Imagem: reprodução
Moisés Mendes*, em seu Blog
Até Jair Bolsonaro já pediu desculpas. Não por ter negado vacina aos brasileiros no pior momento da pandemia. Nem por dizer que havia sentido um clima ao ver na rua em Brasília uma menina venezuelana que ele acreditava ser prostituta. Uma menina de 14 anos.
Bolsonaro pediu desculpas, em outubro de 2022, pelo seu jeito grosseiro de falar. Pediu até perdão. Pouco antes, Michelle Bolsonaro havia dito: “Perdão a todos pelos palavrões do meu marido”.
E Bolsonaro continuou dizendo palavrões e falando de forma agressiva e violenta, como macho inseguro e armamentista. Pedir desculpas é só um truque para sugerir algum tipo de arrependimento depois do recado dado.
O sujeito agride alguém, manda a mensagem aos tios do zap, fideliza outros agressores que pensam o mesmo e depois pede desculpas.
Daniel Alves estuprou uma jovem na Espanha e, antes de ser condenado, pediu desculpas por estar bêbado. O técnico Cuca, que passou a ser refugado tardiamente pelos clubes como estuprador, finalmente pediu desculpas, não pelo crime pelo qual foi condenado, mas por ser um homem machista.
Fez um pedido de desculpas sem qualquer referência ao fato de que foi considerado culpado e depois teve a condenação anulada, por uma formalidade, por envolvimento no estupro coletivo de uma menina de 13 anos na Suíça, em 1987. Ele e outros jogadores do Grêmio.
O consultor financeiro Israel Leal Bandeira Neto apalpou as nádegas de uma nutricionista, dentro do elevador em Fortaleza, e depois pediu desculpas. Desculpava-se porque era uma pessoa com problemas psiquiátricos.
Em abril de 2017, José Mayer, talvez na época o maior galã da Globo, pediu desculpas públicas após ser denunciado como assediador de uma figurinista da emissora.
Mayer escreveu: “Admito que minhas brincadeiras de cunho machista ultrapassaram os limites do respeito com que devo tratar minhas colegas. Tristemente, sou sim fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas”.
O ator pediu que a moça assediada, as colegas da Globo e a sociedade entendessem “este meu movimento de mudança”. É o que diz Cuca no manifesto que leu depois de um jogo do Athletico Paranaense, o clube que está treinando.
Pediu desculpas pelo silêncio e reconheceu finalmente o drama vivido pela vítima:
“Eu escolhi me recolher durante muito tempo, mas consegui seguir a minha vida, enquanto uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir a vida dela sem permanecer machucada, carrega o impacto para sempre”.
Mas Sandra Pfäffli não seguiu a vida dela por muito tempo. Morreu com apenas 28 anos, em circunstâncias que a Justiça suíça não esclareceu.
Cuca disse no manifesto que será outro homem e declarou: “Quero e me comprometo a fazer parte da transformação. Vou fazer isso com o poder da educação. Quero ajudar”.
O goleiro Bruno (que assassinou a mãe do filho dele), mais Daniel Alves, José Mayer, Robinho, Cuca, o assediador do elevador, todos eles têm algum tipo de exposição pública. O homem de Fortaleza não é famoso, mas é rico e tem reputação no mercado financeiro.
Não há como dizer que todos são iguais, porque Bruno nunca poderia ser comparado a José Mayer, até porque Bruno nunca pediu desculpas.
Todos exerceram algum tipo de violência, pela imposição do poder, do dinheiro, da fama, do medo e dos ‘direitos’ das celebridades de subjugar pessoas consideradas comuns.
Bolsonaro se sentiu no direito de experimentar um clima e de achar que uma menina pobre venezuelana veio para o Brasil para se prostituir, sem qualquer respeito pela criança.
Mayer achava que poderia se esfregar na colega figurinista, porque ela prestava serviços nos bastidores das novelas. Era considerada uma subalterna. Bruno tinha certeza de que poderia mandar matar Elisa Samúdio, porque não aconteceria nada.
Cuca se protegeu no silêncio, dele e da sociedade, por décadas. Daniel Alves e Robinho são personagens de dois casos, mas quantos outros se repetem e estão acontecendo agora no meio em que eles vivem com milhões, não de reais, mas de dólares?
O milionário pernambucano Thiago Brennand assediava e estuprava mulheres porque era milionário. Tinha a proteção de delegados e do sistema de Justiça. Porque era milionário e achava que ficaria impune.
Saindo do mundo dos ricos e das celebridades que assediam, violentam e matam mulheres, quem já ouviu um pedido de desculpas no mundo que não enxergamos, nas periferias da violência cotidiana de machos geralmente extremistas de direita, contra companheiras, namoradas ou alguém que eles consideram propriedade?
Os juízes podem ouvir, em salas fechadas, pedidos de desculpas estratégicos dessa gente. Mas a violência continua. Os machos sem fama inspiram-se nos machos famosos e com dinheiro, porque geralmente não dá nada, ou dá muito pouco.
Daniel Alves e Robinho foram expostos como casos exemplares. Não havia como não condená-los, na Espanha, na Itália e no Brasil. José Mayer sumiu. O goleiro Bruno nunca mais será goleiro.
Mas os outros andam por aí com o mesmo sentimento que todos eles carregavam, de que a regra é a impunidade. Só as vítimas conhecem e temem a cara de agressores anônimos impunes, que a Justiça trata com leniência porque não precisa mostrá-los como exemplos.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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