O PAÍS DO IMPROVISO E DO DESPERDÍCIO DE OPORTUNIDADES

Nuno Vasconcellos


Foto: Foto: Michelle Valente / enviada especial do Portal iG
Incêndio de grandes proporções atingiu a Zona Azul da COP30, em Belém (PA), na quinta-feira (20).

Algumas situações dos últimos dias confirmaram uma verdade que, embora evidente, é cada vez mais incômoda: planejamento não é o ponto forte do Brasil . Ou, dito de outra forma, os fatos demonstram que o Brasil carrega um mapa genético dominado pelo cromossomo do improviso. Ou, ainda, pela mania de se tirar conclusões sem procurar conhecer a verdade por trás dos fatos e, a partir daí, escolher caminhos que levam ao fracasso . A impressão que se tem é a de que, quando mais importante e visível é a situação em foco, mais as propostas de solução dos problemas são marcadas pelo improviso, pela gambiarra e pela busca do atalho fácil.

Exemplos dessa realidade sobraram durante a COP30 — a conferência das Nações Unidas sobre o clima, realizada nas últimas semanas, em Belém (PA). Muitos fatos desagradáveis (todos evitáveis) aconteceram durante o evento e acabaram atraindo mais atenção dos que os temas debatidos nas plenárias — que, por sinal, expuseram a falta de acordo dos delegados em relação à pauta ambiental. Há posições divergentes em relação ao fim do uso de combustíveis fósseis, ao financiamento das ações ambientais e à falta de avanços nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), que são os compromissos de redução das emissões de carbono assumidos por cada país.

Se nos pontos relacionados com a pauta ambiental o clima no final do encontro é de impasse, a impressão no que diz respeito à realização do evento, imaginado para contar pontos para melhorar a imagem do Brasil, é do mais retumbante fracasso. Nenhuma autoridade brasileira deveria ter sido surpreendida por qualquer situação.


Há mais de dois anos que já se sabia que a COP30 aconteceria em Belém. Se algo saiu errado não foi, portanto, por falta de tempo para se evitar o pior. Nem de dinheiro. Os gastos do governo com a COP, considerando as obras de infraestrutura realizadas em Belém, superaram R$ 5 bilhões, conforme informação divulgada pelo ministro do Turismo, Celso Sabino, nos dias da abertura do evento.

A convicção de que sediaria uma conferência internacional, que atrairia toda atenção do mundo, deveria ter sido tratada pela organização com a certeza de que, se algo desse errado, a culpa recairia sobre o anfitrião. Todos os problemas capazes de atingir as instalações projetadas e construídas especialmente para sediar os debates deveriam ter sido previstos. O incêndio que consumiu parte das instalações, na tarde de quinta-feira passada, foi apenas a cena final de uma peça mal escrita, mal encenada e mal dirigida.

Não importa a causa do fogaréu . Um sistema de eletricidade capaz de suportar a sobrecarga de demanda durante o encontro, a fim de se evitarem os curtos-circuitos, era o mínimo que se esperava numa obra tão cara. Também era óbvia a necessidade de telhados e de um sistema de escoamento de águas pluviais que suportassem as chuvas pesadas que caem nesta época do ano desde que a Amazônia é a Amazônia .

Um serviço de coleta que evitasse o acúmulo visível de lixo pela cidade poderia ter sido pensado. Medidas básicas de segurança para proteção dos participantes e dos visitantes dentro e fora dos pavilhões eram obrigatórias. A despeito da obviedade dessas providências, tudo o que poderia falhar, falhou. E, quando isso aconteceu, as autoridades foram as primeiras a manifestar surpresa diante dos incidentes.
Rigor contra os fora-de-lei

Uma situação de outra natureza, mas que também chamou atenção pela forma improvisada, quase amadora, com que foi conduzida pelos "articuladores" políticos do governo envolveu a tramitação do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado . Mesmo sendo tão previsível quanto os temporais que desabam sobre Belém nesta época do ano, o embate entre governo e oposição em torno de um tema tão delicado e importante como esse era mais do que provável. E a vantagem da oposição nesse embate era visível. Mesmo assim, o resultado da votação parece ter surpreendido os "articuladores" políticos do Planalto.

Para se ter uma ideia da aceitação da proposta de endurecimento no combate aos crimes violentos cometidos pelas facções, basta olhar para o resultado da votação realizada no plenário da Câmara dos Deputados na noite de terça-feira passada. O relatório do deputado Guilherme Derrite (PP/SP), que modificou o Projeto de Lei Antifacções, encaminhado pelo governo ao Congresso no dia 31 de outubro, foi aprovado por 370 votos a 110. Isso significa que a ideia de endurecer o tratamento dado aos integrantes das facções criminosas teria sido aprovada ainda que se tratasse de uma Proposta de Emenda Constitucional — e não de um Projeto de Lei.


O relatório de Derrite jamais alcançaria uma vitória tão acachapante se a sociedade brasileira não estivesse cobrando de seus representantes medidas mais rigorosas contra os fora-da-lei que têm transformado a vida de muita gente num inferno. Mesmo assim, os líderes do governo reagiram ao resultado como se tivessem sido vítimas de manobras sub-reptícias por parte da oposição.

Copa do Mundo

Essas duas atitudes — ou seja, a reação diante dos problemas apresentados durante a COP e a resposta dos "articuladores" do Planalto à surra fenomenal que levaram na votação da lei Antifacções — são frutos da mesma árvore. Quem reparar direito notará que tanto um como o outro são apenas mais um exemplo do improviso e da falta de planejamento que se tornaram uma rotina cansativa no Brasil. Há centenas de outros, obviamente.

As obras que deveriam ter sido entregues antes da Copa do Mundo de Futebol de 2014 são outra prova desagradável dessa verdade. Até hoje, onze anos depois, algumas delas ainda não ficaram e outras jamais ficarão prontas em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Cuiabá. Se tivessem sido planejadas e executadas com o necessário rigor técnico e financeiro, não teriam consumido tanto dinheiro, tempo e paciência da sociedade.

O fato é que uma série de decisões importantes tomadas no país parece carregar a marca da improvisação. O caso da COP de Belém e de tudo o que aconteceu do início ao fim da conferência é exemplar — não só no que diz respeito às falhas na estrutura montada para a realização do evento. A crítica cabe, também, à principal proposta apresentada pelo Brasil durante a conferência. Trata-se da criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, da sigla em inglês).

Ideia engenhosa

A ideia foi apresentada pelo governo brasileiro com o objetivo de financiar as políticas de preservação das florestas tropicais por meio de mecanismos mais modernos e atrativos do que a doação pura e simples. A proposta, à primeira vista, é engenhosa e poderia ter apresentado resultados muito mais consistentes do que apresentou caso tivesse sido elaborada com mais zelo pela delegação brasileira.

Ao aderirem ao TFFF, os governos e as empresas que tiverem interesse em destinar recursos para a causa ambiental não farão uma doação a fundo perdido, como sempre aconteceu. Ao invés disso, farão um investimento. TFFF, que ficará sob cuidados do Banco Mundial, remunerará os investidores com juros, o que torna a ideia de destinar recursos à causa ambiental mais atrativa do que tem sido até aqui.

Na teoria, a ideia é excelente. Só que havia tantos pontos imprecisos na proposta original que muitos países se sentiram desestimulados em colocar dinheiro no TFFF. Tempo para corrigir as falhas, também houve. A ideia foi apresentada pela delegação brasileira pela primeira vez na COP28, em Dubai, há dois anos. Desde então, a proposta hibernou como se tivesse sido esquecida.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou do TFFF logo na sessão de abertura da COP30 e o ministro da Fazenda Fernando Haddad teve a oportunidade de explicar o projeto em detalhes para jornalistas do mundo inteiro em uma entrevista coletiva horas depois. Haddad, no entanto, não deu explicações convincentes. Apenas se limitou a repetir o argumento de que os países ricos devem pagar a conta da preservação das florestas que, de um modo geral, se localizam em países pobres do "Sul Global" — que é a expressão "woke" usada para se referir ao que antes se chamava de Terceiro Mundo.

Ou seja, insistiu, durante a COP, no mesmo argumento que defende toda vez que tenta explicar sua insistência em aumentar impostos no Brasil. A conta, segundo ele, deve ser paga pelos ocupantes do "andar de cima", ou seja, pelos países ricos. É aí que está a questão! A princípio, nenhuma liderança sensata, com poder de decisão, discorda das ideias de Haddad. A questão é que, independentemente das razões que motivaram a criação do TFFF, o governo brasileiro, que é o pai da ideia, deveria ter se cercado de cuidados para que a iniciativa não fosse prejudicada pela falta de clareza.

O intervalo de dois anos entre a COP28 e a COP30 representou um tempo mais do que suficiente para que os especialistas do Ministério da Fazenda esmiuçassem a estrutura do TFFF e eliminassem toda e qualquer dúvida que, porventura, dificultassem sua aceitação. Só que não. Tanto assim que, dos US$ 10 bilhões que eram esperados em aportes dos países ricos durante a COP30, pouco menos de US$ 6 bilhões foram prometidos (incluindo-se aí o investimento de US$ 1 bilhão feito pelo próprio Brasil).

E mais: um dos países que, por seu histórico, era dado como certo na lista de investidores do TFFF, mas que não se manifestou a respeito até a tarde de sexta-feira, foi a Alemanha . Que, por sinal, foi envolvida por políticos e jornalistas brasileiros num debate estéril, quase infantil, que apenas serviu para fazer barulho e desviar o debate em torno da conferência ambiental do ponto que realmente interessa.

Pois bem. Na segunda-feira passada, o chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, durante um Congresso Empresarial, em Berlim, ao elogiar seu país, disse palavras que soaram como ofensa grave a Belém e magoaram as autoridades brasileiras:

"Senhoras e senhores, nós vivemos em um dos países mais bonitos do mundo", disse o chanceler, referindo-se à Alemanha. E prosseguiu: "Perguntei a alguns jornalistas que estiveram comigo no Brasil na semana passada: 'quem de vocês gostaria de ficar aqui?' Ninguém levantou a mão. Todos ficaram contentes por termos retornado à Alemanha, na noite de sexta-feira para sábado, especialmente daquele lugar onde estávamos".

Nem bem ele terminou a frase e a turma começou a se queixar — como se essas palavras tivessem o efeito de uma declaração de guerra. Teve gente que perdeu o prumo e dirigiu a Merz palavras como nazista, xenófobo e outras ofensas que não deveriam se aplicar a alguém que se limitou a dizer o que qualquer comparação superficial entre as condições de Berlim e Belém expõe sem qualquer dificuldade.

Desperdício de oportunidade

Existe alguma dúvida em relação à superioridade estrutural da capital da Alemanha em relação à capital do Pará? Experimente, então, comparar as estatísticas de saneamento, criminalidade, infraestrutura, saúde pública, mobilidade urbana e qualquer outro indicador de qualidade de vida. Quem procurar qualquer sinal de dejetos humanos nas águas do rio Spree, que corta do centro de Berlim, dificilmente encontrará. Quem fizer o mesmo no igarapé Piraíba, em Belém, ficará nauseado pelo mau cheiro e pelas imagens desagradáveis de sujeira boiando nas águas.

Em qualquer indicador de qualidade de vida, Berlim, sem dúvida e sem demagogia, muito dá de 7 a 1 na capital paraense — que, ao sediar a COP30, acabou se expondo ao julgamento geral. Se quisesse ouvir apenas elogios, que se esforçasse para merecê-los.

A reação correta diante da crítica seria admitir que há muito a ser feito para melhorar as condições de vida na cidade. Mas não. No final, a impressão que fica da COP30 é que o Brasil desperdiçou uma oportunidade e tanto de deixar claro para o mundo o potencial indiscutível que o setor privado nacional tem para liderar a corrida pela transição energética e pela descarbonização do planeta. E de se firmar como o protagonista de um debate que, no final das contas, acabou contaminado por questões que em nada contribuem para melhorar a atratividade do país para investidores e líderes mundiais.

Penetra na festa

A propósito, o desperdício de oportunidades é outra situação que o Brasil esbanja perante o mundo . E que se aplica não só à COP30, mas também ao outro acontecimento de destaque da semana — a votação do relatório de Derrite. Se o tema continuar sendo reduzido pelo governo a uma mera queda de braços com oposição, a lei que endurece o tratamento aos integrantes das facções criminosas pode acabar perdendo força e se desviando dos objetivos cobrados pela sociedade. E o país perderá uma oportunidade de estabelecer critérios para a punição de bandidos com o rigor que a gravidade de seus crimes exige.

Não é segredo para ninguém que o governo chegou atrasado ao debate sobre a segurança pública e só entrou na discussão depois que as pesquisas de opinião expuseram o risco de pagar caro por essa omissão nas eleições de 2026 . O problema é que, ao entrar tarde na pista, o governo quis atrair para si os holofotes de uma festa em que entrou como penetra.

Isso mesmo. O projeto de Lei Antifacções elaborado pela equipe do ministro da Justiça Ricardo Lewandowski e encaminhado à Câmara dos Deputados em caráter de urgência não passou de uma tentativa de buscar protagonismo num debate que a oposição domina há anos. A impressão foi a de que, para o governo, mais importante do que o conteúdo da matéria, era ter reconhecida a paternidade de um projeto que, mais adiante, renderá muitos dividendos eleitorais. No final, porém, o pai da criança acabou sendo Derrite .

No calor da reação à derrota, os articuladores do governo demonstraram que não deram a batalha por perdida e que ainda contam com o Senado para cravar o nome de Lewandowski na certidão de nascimento da proposta. Chega a ser uma contradição. Afinal, o ministro se mostra mais à vontade como defensor de penas brandas para os criminosos do que no de paladino na luta contra o crime.

Seis versões

Nesse esforço, os "articuladores" do governo — que conseguiram atrair para seu lado apenas o PT e os partidos de esquerda e de extrema-esquerda que integram a linha auxiliar de apoio ao governo — adotaram um caminho que mais ajuda a explicar a derrota do governo na votação do que a ampliar as possibilidades de reverter a situação quando o projeto, caso venha a ser alterado no Senado, retornar à Câmara para nova discussão. Eles criticaram, por exemplo, a quantidade de versões — foram cinco, antes da que viria a ser aprovada — que o relatório teve antes de ser aprovado pelo placar acachapante de 370 a 110 .

É aí que está o xis da questão. Ao invés de um defeito, a quantidade elevada de versões refletiu a disposição do relator para consultar juristas, pedir opiniões, ouvir críticas, acatar sugestões e corrigir as imperfeições que foram detectadas nos poucos dias que teve para realizar seu trabalho. Derrite negociou com todos os setores da Câmara. Menos com os líderes do governo que, apegados à missão de aprovar o texto de Lewandowski, custasse o que custasse, não quiseram conversa. E que, depois da derrota consumada, saíram dizendo que foi Derrite que não quis lhes dar ouvidos.

No final, o líder do PT, Lindbergh Farias (PT/RJ), atribuiu ao texto aprovado a intenção de blindar políticos contra investigações e frear as ações da Polícia Federal. Só não explicou como isso poderá acontecer. A ministra das relações institucionais Gleisi Hoffmann classificou o texto como "lambança jurídica". E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a lei, caso fique como está, dificultará o acesso da Justiça "ao andar de cima do crime organizado".

O projeto que saiu da Câmara pode, sim, ser aperfeiçoado no Senado. Mas tentar ressuscitar o texto original de Lewandowski, como o governo vem fazendo, é jogar no lixo a possibilidade de ter uma lei que não concede regalias aos condenados por crimes bárbaros. E que aumenta as punições previstas para esses crimes. Será que não vale a pena deixar de combater o crime com as soluções improvisadas propostas por Lewandowski e planejar um caminho diferente? É isso que a sociedade deseja.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG

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