UMA LONGA TRAVESSIA



Em passagem pela suíça, colunista faz uma reflexão sobre o jornalismo cultural

Numa epoca marcada pela inevitavel decadencia do jornalismo impresso, a existência do quinzenário As Artes Entre as Letras e, mais importante, a passagem de seu sexto aniversário de fundação sao marcos que nao podem passar em branco e que mereceriam, como em outros tempos, que fossem gravados em pedra, como a desafiar os séculos.

Ainda nestes dias de junho que passamos em Berna, encantadora cidade aos pes dos Alpes, o que vemos nas ruas sao sinais desse fim de tempos do jornalismo impresso: os quiosques que vendiam jornais são cada vez mais raros e poucos suíços se dispõem a comprar um exemplar de seus diários tradicionais, preferindo a leitura rápida dos exemplares gratuitos que pegam no tram (elétrico), no trem e nos autocarros. Outros nem isso: contentam-se com o que acessam por meio de seus telemóveis.

Numa sociedade apressada e rica como a suiça, que, de certo modo, é o retrato antecipado das demais nações do planeta, poucos se mostram preocupados em ler textos um pouco mais requintados culturalmente do que a informação supérflua do dia-a-dia que amanhã ja estara superada e esquecida. E há cada vez menos espaco para o jornalismo cultural.

O que se trava, portanto, é uma luta inglória, pois esse fim parece desenhado no futuro. No Brasil, por exemplo, hoje são poucos os grandes diários impressos que ainda mantém suas páginas culturais. 

E não há, ao que se saiba, nenhum veículo impresso voltado a área cultural com alcance nacional. Dessa maneira, são cada vez mais raras as recensões de livros ou entrevistas com autores locais, hoje praticamente limitadas a revistas academicas ou a sites na Internet. Os jornalões preferem traduzir o que compram de agências ou jornais estrangeiros – e a cultura nacional ou lusófona fica cada vez mais reduzida a um segundo plano.

Por tudo isso, é de se assinalar a travessia do As Artes Entre as Letras que ja se faz longa, em meio ao mar revolto.

Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre outros.

CORREIO DO BRASIL

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