MP-PR alerta para “efeito dominó” da medida, que volta à discussão na Câmara Federal

MAIORIDADE PENAL

Com o fim do recesso parlamentar, a proposta de redução da maioridade penal está prevista para ser analisada em segundo turno, nos próximos dias, pela Câmara Federal. 

Diante da gravidade do tema, o Ministério Público do Paraná alerta para o “efeito dominó” que a medida produziria e destaca que, além de abrir a possibilidade para que jovens de 16 e 17 anos tenham livre acesso ao consumo de bebidas alcoólicas e à condução de veículos (estima-se o surgimento de 7 milhões de novos motoristas), pode fazer com que violações de direitos juvenis deixem de ser crimes (como a corrupção de menores, o tráfico internacional de pessoas e a exploração sexual), em prejuízo não apenas desta e das futuras gerações de adolescentes, mas da própria coletividade.

O MP-PR, cumprindo seu dever constitucional de defesa da ordem jurídica, já se posicionou absolutamente contrário à proposta de redução da idade penal (acesse a íntegra da matéria), manifestando, inclusive, grande preocupação com a proposta de “redução seletiva”, encaminhada para votação na Câmara.

Tendo em vista a proximidade da votação em segundo turno, o MP-PR ressalta mais uma vez o retrocesso que a medida implicaria e destaca os efeitos, ainda que não automáticos, da redução da idade penal. Nesse sentido, um dos reflexos seria a possibilidade de jovens de 16 e 17 anos passarem a obter habilitação para dirigir veículos, já que o Código Brasileiro de Trânsito estabelece como um dos requisitos dessa permissão a pessoa ser penalmente imputável.

De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Detrans (AND), Marcos Traad, diretor-geral do Detran Paraná, a mudança, caso aconteça, exigirá que todo o processo de formação de condutores seja repensado. “Mais do que os aspectos operacionais, com o aumento da procura pelos serviços dos Detrans, teríamos que rever a formação desses futuros motoristas. A maturidade, a linguagem, tudo muda”, diz.

Outra consequência seria o surgimento de cerca de 7 milhões de motoristas com 16 e 17 anos de idade, ainda em 2015, conforme dados da AND. O país somaria 67 milhões de condutores, 11% a mais que a quantidade atual. 

“Com isso, seriam necessárias mudanças nas campanhas educativas e de comportamento nas vias, além do aumento da fiscalização e do esforço conjunto para combater o aumento de mortes de adolescentes por acidente de trânsito. Teríamos um perfil novo de condutores e seríamos obrigados a pensar em uma forma específica de capacitação desse público”, reforça o presidente da associação.

Traad destaca, ainda, que em 2014, segundo estatísticas do Seguro DPVAT, os jovens foram maioria entre as 763 mil vítimas de acidentes de trânsito no país, sendo que 24% dos mortos tinham entre 18 e 24 anos e 28%, entre 25 e 34 anos. Ele destaca que essas ocorrências apresentam como causas principais o excesso de velocidade, a imprudência na direção e o consumo de álcool. “Será que jovens de 16 e 17 anos têm consciência dos riscos ou a maturidade necessária para evitar este tipo de conduta?”, questiona.

Internet

A redução da maioridade penal também pode trazer reflexos para a esfera virtual, conforme alerta a advogada paulista Patrícia Peck, especialista em Direito Digital. Para ela, se a proposta for aprovada, surgirá a interpretação de que, se o jovem pode ser penalizado aos 16 anos, também terá direito ao acesso irrestrito a conteúdos na internet.

A partir desse entendimento, segundo a especialista, fica liberado o acesso a qualquer conteúdo direcionado exclusivamente a adultos, como pornografia, sexo explícito, violência e cenas envolvendo uso ou tráfico de drogas ilícitas, além do acesso a páginas de relacionamentos e jogos de azar. “O jovem vai entender que, a partir dos 16 anos, pode fazer tudo. É o efeito dominó da medida que, apesar de ser destinada à esfera criminal, vai gerar consequências também na área cível”, garante.

Abandono escolar

Na esfera trabalhista, os efeitos da medida seriam diretos, segundo a procuradora Cristiane Sbalqueiro Lopes, do Ministério Público do Trabalho no Paraná. Ela destaca que adolescentes de 16 e 17 anos seriam influenciados a abandonar a escola para entrar no mercado de trabalho em atividades que hoje são vedadas a eles.

De acordo com a procuradora do Trabalho, é uma ilusão o pensamento de que o jovem vai conseguir trabalhar o dia inteiro – muitas vezes em ambiente penoso, insalubre, perigoso, noturno ou cumprindo hora extra – e ainda estudar. “É por isso que o adolescente é proibido de trabalhar nessas condições”, ressalta. “Ele é um ser em formação, que precisa ter acesso garantido à educação escolar. A redução da maioridade penal é um retrocesso social”, afirma.

Cristiane também demonstra preocupação com as discussões em torno da redução da maioridade trabalhista de 16 para 14 anos, que, segundo a promotora, “faz parte do mesmo movimento da proposta de redução da maioridade penal”. 

Ela se refere à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2011, que pode entrar na pauta de votações da Câmara Federal e objetiva autorizar o trabalho sob o regime de tempo parcial a partir dos 14 anos de idade. “As duas propostas representam sérias ameaças à formação do adolescente e o efeito conjunto delas pode ser muito mais forte do que imaginamos”, conclui

Desproteção – Para o procurador de Justiça Murillo José Digiácomo, coordenador do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente do Paraná, os reflexos da redução da maioridade penal surgiriam por meio da alteração progressiva de normas de cunho protetivo – como as relativas à venda ou fornecimento de bebidas alcoólicas, à exploração sexual e ao trabalho infanto-juvenil –, que poderiam deixar de ser aplicadas a adolescentes de 16 e 17 anos. Murillo afirma que essa "desproteção" teria como consequência a exposição cada vez maior desses jovens aos fatores que levam à prática de crimes.


O procurador de Justiça afirma ainda que os adolescentes estariam expostos a outros riscos, como aqueles resultantes da descriminalização da venda, produção e publicação de pornografia envolvendo jovens de 16 e 17 anos. 

O mesmo ocorreria com a submissão desses adolescentes a vexame ou constrangimento, o envio deles ao exterior para obter lucro ou ainda sua exploração sexual (sendo o criminoso, nesse caso, responsabilizado por crime consideravelmente mais brando, de simples favorecimento à prostituição, com pena de reclusão de dois a cinco anos contra a reclusão de quatro a dez anos prevista hoje).

Em todos esses casos, dentre outros, haveria graves efeitos não apenas para jovens da faixa etária em questão, mas para toda a sociedade. Além disso, as mudanças alcançariam não apenas esta geração, mas também as futuras, comprometendo a proteção legal de nossos próprios filhos e netos, indo na contramão do que vem ocorrendo em âmbito internacional.

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