PRÉDIO ONDE DALTON TREVISAN VIVIA JÁ TEVE ALICE RUIZ, HELENA KOLODY E PAULO LEMINSKI COMO MORADORES

Edifício São Bernardo, inaugurado nos anos 1960 e localizado próximo da Biblioteca Pública, foi também palco de algumas curiosas histórias
Edifício São Bernardo, no Centro de Curitiba, foi a casa de alguns dos maiores nomes da literatura paranaense (Foto: Franklin de Freitas)

Um prédio localizado no Centro de Curitiba, ao lado do Hotel Bourbon e bem próximo da Biblioteca Pública do Paraná (BPP), foi a casa de alguns dos maiores escritores paranaenses. Trata-se do Edifício São Bernardo, onde o contista Dalton Trevisan viveu os últimos anos de sua vida e onde ele também faleceu nesta terça-feira (9 de dezembro), aos 99 anos de idade. Além do “Vampiro de Curitiba”, no entanto, outros nomes fundamentais da literatura paranaense também viveram no local. São os casos de Alice Ruiz, Helena Kolody e Paulo Leminski.A história do Edifício São Bernardo

Construído ao longo dos anos 1950 e inaugurado no começo dos anos 1960, o Edifício São Bernardo fica na Alameda Dr. Muricy, 839. O empreendimento foi projetado e construído pela Gutierrez, Paula & Munhoz Ltda, que desde o início das obras chamava a atenção para o fato de que o prédio ficaria a 50 metros da Biblioteca Pública. Já a Comissária Galvão, corretora de imóveis responsável por comercializar as unidades disponíveis, tratava de destacar, em 1958, o edifício como um exemplo do “progresso de Curitiba”, que 10 anos antes seria “uma pacata capital provinciana” e havia se tornado “uma das cidades que mais progridem no Brasil”.

“Apartamentos com três quartos, sala de estar e jantar, banheiro completo com aquecedor de água, cosinha com fogão a gaz, quarto de empregada com instalação sanitaria, terraço de serviço – a partir de Cr$ 420.000,00. Apartamentos com 2 quartos, sala, banheiro e cosinha completos. Quarto e sanitário de empregada, terraço. Por Cr$ 390.000,00. Vários tipos e tamanhos maiores. Acabamentos de 1ª qualidade. Elevadores rápidos”, anunciava a empreiteira durante a construção do prédio, em 1956 (confira o anúncio logo abaixo).

Encontrar um imóvel disponível no edifício hoje em dia não é tarefa fácil. O Bem Paraná, por exemplo, localizou dois anúncios recentes. Um deles, da Apolar e publicado no Instagram em 28 de outubro, veiculava um apartamento com três dormitórios e área útil de 86,7 m² por R$ 310 mil. Outro, no site Chaves na Mão, oferece um apartamento com 104 m² de área e três quartos por R$ 450 mil.

Anúncio do Edifício São Bernardo em edição do jornal O Dia de 20 de março de 1956 (Foto: Reprodução/Hemeroteca Digital Brasileira)


O último covil do “Vampiro de Curitiba”

O Vampiro de Curitiba viveu por décadas em um “castelo” na Rua Ubaldino do Amaral, que ao longo dos anos se tornou um ponto turístico não oficial da capital paranaense, com leitores visitando o local na esperança de uma aparição do recluso escritor.

No final de 2021, no entanto, Trevisan se mudou, sem alarde (como tudo que o envolvia), para o Edifício São Bernardo. A mudança ocorreu pelo fato de a casa ter se tornado incompatível com sua idade (à época 96 anos) e foi decidida após um assaltante entrar na casa do Vampiro – o homem foi preso em flagrante. No prédio também mora Fabiana Vieira, fiel escudeira do escritor, sua amiga e uma espécie de secretária informal.

Nos últimos meses de sua vida, o Vampiro saía pouco de casa e gostava de assistir filmes (no streaming ou na tevê por assinatura). Também costumava reler os livros prediletos e revia várias vezes algumas obras cinematográficas, na busca por detalhes e curiosidades que haviam passado despercebidos anteriormente. Preferia os faroestes e os clássicos italianos de Federico Fellini, Ettore Scola e outros, mas também havia tomado gosto pelo cinema argentino e pelos filmes dos irmãos Joel e Ethan Coen.


Muito antes do “Vampiro de Curitiba”, no entanto, outras figuras lendárias da literatura paranaense habitaram o Edifício São Bernardo. Uma delas foi o “Samurai Malandro”, Paulo Leminski, que em 1965 se mudou para o prédio na Dr. Muricy.

Segundo relata Rodrigo Garcia Lopes na obra “Roteiro Literário – Paulo Leminski”, o escritor se mudou para o icônico prédio quando era professor de cursinho. Inicialmente morou no terceiro andar e, depois, no primeiro. O apartamento amplo, inclusive, acabou virando uma espécie de “comunidade hippie”, com muitas festas e reuniões intelectuais até 1969, quando Leminski foi para o Rio de Janeiro. Quando morava no São Bernardo, o poeta vivia na Biblioteca Pública do Paraná, além da academia Kodokan, onde treinava judô. Também costumava passear aos domingos pela Feirinha do Largo da Ordem, onde cruzava com amigos de copo e de conversa.

Foi no edifício São Bernardo, inclusive, que Leminski conheceu, em 1968, a poetisa Alice Ruiz, com quem foi casado até 1988 e teve três filhos (um homem e duas mulheres). Foi lá, também, que nasceu sua amizade com outra grande poetisa, Helena Kolody. Na época, Helena já era autora de uns dez livros e Leminski tinha cerca de 20 anos. Foi ele, inclusive, quem a incentivou a voltar a escrever haicais, poemas curtos, caracterizados pela concisão e objetividade.

Em entrevista ao Bem Paraná concedida em agosto último, Aurea Leminski, filha do escritor, lembrou do encontro entre Kolody e seu pai, contando que desde antes de conhecer a poetisa Leminski já era um grande fã. “Ele não conhecia a Kolody, até que eles moraram no mesmo prédio, o Edifício São Bernardo, na Dr. Muricy, quase colado no Hotel Bourbon. Era a três passos da Biblioteca Pública e foi ali que se conheceram, eram vizinhos. Acho que não se conheceram em nenhuma reunião de condomínio, porque meu pai não frequentava as reuniões de condomínio [risos]. A Kolody também não, imagino”, brincou Aurea na ocasião.

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