POR QUE MUITAS MULHERES VÃO AO BANHEIRO JUNTAS?


As mulheres vão ao banheiro juntas. Não importa que nem todas as mulheres do mundo vão ao banheiro juntas. 

O fato é que esse comportamento já foi visto vezes o suficiente para que possamos falar que ele é um fenômeno comportamental. O que realmente importa aqui é o mistério que gira em torno do assunto, que começou chamar a atenção dos homens nos últimos anos. O que realmente me intriga é esse comportamento ser visto como um mistério inexplicável, ou pior: como uma futilidade, uma atitude das mulheres que revelaria a sua imaturidade, justificando a sua tutelagem pelos homens.

Tão surpreendente quanto esse fenômeno é o simples fato de que, no passado, as mulheres foram retiradas da vida pública. Essa afirmação é muito pouco conhecida no mundo atual. A maioria das pessoas nunca parou para pensar no fato de que, até há pouco tempo, os homens saim e as mulheres ficavam em casa. Todos já ouvimos essa frase e já vimos isso acontecer. 

Famílias onde há filhos e filhas deixando ou até mandando os filhos saírem pra se distrair à noite e proibindo ou orientando as filhas a ficarem quietas em casa. Ainda hoje em dia existe. Ainda hoje as mulheres que saem à rua para passear à noite estão sujeitas a ouvir de homens que elas são “mentirosas” (fato real) porque se elas tivessem mesmo um noivo não estariam na rua, estariam em casa.

Mas agora, as mulheres saem. No mundo ocidental, elas vão para a escola, para a casa das colegas de turma, para festas, para clubes, trabalho, cinema, biblioteca, praia, ou viajam sem a necessidade de um acompanhante do sexo masculino. Mas se repararmos bem, elas preferem ir juntas de outras mulheres e é isso que têm intrigado tanto os homens nos últimos anos desde que elas começaram a reaparecer em público, após todo aquele período em que estavam proibidas de sair de casa.

Por que elas preferem ir juntas? Por que essa necessidade de ter ao menos uma outra mulher fazendo a mesma atividade com a gente? As especulações são muitas mas a profundidade dessas especulações é extremamente rasa. Muitos acreditam que é “para ter companhia”. Nada de errado com isso. Mas aí vemos questionamentos do tipo “essa mulher é muito insegura, não sabe fazer nada sozinha”, ou “ela é muito dependente dos outros, não consegue apreciar a própria companhia”. Outras alegam que é “para me incentivar a ir”, ou que é “chato, entediante ir sozinha”, ou “para ter alguém com quem conversar”.

Todas essas alegações acabam, invariavelmente, no questionamento da real utilidade de se ter alguém ao lado para fazer coisas simples da vida como assistir a um filme, e muitas mulheres são levadas a crer que elas estão erradas ao querer a companhia de alguém nessas horas.

Mas ninguém questionou ainda a real necessidade que as mulheres têm de sair juntas à noite, ou para viajar, ou para a praia. Por que as mulheres às vezes preferem ficar em casa se não têm companhia para sair, como a maioria dos homens fazem (ou pior, como a maioria dos homens é ensinada a fazer). E aqui está o real motivo: é para se proteger dos homens. Simples assim.

O controle do corpo feminino não a pertence ainda. Não completamente como os homens são orientados a ter. Não podemos generalizar nunca, mas obviamente sabemos que os homens são criados com maior liberdade sexual do que as mulheres.

 O exemplo mais perfeito que conheço é sabermos que, embora os homens que cometem crimes temem pela sua integridade física quando forem finalmente mandados para a prisão, onde abuso sexual é praticamente obrigatório, as mulheres não precisam ter cometido crimes para terem esse mesmo medo todos os dias, todas horas, em todos os momentos e situações da vida em que elas precisam sair de casa – isso se elas tiveram a sorte de não ter esse medo também dentro da própria casa.

Já morei em três países diferentes – Brasil, Portugal e Reino Unido – e foi somente no último é que pude perceber o quão perigoso é para a integridade física da mulher sair de casa. As coisas ficaram mais claras. Na verdade, elas foram explicadas para mim. Na noite britânica, as mulheres andam juntas. Formam grupos mistos nas boates de tempos em tempos.

 E quando uma vai ao banheiro, um pequeno grupo vai junto, enquanto o resto fica no salão principal. Elas vão juntas, e todas esperam as outras acabarem tudo. Não vão saindo uma à uma. Todas voltam juntas também. No Brasil também é assim. Mas aqui no Reino Unido as mulheres sabem porque andam juntas, e foram elas que me disseram que era para a sua própria proteção.

O assunto é altamente explorado pelos comediantes britânicos. O país possui um grande mercado para as festas de despedidas de solteiro. Há descontos e pacotes em restaurantes, boates, agências de viagens, e estou sempre ouvindo dos comediantes fazerem piadas sobre as diferenças das despedidas de homens e de mulheres. 

Nas dos homens, invariavelmente, eles inicialmente se juntam, tomam um porre e acabam sempre com um filmando o mico dos outros, alguém caído no chão do banheiro, ou perdendo as calças, ou dormindo debaixo do sol sem protetor solar, e é cada um por si. Enquanto isso, as mulheres cuidam umas das outras durante toda a comemoração. Se tem uma vomitando no banheiro, vão várias ajudar. Precaução boba? Nem tanto.

Quando cheguei ao país, em 2006, havia um apelo do governo pedindo às mulheres que usassem calcinhas quando saíssem à noite. O motivo, explicava o apelo impresso num jornal em Edimburgo, era para dificultar a ação de estupradores, já que as mulheres beberiam, desmaiariam num banco de praça com as pernas abertas e aquilo era um convite ao abuso (casos reais, segundo o artigo).

Recentemente, uma estudante de medicina indiana e seu amigo foram forçados a entrar num ônibus, onde ela foi estuprada por seis homens além de ser empalada com objetos. Seu amigo apanhou para não defendê-la e foi jogado pra fora do ônibus. Mais tarde ela também foi jogada na rua.

 Foi resgatada mas faleceu dos ferimentos internos provocados pelo empalamento. Talvez, apenas talvez, num mundo alternativo, se fosse um grupo maior de mulheres, talvez quatro ou seis meninas juntas ou mais, esses seis homens não teriam parado o ônibus para botar todas para dentro e estuprar. Seria muito difícil controlar um número tão grande de pessoas. Não é a toa que o amigo foi logo imobilizado.

A ameaça é tão real que estão cada vez mais surgindo grupos de mulheres que têm como objetivo promover a união entre elas. Já vi páginas no Facebook chamadas “Empodere duas mulheres“, ou a “Vamos juntas” (cujo objetivo é realmente dizer para as mulheres para andarem juntas para a sua própria proteção, ou denunciar violência contra outra mulher, ou ajudar uma mulher que possa estar precisando). Não é à toa que mulheres vão ao banheiro juntas. 

As mulheres vão ao banheiro juntas porque finalmente conseguiram se libertar o suficiente do jugo machista para se unirem em grupos primitivos. Porque é muito fácil, ou bem mais fácil, dominar um grupo que está competindo entre si.

Andreia Nobre, BrasilPost

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