PLANETA DOS ABUTRES E AS VARIAÇÕES ENÍGMAS

Eduardo Bonzatto



Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

Nesta surreal série animada de ficção científica dos criadores Joseph Bennett e Charles Huettner, a tripulação sobrevivente de um cargueiro interestelar que se acidentou acaba ficando presa a um planeta estranho e belo, porém implacável. Nesse ambiente, eles precisam sobreviver para fugir ou serem resgatados. Mas enquanto os sobreviventes enfrentam dificuldade de localizar a nave acidentada e os colegas desaparecidos, a nova casa deles se revela um mundo hostil que cresceu sem interferência humana. Com uma animação exuberante e cair o queixo, Scavengers Reign mostra magistralmente as consequências da falta de comedimento e o eterno desejo da humanidade de conquistar o desconhecido.

Ao receber as imagens anunciando a série, algo familiar ascendia em minha memória.

Como o ponto alto da série são as criaturas imaginada para planetas distantes e desconhecidos, o alvo de minha atenção recaía sobre esses seres. E me eram profundamente familiares.

A primeira pesquisa que fiz foi sobre os criadores. Queria constatar que um deles era quem eu imaginava. Mas seu nome não estava lá.

O que me surpreendeu foi a presença do desenhista brasileiro Joe Bennett, o que me fez investir nessa presença.

Joe Bennett é Benedito José Nascimento (1968), com uma carreira bem-sucedida no mercado dos quadrinhos americanos. As informações a seguir foram tiradas de seu perfil na Wikipédia.

Benedito Nascimento, também chamado de Bené, aprendeu como desenhar histórias em quadrinhos de forma autodidata, copiando os traços dos super-heróis da Marvel Comics nos anos 70, e começou a atuar profissionalmente nos quadrinhos em 1985 junto ao editor Franco de Rosa, que lhe ofereceu a primeira oportunidade de trabalho na área. Com o roteirista Gian Danton, criou a A Insólita Família Titã para as revistas eróticas da Editora Sampa, o grupo a Família Titã foi criado pela dupla para homenagear a Família Marvel.

Em 1992, adotou o nome “Joe Bennett” por sugestão dos editores ao ser contratado pela Marvel, inicialmente trabalhando em histórias do personagem Ravage 2099, criado por Stan Lee. Posteriormente, ilustrou quadrinhos dos Vingadores, do Homem-Aranha, Conan, Namor, Elektra, Hulk, entre outros. Também trabalhou com Alan Moore em Supremos.

Após trabalhos bem-sucedidos com o super-herói Capitão América, firmou contrato com a DC Comics, trabalhando em títulos como Aves de Rapina, Gavião Negro e a minissérie 52.

Em 2016, desenhou a história que serviu de prelúdio para o filme Batman vs Superman, dirigido por Zack Snyder.

Foi indicado ao Eisner Award, na categoria Melhor Série, por The Immortal Hulk em 2019

Em novembro de 2019, em sua página no Facebook, o artista comemorou a agressão cometida por Augusto Nunes contra Glenn Greenwald durante o programa de rádio Pânico da Jovem Pan. Após a repercussão, Bennett apagou a publicação, e em seguida publicou em seu perfil pessoal um pedido de desculpas a Glenn, David Miranda e os filhos do casal. Por fim, afirmou estar aberto ao diálogo, se comprometendo a refletir o que fez.

Em setembro de 2021, Bennett foi demitido da Marvel após o roteirista Al Ewing divulgar uma ilustração feita em 2017, que retratava adversários do então deputado federal Jair Bolsonaro como ratos. A ilustração foi criticada, pois, na Alemanha Nazista, judeus e adversários do regime eram retratados como ratos. Ewing escreveu: “Presumo que sejam algum tipo de inimigo político, mas, mesmo que não sejam, os arquétipos são aparentes. Seres humanos como vermes sendo exterminados”. Em fevereiro do mesmo ano, uma ilustração de Bennett na edição nº 43 de O Imortal Hulk havia sido acusada de veicular mensagem antissemita. Sem explicitar o motivo da decisão, a Marvel comunicou o desligamento de Bennett de todos os projetos futuros da empresa

O talento é fruto de uma caminhada extremamente complexa que envolve inúmeras escolhas e também, por vezes, pode elevar o autor ao patamar em que o ego produz como uma cloaca suas merdas.

Vasculhando minha coleção de quadrinhos por conta do meu incômodo, cheguei à fonte que as criaturas de Bennett me remeteram.

Luiz Eduardo de Oliveira (1944), conhecido nos meios quadrinisticos como Leo, produziu toda sua obra na Europa, desenhando na linha franco-belga.


A história que as criaturas do planeta dos abutres me remeteram é Os mundos de Aldebaran e a sequência, Betelgeuse, que lhe valeu o prêmio de melhor série no festival de Angoulême de 2004.

Não há como ignorar a referência de que os animais estranhos do planeta dos abutres são originários de Aldebaran.

A questão aqui não é de plágio ou apropriação indevida. No mundo da cultura pop são inúmeros eventos que revelam as referências sem reverência.

Os Livros da Magia é uma minissérie de histórias em quadrinhos escrita por Neil Gaiman com arte de John Bolton, Charles Vess, Scott Hampton e Paul Johnson publicada pela DC Comics, entre 1990 e 1991.

Quando os livros do J. K. Howling, publicados a partir de 1998, não poucos perceberam que a série de Gaiman era a referência sem reverência. O escritor britânico responder que essas coisas acontecem e abdicou de qualquer processo contra a escritora.

Da mesma forma, quando a série, Os invisíveis, de Grant Morrison saiu em 1996, guardava já todos os elementos que seriam utilizados no filme Matrix de 1999.

 Embora os criadores do filme tenham dado como referência o livro Simulacros e Simulação do filósofo Jean Baudrillard que afirmou não ver nenhuma similaridade entre as duas obras, mas Morrison viu e igualmente recusou ação compensatória pela referência sem reverência.

Mais recentemente, o filme de 2012, As aventuras de Pi copia sem vergonha ou pudor a obra de Moacir Sciliar, Max e os Felinos, de 1980. Sobre a referência sem reverência, disse numa entrevista o médico e escritor brasileiro: não existe processo contra inspiração. E deixou para lá a pendenga.

Então a questão que se levanta aqui não é da referência nem tampouco da reverência, pois o tecido memético da cultura é fluido e surpreendente.

Mas aqueles que se dedicam a refletir sobre os objetos culturais, quais forem eles, precisam de um cabedal cultural vasto capaz de reconhecer o encontro de dois autores criadores quando promovem movimento na onda memética da cultura.
A tempo, memética diz respeito a uma memória cultural que está sempre ativa, distribuindo informações pelas antenas vivas daqueles que estão atentos para receber tais dádivas.

Certamente existem inúmeras variações nesse vasto campo criativo que são enigmas indissolúveis para muitos.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor

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