Nunca é tarde para uma boa lição de aristocracia

Entrevistei-o quando ele tinha 76 anos e já lá vão uns doze ou mais. Tinha sido um dos professores que mais me marcaram a adolescência. Por aquilo que ensinou - e pelo seu modo de estar. Era - imagine-se! - professor de Canto Coral, disciplina idealizada para nos galvanizar nos hinos da Ditadura e que ele, apesar de salazarista, subverteu, aproximando-nos da ópera e até de cânticos contra a opressão, como o Va pensiero, da ópera Nabucco, de Verdi. Por amor da música e da pedagogia. Porque achava que "os meninos haviam de gostar mais da ópera do que dos hinos e das marchas".

Ascenso de Siqueira. Professores seus colegas tratavam--no por Dom Ascenso, sem ele jamais o ter exigido sequer dos alunos, a quem nunca declinou a sua condição fidalga, brasonada, descida de Dom João VI pela vergôntea miguelista. A primeira vez que o ouvi falar dele próprio e dos seus foi aos 76 anos - e porque o indaguei. Na escola, soube sempre ser um professor como os outros, com o macérrimo vencimento de um mestre de Canto Coral - com a pequena diferença de que fazia realmente a diferença no seu modo de ser e de estar.

Sabendo-o fidalgo, louvei-lhe a simplicidade e até humildade que sempre patenteou. Ele sorriu tímido e evocou uma lição da mãe, que inculcou nos filhos que "ser humilde não é negar aquilo que se é, mas é sê-lo com humildade". E lembrou-lhes que "a aristocracia não é um privilégio, é um serviço".

Foi a última lição que recebi de Ascenso de Siqueira, já entrava eu na casa dos cinquenta - e de há doze ou mais anos que o conceito me impregna o discurso sobre a fidalguia do jornalismo. A liberdade de que nós, jornalistas, desfrutamos não é um privilégio para nossa fruição exclusiva, é um serviço aos outros.

Temos direitos e garantias, reconhecidos constitucionalmente e por convenções internacionais, mas precisamos de saber por que motivos tais direitos e garantias nos foram outorgados. Porque é que somos uma profissão protegida? Só pode haver uma resposta: os jornalistas são protegidos, são-lhes garantidas liberdades, porque trabalham para a liberdade, a liberdade dos destinatários da mensagem jornalística.
Por ÓSCAR MASCARENHAS


GAZETA SANTA CÂNDIDA,JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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