Do blog do Miro
Que horas são? É tarde, é tarde…
Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:
Dilma e Lula tem juntos 45% das intenções espontâneas de voto para 2014.
O conservadorismo personificado em Serra e Aécio, e a alternativa
verde estampada em Marina Silva, adicionam ao balaio oposto 9% de
menções.
A maiúscula atrofia do campo conservador explode na pesquisa do Ibope
divulgada neste domingo. Não por acaso apresentada sob a pátina de uma
irrelevante ultrapassagem de quem deixou o governo há dois anos por quem
ainda o exerce.
O fato esférico é que a 24 meses das urnas presidenciais, 55% dos
eleitores tem um nome de preferência estabelecido. Em 2010, oito meses
antes do pleito, 52% dos eleitores não tinham candidatos (23%
mencionavam Lula, inelegível).
Hoje, quatro em cada cinco referendam o bloco de forças progressistas
que comanda a sociedade e o desenvolvimento do país desde 2003.
Um discernimento tão antecipado não significa voto líquido. Mas a
musculatura de largada ilumina uma desvantagem que explica, e explicará
cada vez mais, os métodos da tentativa conservadora de voltar ao poder.
Anote-se que o saldo favorável de Lula e Dilma supera inclusive os
decibéis midiáticos que há quatro meses martelam hits da Ação Penal 470.
Alguém poderá entender, como parece ter entendido pelos movimentos
recentes, que não foi suficiente.
O que está em jogo, portanto, não é uma gincana de simpatias.
A resiliência eleitoral de Lula e Dilma apoia-se em pilares
objetivos. A implosão da ordem neoliberal avança no seu 5º ano sem que
os adoradores de mercado tenham sequer aprumado a capacidade de fazer
autocrítica.
A exemplo das políticas que levaram ao desastre, o ajuste que
praticam combate o fogo da depressão com o lança-chamas da austeridade.
A Europa já flambada mergulha no seu segundo round recessivo. O Japão
aderna. Os EUA atolam no desemprego. Merkel augura: são necessários
mais alguns anos de cozimento bem ajustado.
A Espanha completa um ano no caldeirão de Rajoy, do PP, que comunga
as mesmas receitas reafirmadas cronicamente pelo aparato conservador
brasileiro.
O que elas conseguiram no caso espanhol? O déficit público cresceu
(por conta do PIB e arrecadação minguantes); a insolvência financeira
empurra a 4ª economia europeia para um resgate ainda mais doloroso; 25%
da força de trabalho está na rua – mais 800 mil demitidos irão se juntar
a ela este ano.
O contraponto do cenário brasileiro explica o silencio conservador na disputa econômica.
A taxa de desemprego em setembro foi a menor para o mês dos últimos dez anos: 5,4%, segundo o IBGE.
A massa salarial (novas vagas + aumento real de poder de compra)
cresceu quase 5% acima da inflação nas regiões metropolitanas, entre
julho e outubro.
Apesar da frágil capacidade de indução estatal e da inexistência de
planejamento público, em setembro os investimentos do PAC 2 atingiram
40,4% da meta prevista para o período 2011- 2014.
Quase R$ 386 bi foram aplicados nesse meio tempo em obras de infraestrutura e logística social e urbana.
Distinguir-se daquilo que seria o Brasil se o conservadorismo
persistisse no governo é confortante. E pedagógico. Mas não suprime os
desafios que a economia tem pela frente, marmorizados na luta pela
sucessão.
O arsenal econômico acionado não é suficiente. O grosso do
investimento do PAC concentra-se na construção civil (1,9 milhão de
casas contratadas no Minha Casa, Minha Vida).
Projetos ferroviários e de infraestrutura mais geral rastejam.
O investimento da indústria brasileira anda de lado. Embora a taxa de
juro real, sempre apontada como obstáculo à expansão do setor, seja a
menor da história, o parque industrial registrou a 13ª queda seguida no
nível de atividade em setembro (na comparação anual).
Sem planta manufatureira sólida nenhuma economia consolida sua
autonomia externa. Sem autonomia externa não existe Estado soberano, nem
democracia efetiva.
Não há Nação digna de usar esse nome sem que a sociedade tenha o comando do seu destino. A lição é de Celso Furtado.
A dependência de importações industriais, portanto, não fragiliza
apenas a contabilidade em dólares. É também uma questão política.
Ela sonega aos trabalhadores empregos de maior qualidade, aqueles
cuja produtividade eleva os salários e permite reduzir a desigualdade
intergeracional, a herança trazida da senzala, que requer
simultaneamente reformas estruturais – a da terra, a urbana e a do
capital acumulado.
O êxito inegável na condução da economia durante a crise não isenta o
PT e o governo de encarar contradições crescentes. Compromissos
sagrados nas urnas adicionam tensão ao elástico de um sistema
democrático que autoriza mais do que os mercados estão dispostos a
conceder – e a crise quer estreitar.
O conflito se evidencia na incapacidade de alavancar o investimento
público – por indução estatal interditada e insuficiente; bem como em
destinar recursos fiscais necessários à saúde e à educação. ‘É preciso
fazer mais com menos’, retruca o mesmo editorial a cada 24 horas em
algum meio de difusão contrário à taxação da plutocracia e ao controle
efetivo sobre a riqueza financeira.
O que o Ibope mostra não é propriamente uma resignação com esses
limites – a luta para ir além deles está na pauta da sociedade
brasileira. O que ele evidencia de mais sólido é o profundo desencanto
com as versões programáticas da casa grande em nossos dias.
Quando maior esse discernimento mais se impõe ao aparato conservador
camuflar suas bandeiras amarrotadas em agendas de apelo popular.
A disputa desloca-se do campo estratégico da economia para o uivo udenista.
A guerra aberta contra o PT testa os limites do novo arsenal que
consiste em destituir o poder, e os compromissos consagrados nas urnas,
mas fazendo-o por dentro das instituições, sobretudo com a exacerbada
manipulação da ferramenta judiciária.
A renuncia ao golpe de força é compensada pela força da hipertrofia
midiática que se avoca inimputável para coordenar e ecoar a ofensiva.
Quem ainda insiste em delegar a defesa do projeto progressista
brasileiro ao exclusivo sucesso econômico — que é crucial, de fato –
subestima as contradições políticas inerentes à travessia para um ciclo
de crescimento num mundo em convulsão.
Apostar no discernimento compassivo da população diante desse
horizonte de instabilidade e acirramento conservador implica não apenas
em voluntarismo cego.
Há outras coagulações perigosas implícitas aí. Uma delas consiste em
assinar uma pax branca que concede ao conservadorismo o pleito da
hegemonia intocável na esfera da comunicação.
É como se uma parte do PT e do governo Dilma não ouvisse os alarmes
que soam de forma estridente e continuasse a perguntar: ‘Que horas
são?’.
‘É tarde; é tarde’ –responderá um dia o coelho dessa história.
GAZETA SANTA CÂNDIDA,JORNAL QUE TEM O QUE FALAR
0 Comentários