INDÍGENA ESCOLTADO POR AMEAÇAS É ENCONTRADO MORTO NO PARÁ DUAS SEMANAS APÓS . . .

. . . ter feito denúncia na ONU; PF apura caso

Tymbektodem Arara discursou na ONU em 28 de setembro apontando invasão
 da Terra Indígena Cachoeira Seca, a 250 km de Altamira; em 14 de outubro, morreu —supostamente por afogamento. Segundo uma pessoa que esteve com ele, o indígena recebeu áudios com ameaças de fazendeiros locais.


Por Arthur Stabile, g1

31/10/2023

Discurso na ONU de liderança indígena morta no Pará

A Polícia Federal no Pará investiga as circunstâncias da morte do líder indígena Tymbektodem Arara, na Terra Indígena Cachoeira Seca, a 250 km de Altamira.

Tymbek, como era conhecido, foi encontrado morto em um rio em 14 de outubro, supostamente por afogamento, 16 dias depois de ter ido à Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, denunciar invasão de terras na TI Cachoeira Seca, onde vive a etnia Arara.

Na ocasião, ele discursou durante a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Tymbek era o linguista dos Arara, etnia de contato recente com não-indígenas.

"Somos um povo de contato inicial, viemos aqui para exigir que se respeite nossa vida e nosso território. Sofremos muitas invasões. A demarcação só ocorreu 30 anos depois do contato com os não indígenas, em 2016", discursou o indígena.


Tymbek Arara durante Arara durante viagem à ONU, na Suíça — Foto: Reprodução

A terra em que vivem os Arara é alvo de ação predatória para a obtenção de madeira. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram desmatados 697 km² de floresta na TI Cachoeira Seca entre 2007 e 2022.

Enquanto esteve em Genebra, na ONU, Tymbek recebeu áudios atribuídos a fazendeiros locais, segundo uma pessoa que o acompanhou.

"Tanto ele quanto o cacique receberam áudios, nenhum dizendo 'Vou te matar', mas 'Ah, você está aí? Que bom que está defendendo sua terra'. 'Vocês não têm medo?', 'O que estão fazendo aí?' E eles ficavam dando perdido, dizendo que era para apresentar a cultura Arara", relata ao g1 uma pessoa que esteve com Tymbek na ONU.

Ao voltar ao Brasil, a Força Nacional fez a escolta de Tymbek e do cacique Arara desde o desembarque no Pará até a chegada na aldeia. Depois, os agentes foram embora. A liderança morreu cerca de dois dias depois.

O g1 procurou o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, responsável pela Força Nacional e administrado pelo ministro Flávio Dino, que confirmou ter feito a escolta de Tymbek a pedido da Funai de 2 a 7 de outubro.

"As atuações têm caráter consensual e subsidiário, sendo desenvolvidas sob a coordenação e conforme planejamento dos órgãos demandantes. Nesse contexto, é importante frisar que o emprego da Força Nacional na escolta de lideranças indígenas daquela região, dentre essas, do senhor Tymbektodem Arara, ocorreu especificamente no período de 2 a 7 de outubro de 2023, em apoio à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) [...] sem intercorrências", diz o Ministério da Justiça, em nota.

A assessoria de imprensa da Polícia Federal do Pará confirmou que a investigação está em andamento, mas que a corporação "não comenta investigações em andamento".

Versões diferentes para o afogamento

Tymbek estava acompanhado de dois ribeirinhos locais em um barco no Rio Iriri. Eles haviam bebido cachaça e voltavam para a aldeia indígena, que fica próxima a uma vila de não-indígenas dentro da TI.

O abuso do álcool é uma das questões apontadas por indigenistas como problema levado pelos não-indígenas às aldeias, em especial às de contato recente. Os Arara passaram a conviver fora da aldeia em 1987, enquanto a homologação da TI Cachoeira Seca ocorreu apenas em 2016.


Mapa da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará — Foto: Arte/g1

Mapa da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará — Foto: Arte/um

Há duas versões para a morte: uma diz que Tymbek estava em um barco se jogou por conta própria no rio para nadar e não saiu mais da água, com os ribeirinhos tentando salvá-lo. Outra aponta que o indígena foi jogado do barco por eles e, por estar bêbado, não conseguiu nadar e se afogou.

Relatos documentos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), vinculado ao SUS e ao Ministério da Saúde, detalham que houve procura à noite no local em que Tymbek caiu. Porém, o corpo só foi encontrado na manhã do dia seguinte.

"O corpo estava no exato local onde ele pulou da rabeta (um tipo de embarcação que se assemelha a uma canoa motorizada), a uns 800 metros da margem, em posição vertical (em pé)", detalha o relato do DSEI.


Força Nacional durante escolta do cacique dos Arara e de Tymbek do aeroporto no Pará até a aldeia — Foto: Reprodução

Após ser retirado do rio, o corpo da liderança Arara foi levado à Comunidade Maribel, dos não-indígenas e local onde os barcos maiores e veículos conseguem chegar.

Lá, permaneceu por cinco horas sob o sol à espera do Instituto Médico Legal antes de ser colocado em um saco e transportado na caçamba de uma caminhonete da Polícia Civil do Pará até a cidade de Altamira.

Segundo profissionais que atuam com a proteção dos indígenas Arara, a Polícia Federal de Altamira, responsável pela investigação, não esteve no local da morte mesmo passadas duas semanas da morte de Tymbek.


Povo Arara sob risco


A estimativa das lideranças Arara é de que há em torno de 2 mil invasores na região. Em comparação, os indígenas que convivem no local não passam de 200. Eles alegam que um dos motivos para a permanência de não-indígenas no local foi a instalação da hidrelétrica de Belo Monte.

Ao g1, um indigenista que atuam junto ao povo Arara indica que há desmatamento no local para obter madeira do tipo ipê.

Tymbek era o linguista oficial da etnia e costumava representá-la em eventos em Brasília, como contra o marco temporal para demarcação de terras indígenas, e denúncias, como a feita na ONU.

"Os Arara não têm muito idosos, eram alguns mais velhos e logo vinha o cacique e o Tymbek, também quem se comunicava com o mundo de fora. Histórias vão se perder e quem vai defendê-los?", disse um indigenista. "Eles [indígenas Arara] são coagidos de alguma maneira: perdem a terra e o invasor oferece gado, carne, whisky... É uma violência permeada por esse jeito sujo de relação".


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