Ele estava passando pela calçada com a sua bengala, a caminho de uma consulta odontológica. O susto veio em forma de mordida, de um cão de rua que atacou a sua perna. Sorte é que a calça era bem larga e o cachorro só agarrou o tecido. Mas rasgou a calça do bolso traseiro até a panturrilha. Isso aconteceu com o aposentado Luiz Cesar Prodócimo, em pleno Centro de Curitiba. Já a corretora de imóveis Sara Nascimento de Paula, 57 anos, não levou tanta sorte. Ela também foi atacada por um cão de rua, em Pinhais. Porém o animal rasgou o dedo da corretora e ela precisou tomar diversas vacinas e remédios.
Luiz é deficiente visual. Enxerga estritamente a sua frente, mas não tem a visão periférica. Por isto, usa a bengala para se orientar. No dia 24 de novembro pela manhã, ele seguia pela calçada da Rua Desembargador Westphalen, a caminho da Praça Rui Barbosa, quando um cão de morador de rua o atacou. “Eu acho que ele não gostou do barulho da minha bengala batendo no chão. Num gesto de defesa, me mordeu”, disse o aposentado.
Deficiente visual foi atacado por cães de rua no Centro de Curitiba. Sorte que o bicho segurou só a roupa. Já uma corretora de imóveis foi atacada em Pinhais e precisou de tratamento. Foto: Marco Charneski/Tribuna do Paraná.
Apesar do susto, Luiz não quis dar queixa à prefeitura na hora. “Fazia meses que eu estava esperando aquela consulta. Se eu ficasse ali telefonando à Central 156, eu ia perder o ônibus. Mas no caminho todo e na clínica tive que ficar me explicando porque eu estava todo rasgado”, lamentou Luiz, que postou um vídeo no YouTube contando o acontecido e cobrando do prefeito Rafael Greca uma calça nova.
“Pensa se é uma mãe andando com uma criança no carrinho. O cão se assusta com o barulho do carrinho e ataca. Mata a criança. A prefeitura diz que cães ferozes têm que usar focinheira na rua. Mas esses moradores de rua não têm dinheiro nem pra comprar uma coxinha. Quanto menos uma focinheira. A prefeitura tem que tomar uma providência em relação a estes cães”, lamenta o deficiente visual.
Amor mal compreendido
Sara mora em Curitiba. Mas há três semanas, estava em Pinhais para mostrar um imóvel a um cliente. Após isto, observou um cão de rua circulando por um terreno baldio, atrás de um ponto de ônibus. Como gosta muito de cães e tenta ajuda-los, na medida do possível, aproximou-se. Já tinha notado que era bravo, mas com jeito, conseguiu agradá- -lo. “Só que inesperadamente reagiu e me atacou. Segurou meu dedão com força, rasgou a pele”, diz a corretora, que já tirou os pontos, mas ainda sente muita dor na mão.
Sara já sabia qual era a coisa certa a fazer: tentar descobrir quem era o dono, para saber a procedência do animal. Descobriu que não era de ninguém. Uma mulher que nunca ninguém viu antes na rua chegou de carro, abriu a porta, despejou o animal e foi embora. Com dó, a vizinhança passou a alimentar e dar água para o animal, que fica perambulando por ali.
No dia seguinte, Sara ligou para a prefeitura de Pinhais para informar do ataque e pedir que a prefeitura tomasse uma providência, pois depois do ocorrido, soube que o animal já tinha atacado várias pessoas por ali. Mas depois de falar com dois setores, percebeu que era um jogo de “empurra” e não insistiu mais no pedido de providência.
O que dizem as prefeituras sobre ataques de cães?
“A mordida de um cidadão por um cão de rua é considerado um caso fortuito, uma vez que o município toma medidas necessárias para combate ao abandono com campanhas de castração e avaliações clínicas gratuitas, além da adoção destes animais. São promovidas, ainda, ações educativas para a guarda-responsável. A Rede de Proteção Animal da Prefeitura de Curitiba atua também, em conjunto com a Fundação de Ação Social (FAS), no atendimento e acolhimento à população em situação de rua, acompanhada dos seus animais. As ações garantem avaliações básicas de saúde para os cães. Em caso de mordida, a indicação da Secretaria Municipal da Saúde é procurar uma unidade de saúde ou UPA. Lá, o paciente é avaliado e recebe tratamento de acordo com o seu caso, seguindo o protocolo do Ministério da Saúde.”, diz a prefeitura de Curitiba, sobre o caso de Luiz Cesar.
Já a prefeitura de Pinhais diz que quem tiver problemas com ataques de cães de rua, em Pinhais, pode informar o Centro de Vigilância em Zoonoses pelo telefone 3912-5396. Já quem tiver denúncias de maus tratos, abandono, solicitações de castração gratuitas ou adoções pode ligar para a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Pinhais no telefone 3912-5705.
Foi mordido? Monitore o cão!
Comportamento do animal nos 10 dias seguintes vai determinar qual é o tipo de tratamento a pessoa mordida vai receber. foto: Marco Charneski/Tribuna do Paraná.
Muita gente não sabe, mas depois que uma pessoa leva uma mordida de um cão, principalmente se ele for de rua, é preciso monitorar o animal pelos 10 dias subsequentes. Isso vai influenciar no tipo de tratamento médico que a pessoa deve receber: apenas um curativo ou se precisará de vacinas e um soro forte, cheio de efeitos colaterais.
A médica veterinária Rita de Cássia Maria Garcia, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que a primeira medida é lavar o local com bastante água e sabão. Depois, não perder o cão de vista. Identifique, tente achar o dono e, se for um cão comunitário ou de rua, peça ajuda da vizinhança para monitorá-lo. Se o animal mudar de comportamento, sumir do local onde costuma frequentar ou morrer neste período, é sinal de que ele tinha raiva (ou alguma outra doença neurológica) e o humano mordido corre o risco de morrer pela mesma doença. Os sintomas a serem observados no animal são babar, ficar nervoso, não conseguir enxergar ou andar, ou andar como bêbado, mudar muito o comportamento, ou mesmo morrer no decorrer destes 10 dias. Os sintomas da raiva só se manifestam num cão geralmente depois que ele morde alguém.
Se o animal tem um dono e foi devidamente vacinado, o tratamento é restrito ao ferimento (antibióticos, anti- -inflamatórios, analgésicos e cicatrizantes). Já no caso de não ser possível conhecer o histórico de saúde do cão, a pessoa mordida precisa adicionar as vacinas antirrábica e antitetânica ao tratamento. E se o animal mudar o comportamento, sumir ou morrer, a pessoa ferida precisará tomar, além das vacinas, o soro. Mas a professora acalma a população, mostrando que a raiva é uma doença que está controlada entre os cães, no Estado do Paraná.
Políticas públicas
Cerca de 40 mil cães e gatos nascem nas ruas de Curitiba todos os anos, sem contar a região metropolitana. A castração em massa seria a solução para acabar com esta superpopulação. Mas a prefeitura não dá conta do recado. O máximo que tem feito por ano, com a equipe e a verba que tem disponível, são 15 mil castrações anuais. Sem contar a fiscalização contra o abandono, os maus tratos e outras situações envolvendo animais. A capital tem apenas dois fiscais para verificar as quase 50 chamadas que recebe por dia. O levantamento é do protetor animal Paulo Colnaghi, da Frente das Organizações de Proteção Animal do Paraná.
Mas o grande problema dos cães e gatos de rua, mostra Paulo, não são os animais. “Não adianta termos as melhores políticas públicas se a população não tem a educação necessária para lidar com isto. As pessoas precisam praticar a guarda responsável. Precisam manter os bichinhos adequadamente abrigados em casa, bem alimentados, vacinados”, ensina Paulo, mostrando que o não cumprimento da regra, que é uma lei municipal, pode render notificação e multa ao proprietário do animal. “A pessoa tem o direito de recorrer ou pode não pagar a multa. Mas na hora que ela for vender o imóvel, por exemplo, ela terá que regularizar para prosseguir com o negócio”, explica Paulo.
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