LEI DO LIXO:OS TORTUOSOS CAMINHOS DE UM ESTRANHO PROJETO


André Lopes – HOJEPR

Uma análise nos documentos que levaram à aprovação do Projeto de Lei que permite ao Paraná receber lixo de outros Estados revelam que as decisões tomadas nas várias instâncias por onde ele percorreu, dentro da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), foram tão estranhas quanto a rápida derrubada, pela própria bancada governista, de dois vetos do governador Ratinho Jr. ao projeto.

De autoria do deputado Tião Medeiros (PP), o projeto tem data de 8 de março de 2022. Nesse dia, recebeu o número 67/2022. Na justificativa, a necessidade de regulamentar as atividades de licenciamento, implantação e operação de aterros sanitários e industriais, bem como dispor sobre as atividades de gerenciamento de resíduos.

No mesmo dia, a servidora Danielle Requião, da Diretoria Legislativa, alertou, por meio do documento de número 3539/2022, que a proposta do deputado Tião Medeiros guardava “similitude com a Lei nº 20.607, de 10 de junho de 2021”, ou seja, o Paraná já dispunha de lei semelhante à proposta pelo deputado.

A lei 20.607 dispõe sobre o Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Estado do Paraná e foi, na íntegra, anexada ao processo. Mesmo assim, o projeto seguiu adiante, conforme revela o despacho 2272/2022, assinado pelo diretor legislativo Dylliardi Alessi, que o encaminhou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 14 de março.

CCJ APROVA EM APENAS UM DIA

Apenas um dia depois, em 15 de março, o presidente da CCJ, deputado Nelson Justus (União), e o relator da CCJ, deputado Paulo Litro (PSD), assinaram a aprovação da tramitação do projeto. Uma semana depois, em 21 de março, foi encaminhado para a Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais.

Dois dias depois, em 23 de março, talvez preocupado com a demora da análise pela Comissão, o deputado Tião Medeiros pede, conforme proposição de número 549/2022, regime de urgência na tramitação do projeto, aprovado na sessão plenária daquele dia.

Lixões tomados pelo plástico (Aleteia). Foto ilustrativa

Com o regime de urgência aprovado, a Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais teria que acelerar a análise do projeto. Nesse ponto as coisas começam a ficar cada vez mais estranhas.

ENTIDADES REPROVAM PROJETO

Três análises técnicas foram recebidas pelo presidente da Comissão, deputado Goura (PDT). Uma da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB/PR), assinada pela presidente da Comissão de Direito Ambiental Clarissa Bueno Wandscheer, com data de 27 de março; outra da Associação dos Engenheiros Ambientais do Paraná (Apeam), assinada pelo presidente da entidade, Luiz Guilherme Grein Vieira, com data de 25 de março; e a terceira, emitida pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo (CAOPMAHU), do Ministério Público do Paraná, com data de 25 de março, assinada pelo promotor de Justiça Alexandre Gaio, pela Química Ellery Regina Garbelini, pela engenheira ambiental Letícia Uba da Silveira Maraschin, pela assessora jurídica Alessandra Galli Apra, e pela auxiliar técnica Paula Broering Gomes Pinheiro, ambas da CAOPMAHU.

Todas as análises alertaram para a necessidade de debates mais profundos e fizeram críticas a vários pontos do projeto do deputado Tião Medeiros.

“Os itens em destaque, merecem um maior debate entre os representantes do Poder Legislativo do Estado do Paraná”, ressaltou a análise da OAB, que salientou vários erros no projeto.

Em igual sentido opinou a Apeam, alertando sobre a necessidade de discussões com entidades especializadas. “A proposição de um Projeto de Lei para a definição de critérios de licenciamento ambiental de Aterros Sanitários no Estado do Paraná deve ser procedida de discussões junto a entidades e conselhos profissionais; organizações ambientalistas; órgãos públicos; instituições de ensino; e sociedade civil organizada interessada no tema, devido ao potencial poluidor da atividade, fundamental para a regularização de áreas de disposição final de resíduos no Estado”, escreve a entidade.

A Apeam ainda sugere que a Assembleia Legislativa do Paraná promova “audiências públicas e debates técnicos antes da apreciação do referido PL por seus pares”.

Já o Ministério Público foi mais enfático, recomendando a “rejeição do referido Projeto de Lei e seu arquivamento, seja em razão da impropriedade de suas justificativas, seja em virtude da afronta à legislação estadual e federal e do desrespeito à Constituição do Estado do Paraná e à Constituição da República, seja ainda em razão do princípio da vedação do retrocesso ambiental”.

Apesar dos resultados e dos alertas preocupantes das três análises técnicas, jamais foram feitas as audiências sugeridas pelas entidades, nem tampouco qualquer debate técnico, assim como não houve o arquivamento do projeto.


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