Algumas questões do senso-comum que propalam a negação da ciência:
Em alguns dos e-mails que tenho recebido de meus leitores, e mesmo em
posts de fóruns científicos que participo tenho observado a repetição
das mesmas questões oriundas do senso comum e que como “negação da
ciência” demonstram uma inquietação e até mesmo um inconformismo pelo
estado de coisas no mundo de hoje.
Ameaça nuclear, poluição, armas químicas, drogas nas ruas. Será que o
mundo piorou depois que se tornou mais científico e tecnológico?
Em outras palavras, seria a ciência ou a tecnologia que ela propicia
as responsáveis pelos males que assolam nossa realidade mais imediata?
Em respeito a esses questionamentos efetuados pelos meus leitores, e
mesmo discordando em muitas vezes de sua forma de pensar, quero
agradecê-los, pois é por meio do debate, pela contraposição de
argumentos que ativamos nossa inteligência e aguçamos nosso espírito
crítico.
Compilei alguns questionamentos mais recorrentes e vou postá-las na forma de artigos. Aqui estão os primeiros:
1. É difícil, confuso ou complicado conceituar ciência. Afinal ela é “cheia” de subdivisões.
Pelo contrário, a ciência é definida com precisão, mesmo com todas as
suas subdivisões. Seu conceito completo é ensinado a partir do 9.o ano
do ensino fundamental e é assim enunciado:
“A ciência constitui todo um corpo de conhecimentos socialmente
construído e historicamente acumulado pela humanidade e que atende aos
seguintes pré-requisitos: ser dotado de objetividade e universalidade e
estar sujeito à falseabilidade ou à comprovação, por meio de observações
da natureza, e/ou experimentos e/ou pela aplicação da lógica e de seus
recursos matemáticos como preconiza o método científico (tema abordado
em meus últimos quatro artigos)”.
2. A ciência e a tecnologia são as responsáveis pela deterioração
da qualidade de vida da sociedade como um todo. Veja o problema da
poluição, o aquecimento global, as armas nucleares e as guerras, o
estresse e a violência crescente nos grandes centros urbanos, o
egocentrismo, etc. – tudo isso é provocado pelo materialismo que a
ciência propiciou.
As agressões aos ambientes natural e social, a escalada bélica, o
individualismo, o egocentrismo, a ambição, o materialismo, o exercício
do poder para controlar as pessoas, etc. não são problemas meramente
científicos ou tecnológicos. São questões políticas, filosóficas e
éticas.
Para algumas questões existem soluções científicas e tecnológicas,
como é o caso da poluição da água, por exemplo; Existem inúmeras
técnicas de tratamentos do esgoto doméstico que são eficazes e dominadas
pela ciência básica há mais de cinquenta anos. Porém, por que não são
colocadas em prática?
É culpa dos políticos diz o povo. É culpa do povo dizem os políticos. É culpa da ciência e da tecnologia dizem alguns.
Quais são os responsáveis?
a) Será que o problema do esgoto foi criado pelos cientistas?
b) Ou é o consumismo e materialismo exacerbado, apoiado por um modelo
capitalista predatório que só valoriza o capital em detrimento da
natureza e do trabalho?
c) Ou é a inconsciência e egoísmo de boa parte da população humana que
não quer se dar o trabalho de pensar sobre a influência de seus atos
individuais sobre a coletividade?
d) Ou é a explosão demográfica aliada ao crescimento desordenado das grandes cidades e à falta de preparo de nossos governantes?
e) Ou é a ambição desenfreada de uma pequena parcela da população que
explora, subjuga e usa seus semelhantes e pouco se importa com a
coletividade e o ambiente?
Ou todas as anteriores são verdadeiras?
Ora, o esgoto é produzido pela população. E seu descarte deveria ser
um problema presente na lista de prioridades dessa mesma população.
Porém, não é isso que acontece.
Todo o prefeito alega que se ele investir em saneamento básico acaba
“enterrando” sua gestão, pois boa parte da população prefere “ver” as
obras de sua cidade, como pracinhas e asfalto nas ruas e prefere
desconhecer ou ignorar as implicações da poluição dos rios de sua
cidade.
Ainda, boa parte dessa mesma população despreza o ensino de Ciências e
tem verdadeira aversão por Matemática, Química, Física e Biologia
quando frequentam as escolas:
“Se tem que pensar” – dizem alguns. “-Então estou fora!”
Isso sem contar com a classe de eleitores que “vendem seus votos”,
dos políticos e empresários corruptos em conluio para desvio de verbas e
outros absurdos que se somam também como questões éticas, e muitas
vezes jurídicas e até policiais.
Ora, tenho que repetir: juízo de valor, equanimidade, questões de
moralidade, bem versus mal, etc. são reflexões, que entram no campo da
política, da filosofia, da ética e também das religiões.
Assim como na escalada bélica, no materialismo dominante, na
violência urbana, a ciência e a tecnologia tem sua participação na
gestão e na solução do problema, mas não é, a meu ver, sua fonte
determinante.
Seria um problema exclusivamente científico ou tecnológico se fosse
possível vacinar toda a humanidade contra a inconsciência, ignorância
ou falta de caráter.
Mas, infelizmente, essa vacina ainda não foi inventada!
Mustafá Ali Kanso é escritor, professor, engenheiro
químico, empresário da mídia educacional e divulgador científico em
programas culturais da TV.
GAZETA SANTA CÂNDIDA,JORNAL QUE TEM O QUE FALAR
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