram ignoradas. Esbanja-se irracionalidade. Em palavras mais duras: vivemos uma ode à burrice.

Em artigo recente para o Le Monde Diplomatique Brasil, um professor da rede municipal da cidade de Itaboraí, Giam Miceli, nos relata a sua experiência neste Brasil da pós-verdade e do anti-intelectualismo em sua própria sala de aula, espaço onde o debate de ideias parece cada vez mais distante.

Nestes últimos anos, a imagem do professor foi invertida: “Por que os professores passaram a ser vistos como ameaças, se antes eram vistos como figuras bondosas e caridosas?”

O educador argumenta: “o olhar, agora, é de desconfiança. Saímos de um patamar apoiado na benevolência que partia dos professores – afinal, o magistério nunca foi visto como emprego, mas sim como uma espécie de exercício de bondade que era convertido em alguns trocados – para um patamar no qual predomina a desconfiança e a raiva contida”.

Qual a razão para os olhares desconfiados? Que tipos de ameaça nos tornaram? Quando nos amparamos nos fatos recentes tudo fica mais claro. Bom exemplo é a inquietação das Forças Armadas perante o fomento do Presidente da República em “comemorar”, nos próximos dias, o golpe civil-militar de 1964 e a ditadura autoritária e censora que a precedeu.

Além da sabida desumanidade de Jair Bolsonaro, a sua ignorância (proposital) diante daquela conjuntura histórica é assustadora.

A negação da História é a arma mais calibrada do presidente e de seus seguidores. Leem-se os acontecimentos históricos com despreocupação, de forma enviesada e omissa perante a memória de seu povo. Busca-se o silenciamento de vozes contrárias – vide o macabro projeto Escola Sem Partido, tão caro aos bolsonaristas. “Em pouquíssimo tempo, a sociedade deixou de nos ver como miseráveis, passando a nos ver como pessoas poderosíssimas, capazes de doutrinar e influenciar crianças”, conclui Giam Miceli.

Professores de História, mas não apenas, ancorados na pesquisa e no estudo sério de seu país, sabem a razão para tamanho barbarismo: a História do Brasil foi escrita com o sangue e o suor de índios, negros, operários, camponeses e ativistas. Nas palavras de Darcy Ribeiro, sempre fomos “uma máquina de moer gente” – pobre e trabalhadora.


Mostrar aos alunos as veias abertas de seu país é um trabalho premente.


É quando surge a figura do professor “doutrinador e perigoso”. O filósofo Vladimir Safatle, em artigo para Folha, ainda em 2018, ironizou: “O verdadeiro responsável pela crise nacional é o professor de História. Contra ele, há de se investir as forças sagradas da redenção espiritual dos trópicos”.

Para Bolsonaro, ministro Rodriguez et caterva, somos inimigos. Contra nós iniciou-se uma cruzada sem vistas no correr do tempo.

E que tempos difíceis são esses… Tempos sombrios. Tempos de guerra. Cabe ao professor munir-se do conhecimento mais refinado e entrar nesta árdua batalha. Uma batalha pela História, a memória, a justiça e a verdade. Por direitos, pela igualdade e pela democracia!

Finalmente, relembro Walter Benjamin: O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.


*Luís Felipe Machado de Genaro é historiador, mestre em história pela UFPR e professor da rede municipal de Itararé

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