OS CHIFRUDINHOS



Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Como fora o mais afetado etilicamente quem a avistou, os demais deram de ombros, num primeiro momento.

-Chega de bebida por hoje – decretou um.

-Depois dessa, é melhor mesmo parar – concordou o outro.

-Mas olhem lá, é ela. Reparem bem.

Os demais, atendendo as súplicas do bêbado, deram-lhe uma chance.

Olharam-na com mais atenção e constataram, era mesmo ela. Um pouco envelhecida, depois de mais de trinta anos, mas ainda contava com os olhos de Capitu. E também guardava seu ar dissimulado, assim como seu corpo atraente e tentador. Foram ao seu encontro.

-O que a senhora faz por aqui? Ou melhor, antes disso, é mesmo a senhora? É quem estamos pensando?

Ela deu um daqueles sorrisos intimidatórios e hipnotizantes.

-Sim, sou eu mesma.

-Mas o que faz aqui? Depois de tanto tempo?

-Mais de três décadas, não é mesmo? – ela respondeu.

-E como continuas com a mesma forma? Sempre com seu ar de mulher-amante? Sempre tão bonita e tentadora.

-Sou – disse ela com uma rouca e aveludada voz – como vocês me enxergam.

Realmente ela pouco tinha mudado. Excetuando algumas rugas de expressão, resultado de alguns dissabores dos últimos tempos, ela continuava, pelo menos aos olhos daqueles amigos, muito linda. A mais linda do bar, apesar da idade.

-Mas então – questionou um – por que voltou?

-Me chamaram – ela respondeu antes de elegantemente tomar um gole de seu Jack Daniel’s.

-Então tem um encontro. Estamos atrapalhando?

-De forma alguma. Não confirmei presença. Atendi a alguns apelos e vim ver como estavam as coisas, mas pura curiosidade. Se importam que eu fume?

-Não largastes, ainda, o vício? – perguntou outro retoricamente.

-Infelizmente não. Marlboro e Daniel’s.

-Aposto que outros vícios tu ainda os tem também – disse baixinho e sarcasticamente o mais bêbado.

Os outros pareceram não entender bem o que estava acontecendo. Mas ela não se intimidou:

-Estou no celibato desde que fui embora. Mas quando batia, era porque mereciam. Queriam, até. Aposto que gostavam – e riu satisfeita.

-Pervertida – brincou um, finalmente entendendo do que se tratava o assunto.

Um outro, mais ousado, quis saber:

-Se a senhora voltar, vai tornar a bater?

-Tu gostas, é?- ela perguntou irônica.

-Gostaria de assistir. Sou um sádico voyeur.

-Não estão se acertando com a outra?

-Ela não é perfeita. Muito submissa. Cada qual lhe diz algo e ela obedece servilmente.

-Então querem alguém que lhes ponha na linha? – perguntou uma voz sempre sedutora.

-Precisamos. Nós somos exceções, mas a maioria não sabe andar com as próprias pernas. A senhora seria a melhor coisa a nos acontecer.

-Por isso mesmo que vim – ela disse.

-Vais voltar definitivamente?

-Não sei. Vim ver quantos estão com saudades de mim – disse com um olhar penetrante.

-Muitos, muitos!

-A outra é uma vagabunda!,- disse um, entusiasmado.

-Eu não sou nenhum exemplo de pudicícia – ela retrucou.

Eles se entreolharam um pouco abismados. Como se não acreditara, um retrucou:

-Deixa de ser modesta. Parece até que está entrando na onda da outra.

-Vocês têm mesmo a síndrome do marido chifrudo. São os últimos a saber.

Quando sabem. Ou ainda pior, muitas vezes fingem que é mentira. Mas, é como dizem, os corneados são os mais apaixonados. Por essas e outras que estou por aqui. Saudades dos meus chifrudinhos.

Como se não tivessem sido ofendidos, eles deram um viva! . Um propôs um brinde, que foi acatado pelos demais. Ela, envaidecida e soberba, com ar de vitória, elevou seu copo também.

Depois disso, ela se despediu. Foi difícil conter as insistências pra que ficasse um pouco mais. Argumentou que tinha mais amigos para visitar. E os ganhou com a tese:

-Quanto mais amigos eu ver, mais chances tenho de voltar definitivamente.

Concordando com a ideia, eles a liberaram e abanaram faceiros.

Quando estava na porta do bar, ela, a Ditadura, olhou pra trás, deu um sorriso satisfeita e retribuiu aos acenos e ainda gritou:

-Até logo meus chifrudinhos.

E eles acenaram num êxtase.

*Delmar Bertuol é escritor, membro da Academia Montenegrina de Letras, graduando em história e colaborou para Pragmatismo Político

Postar um comentário

0 Comentários