Muitos de nós enfrentamos situações semelhantes diante dos espelhos mais íntimos. Espelhos às vezes quebrados, embaçados, descascados pela ferrugem dos tempos e das covardias silenciosas.
Talvez você se reconheça obtendo resultados diferentes dos desejados, nessas operações da sua matemática vivencial. Quem sabe esteja fazendo agora estes cálculos comigo e se surpreenda por obter números iguais aos meus.
Quando é para somar divide, multiplica ou subtrai, nos frequentes colóquios amorosos e sociais que estabelece — ou então os apaga com as borrachas do desentendimento — existência afora. Na prova dos nove, você constata alimentar-se de desconfianças infundadas, julgamentos levianos, certezas frágeis, sempre engolidas depressa e a seco no cotidiano, sem azeite e nem sal.
Dizem que os olhos são as janelas da alma. Mas como agir quando intempéries, como ciclones, devastam nossa cidade mental e a destroem sem chances de reconstrução? As pálpebras desistem e se cerram. A miopia chega, seguida pela implacável catarata emocional. A dor se apresenta logo após, como intrusa, sentando-se em velhas poltronas da cinzenta sala de estar. Talvez, quem sabe, sala de fugir.
Confessar é preciso. Machuca perdermos o contorno de paisagens antes tão belas e claras. Horizontes largos, verdes e promissores. Sorrisos distribuídos por tudo que nos acontece e por nada. Impossível negar. Em meio a névoas, talvez percebamos alguns relacionamentos abortados por falsas deduções, recolhidos aos tímidos patamares de sonhos débeis e prematuros.
Todo mudou. Transformou-se pelos terremotos que também se anunciaram, quebrando estruturas aparentemente sólidas, alicerçando nosso perfil psicológico. Fendas, trepidações, rachaduras. A ameaça inevitável de novos cataclismos. Abrem-se então crateras imensas no que antes denominaríamos discernimento.
Anaïs Nin escritora francesa do século vinte, provocava leitores e críticos com sua rebeldia, ousadia e asas. Arrebitava sua coragem e frisava: “Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos”.
É quando nos surpreendemos dentro de um triângulo, que não é equilátero, escaleno nem isósceles. Na metáfora emprestada da geografia, somos sugados em nossa já tão fragmentada identidade e desaparecemos misteriosamente no Triângulo das Bermudas, como aviões ou navios tragados pelo Oceano Atlântico.
Precisamos de socorro. Aulas intensivas na matemática da vida.
Não foi à toa que Marcos Caiado, poeta goiano, cujo verso reproduzi no título desta crônica, compartilhou: “Você disse some e eu somei. Eu disse some e você sumiu”.
Graça Taguti, Revista Bula


0 Comentários