RESTAURAÇÃO DESCOBRE SETE MARCAS DE BALAS DA SEGUNA GUERRA NA ESTÁTUA DA VIRGEM DE NOTRE-DAME

Buracos de tiro de 1944 foram identificados sob camadas de tinta e ouro, durante o processo que devolveu o brilho original à Bonne Mère, em Marselha

Por O Globo — Marselha
                                                                                                                     VIKEN KANTARCI / AFP
Esta foto aérea mostra uma vista da estátua dourada da Virgem Maria no topo da Basílica de Notre-Dame de la Garde (Nossa Senhora da Garda) em Marselha 

Durante a etapa final da restauração da estátua da Virgem com o Menino — a célebre Bonne Mère, instalada no alto da Catedral de Notre-Dame de la Garde, em Marselha — especialistas encontraram sete buracos de bala ocultos na estrutura de cobre e ferro. Os impactos, até então desconhecidos, remontam a 1944, quando tropas alemãs dispararam contra a igreja pouco após a libertação da cidade, como relatou o arquiteto-chefe Xavier David ao The Art Newspaper, nesta quinta-feira (4).

A estátua, de quase 11 metros e mais de 9 toneladas, permaneceu envolta por andaimes de fevereiro a outubro, período em que passou pela primeira douradura integral desde 1989. Foi nesse processo de preparação da superfície — após a remoção de camadas de tinta e ouro acumuladas ao longo de décadas — que a equipe identificou quatro marcas de tiro na mão, no braço e no abdômen do Menino Jesus, e outras três no corpo da Virgem Maria. Segundo David, os buracos haviam sido preenchidos em restaurações anteriores sem registro formal, o que contribuiu para o esquecimento dos danos.

O ataque de 1944 faz parte de um episódio curto, mas violento da história local. Após a libertação de Marselha por tropas do Senegal, Marrocos, Argélia e França, unidades alemãs posicionadas no forte de San Nicolás dispararam durante três dias contra o conjunto religioso, perfurando a torre sineira, destruindo mosaicos e atingindo diretamente a escultura. Os reparos posteriores foram superficiais e deixaram de documentar os estragos.

Além dos danos de guerra, a restauração atual enfrentou o desgaste provocado por décadas de maresia e poluição urbana. Exames revelaram uma concentração de sal três vezes maior do que o previsto no metal, mesmo após sucessivas douraduras — a estátua já havia recebido sete aplicações desde sua instalação. Para proteger a obra, a estrutura foi envolta por uma lona hermética com temperatura controlada, enquanto a parisiense Ateliers Gohard realizou a nova aplicação da folha de ouro. A expectativa é que a intervenção garanta uma durabilidade de até meio século.

O trabalho também incluiu a remoção da coroa de 1,2 metro de diâmetro e 120 quilos, cuja estrutura interna apresentava corrosão avançada. O reparo contou com a participação do metalúrgico Thomas Pagès, reconhecido pelos trabalhos na Catedral de Notre-Dame de Paris. Técnicas de bioconsolidação foram aplicadas ainda aos quatro anjos de pedra que guardam o terraço da basílica, reforçando o material com compressas de argila e produtos bacterianos — outro procedimento detalhado por David ao The Art Newspaper.

A revelação dos vestígios da guerra e a conclusão da restauração ganharam forte dimensão simbólica para os moradores. Antes da reinauguração, marcada para este domingo (7), sua coroa foi recolocada em seu lugar por helicóptero, sob muitos aplausos, em meados de outubro. Para David, devolver a Bonne Mère ao brilho original significou também restituir à cidade um capítulo de sua memória — e reforçar a ligação afetiva com o monumento que, em dias claros, pode ser visto a mais de 20 quilômetros do mar.

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