MÃE DE MENINO QUE MORREU 'COMIDO' POR BACTÉRIA EM HOSPITAL PARTICULAR DENUNCIA NEGLIGÊNCIA: ''POR QUE NÃO ME OUVIRAM?"

Mãe denuncia que médicos de hospital particular cometeram sucessivos episódios de descaso e negligência no diagnóstico e tratamento do seu filho. "Dia após dia só falavam que era apenas uma virose, e que eu precisava me acalmar. A sensação que eu tenho é que meu filho entrou no hospital para ter uma morte assistida. Isso é muito revoltante". Hospital Brasília diz que afastou temporariamente profissionais de saúde envolvidos no caso

Miguel


via UOL

Miguel Fernandes Brandão, 13, era filho único, um milagre para a família, pois os pais Genilva Fernandes e Fábio Luiz Brandão não podiam engravidar até então. “Foi um menino muito amado e esperado por toda a família, o primeiro neto das duas famílias”, conta a mãe.

Com quase 1,8 metro de altura, jogava futebol e sonhava em se profissionalizar. Dividia com a bisavó materna a paixão pelo esporte, acompanhando jogos, debatendo lances e performance dos jogadores.

Em novembro do ano passado, depois de quase um mês internado no Hospital Brasília, uma instituição privada localizada no Lago Sul, ele morreu por complicações de uma infecção bacteriana. Os pais denunciam negligência. “Moramos no hospital por 25 dias. Entrei com meu filho e infelizmente só saí com ele dentro de um caixão”, diz a mãe.

PRIMEIROS SINTOMAS

Miguel começou com sintomas de sua já conhecida rinite alérgica na noite de 11 de outubro, uma sexta-feira, com espirros frequentes. Medicado, dormiu, mas acordou de madrugada com febre, que foi amenizada com outro remédio.

Na segunda, dia 14, foi Genilva quem acordou de madrugada com os mesmos sintomas. “Pensei: ‘Miguel está gripado e peguei dele’. Deitei novamente e depois acordei para trabalhar de casa.”

O menino não teria aula naquele dia, e Genilva aproveitou para fazer um café da manhã reforçado para o filho: carne para comer com pão de queijo e bolo de cenoura com chocolate. Mas quase tudo na boca dele tinha um gosto ruim —só a água continuava sem sabor.

Na cabeça da mãe, isso podia ser sinal de covid, então ela e o marido o levaram ao Hospital Brasília, no Lago Sul. Lá, uma médica disse que o gosto ruim era da secreção do nariz, mas os pais duvidaram e disseram que o filho reclamava da garganta, sem conseguir engolir saliva, sempre cuspindo.

“O nariz dele estava bem inchado, como nunca ficou antes em nenhum caso de alergia que ele já teve”, conta. Miguel tomou remédio contra febre e foi liberado.

FEBRE E FRAQUEZA

Naquela noite, a febre voltou, mas não passava com remédio. Um tempo embaixo do chuveiro ajudou a reduzir a temperatura, e ele só conseguiu dormir por volta de 5h de terça-feira, 15.

Quando acordou, estava com sintomas mais intensos: vômito, diarreia e fraqueza nas pernas. Precisou sentar numa cadeira para tomar banho. “Ele não conseguia andar do banheiro para a cama.”

A família foi ao mesmo hospital, onde ele chegou com a pele amarelada, fraqueza e extremidades roxas. Uma médica que estava quase encerrando o plantão demonstrou preocupação e agilizou o primeiro atendimento, conta Genilva. A profissional sugeriu um diagnóstico que, se confirmado, levaria Miguel à UTI.

Na troca de plantão, outra médica assumiu o caso. O menino já tinha feito exame de sangue e depois um eletrocardiograma, que deu pequena alteração. “Ficamos no box do pronto-socorro, ele ainda com diarreia e vômito, eu ali limpando.”

Genilva notou que a boca de Miguel começou a ficar vermelha —depois de uma hora, a mancha vermelha migrou para o pescoço e desapareceu. Em seguida, o corpo empolou, ficou cheio de carocinhos, e os linfonodos do pescoço incharam. Chamada, a médica olhou, passou a mão e saiu, disse a mãe.

O teste de covid deu resultado negativo, então a médica sugeriu fazer o painel viral, em que um único exame avalia a presença de diferentes vírus. Mas a coleta demorou. “Quando dei por mim, já tinha trocado o plantão, e a médica saiu sem pedir o mapa viral, não falou qual horário ia sair e nem quem ia ficar com o caso do meu filho.”

Pelo estado de Miguel, ela ficou na expectativa de ele ir para a UTI, mas foi encaminhado para internação em quarto de adulto porque, segundo a equipe, não tinha vaga na pediatria.

“Fomos para o quarto por volta de 1h50, mas, enquanto isso, nenhum médico do plantão noturno foi ver meu filho, mesmo eu cobrando na enfermaria. O mapa viral não foi feito no dia 15 e passamos a madrugada inteira com ele febril, meio acordados, com ele passando mal.”

“ANSIEDADE”

Na manhã de quarta-feira (16), um médico avaliou Miguel e também sugeriu um quadro viral. Genilva já tinha aberto reclamação na ouvidoria do hospital, sinalizando que o filho estava mal e aguardavam ir para a UTI.

Uma médica chegou depois e reforçou a hipótese viral, incluindo gastroenterite, uma infecção intestinal. O tratamento seria “hidratação e medidas de suporte”. No prontuário enviado por Genilva à reportagem, a médica descreve que avaliou o paciente “devido ansiedade materna” e que “explicou várias vezes o quadro”.

“Foi meu primeiro contato com ela, ela não tinha visto meu filho, ela não fez nenhum exame do meu filho, e eu não posso questionar?”, diz Genilva.

A médica novamente falou em pedir o painel viral, mas até 16h daquela quarta, o pedido ainda não tinha sido feito, e a médica tinha ido embora. “Fiquei muito nervosa e rapidinho chegou alguém do laboratório para fazer exame.”

O resultado demoraria até sete dias. A mãe entrou em contato com o plano de saúde para pedir a transferência para a ala pediátrica e foi atendida por volta de 20h.

Miguel seguia com febre e manchas mais nítidas no corpo, sendo medicado para os sintomas. Genilva afirma que não houve nova investigação sobre o motivo da alta temperatura.

Na quinta-feira, 17 de outubro, a mãe seguiu com os questionamentos, ao que a médica tentou tranquilizá-la, repetindo que tudo fazia parte do quadro viral e que ela “tinha que ter paciência, que estava muito ansiosa”. Ela estava aflita, mas sem saber o que fazer.

No fim da tarde, Genilva começou a se sentir mal, com febre e tosse incessante, mas seguiu acompanhando o filho. A essa altura, Miguel reclamava de dor na garganta e no tórax, atribuídos à tosse, e estava com a barriga inchada, que segundo um médico era por estar deitado há muito tempo.

“Pedi um raio-x, mas o médico falou ‘para quê expor à radiação à toa?’, e não pediu mais exame, sempre afirmando quadro viral, mas o resultado nem tinha saído ainda.”

Na sexta-feira (18), por volta das 4h, Genilva deu banho no filho novamente para baixar a febre e negou uma nova medicação, mas foi convencida pela médica a mais uma tentativa.

“Quando deram o remédio, ele começou a transpirar muito, excessivamente. Chamei a médica e falei que, pelo amor de Deus, meu filho não estava passando bem”.

Em seguida, a equipe da UTI chegou com equipamento de oxigênio para levá-lo, com o corpo roxo e a barriga mais inchada. Miguel foi intubado, colocado em sondas, e novos exames foram feitos.

Para Genilva, a piora de Miguel foi brusca. Antes da intubação, ela conversou com o filho. “A mamãe vai ter de sair, o médico vai fazer um procedimento para você ficar melhor. Pensa em uma viagem que a gente fez que você gostou, fecha o olhinho. Mamãe e papai te amam, você é nossa vida”, disse ao menino. “Ele olhou pra gente e não falou nada.”

Na UTI, Miguel teve três paradas cardíacas, a primeira de 24 minutos e outras de oito e cinco minutos. Medicado com antibióticos “para atingir o maior número de bactérias”, ele só foi diagnosticado com Streptococcus pyogenes no domingo, 20, pela manhã.

No dia anterior, Genilva também tinha sido internada, porque seguia com febre alta e o mesmo sintoma de boca seca do filho, mas já medicada com antibiótico devido à pneumonia. Depois que falou à equipe sobre Miguel e a bactéria identificada nele, ela também foi diagnosticada com a mesma infecção.

MORTE ASSISTIDA

Os rins, o pulmão, o fígado e o cérebro de Miguel foram comprometidos. A pele necrosou e foi preciso raspá-la. Costas, nádegas e saco escrotal ficaram em carne viva, e ele teve hemorragia.

Genilva conta que ele teve a bexiga perfurada durante a troca da sonda, causando mais perda de sangue e outro choque séptico.

“As pernas dele, se tivesse sobrevivido, provavelmente na outra semana teria de amputar. A sensação que eu tenho é que meu filho entrou no hospital para ter uma morte assistida”.

Miguel morreu num sábado, 9 de novembro, e foi enterrado no dia seguinte. A mãe tem muitas perguntas sem respostas. “Quando ele foi infectado pela bactéria? Por que a demora para fazer exames? Por que não me ouvir? Isso é muito revoltante.”

O Hospital Brasília disse que lamenta profundamente o óbito do adolescente e que “apesar dos esforços de nosso corpo clínico, infelizmente não foi possível reverter o quadro infeccioso que o acometeu”.

A entidade informou que uma “rigorosa análise do atendimento realizado” está em andamento, durante o qual os profissionais envolvidos no caso ficarão afastados. Sobre o termo “ansiosa” no prontuário médico, o hospital pede desculpas pelas “anotações inadequadas” acerca das preocupações da mãe.

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