SAFRA DE GRÃOS SERÁ A MAIS CARA DA HISTÓRIA

Fertilizante, defensivo e óleo diesel são os vilões dos custos de produção da próxima safra e devem encarecer em 45% o plantio da soja e em quase 50% o do milho no País

Márcia De Chiara, 
O Estado de S.Paulo

Produtor rural há dez anos, Fabrício Maestrello pela primeira vez vai reduzir a área plantada com soja na safra a ser semeada em setembro. Dos 1,2 mil alqueires (cerca de 2,9 mil hectares ou a área equivalente a quase 3 mil campos de futebol), próprios e arrendados que normalmente cultiva na região de Paranacity, noroeste do Paraná, ele vai plantar a metade. O motivo do corte foi a alta de preços dos insumos. “O aumento foi muito superior à valorização do grão, é um negócio que você entra devendo”, afirma.

O produtor Fabrício Maestrello, do Paraná, vai cortar pela metade áreas de produção de soja, entre próprias e arrendadas  Foto: ROGÉRIO RECCO/COCAMAR

Os três vilões da alta de custos, segundo o produtor, são o fertilizante, o defensivo e o combustível. Neste ano, Maestrello desembolsou R$ 6,2 mil pela tonelada de adubo, 120% a mais do que na última safra. Pelo litro do herbicida, pagou R$ 90, quatro vezes o que gastou em 2021. Isso sem falar no diesel usado nos tratores. “Custava R$ 4 e pouco o litro e agora está quase R$ 7.” No período, a soja no mercado futuro subiu cerca de 40%.

Recorde indesejado


A forte pressão de custos dos insumos enfrentada por Maestrello é a realidade dos agricultores brasileiros que vão plantar a safra mais cara da história, apontam levantamentos de várias instituições. A guerra entre a Ucrânia e a Rússia, esta última um dos principais exportadores de adubos para o Brasil e a crise energética e logística da China, onde estão as fábricas de defensivos, além da alta do diesel, levaram os preços de insumos às alturas.

Pressões de custos dos grãos soam como um sinal de alerta para uma inflação de alimentos “encomendada”, que pode se concretizar em 2023 ou não, a depender da situação do mercado na hora da comercialização da safra.

Nas contas da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o gasto médio no País para produzir um hectare este ano deve crescer 45% para a soja e aumentar quase 50% para o milho em relação ao anterior. “Pode ser que o custo seja ainda maior”, frisa Maciel Silva, coordenador de Produção Agrícola da CNA. É que, neste momento, nem todos os insumos foram comprados e, portanto, estão sujeitos a altas de preços, diz.

No entanto, o aumento de custos em regiões específicas e consolidadas na produção de grãos supera a média nacional calculada pela CNA. A alta dos gastos com insumos para a próxima safra de soja varia entre 60% e 70% no norte do Paraná e no Mato Grosso em relação à anterior, apontam a cooperativa Cocamar, de Maringá (PR), e o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária.
Fertlizante

O fertilizante é o item que mais deve contribuir para que a próxima safra de grãos seja a mais cara da história recente, segundo analistas especializados em agronegócio. Nas contas do superintendente da Cocamar Cooperativa Agroindustrial, Anderson Bertoletti, o aumento do preço do produto no último ano foi de 140%, seguido pelo dos defensivos (de 60% a 70%) e pelo das sementes (15% a 20%).

Diante do cenário de incerteza sobre a disponibilidade de produto e do risco de preços ainda mais elevados, a cooperativa, que reúne 16 mil produtores no norte do Paraná, tem antecipado as compras. Hoje, 80% dos insumos já foram comercializados, ante 60% nesta mesma época de anos anteriores. Além da alta de preços, pode faltar algum produto, alerta o superintendente.

Neste momento, a indústria de adubos está fazendo uma ginástica enorme para disponibilizar os fertilizantes em razão de problemas logísticos decorrentes da guerra na Ucrânia, aumento de custos de frete marítimo e a maior demanda mundial por adubos, segundo o diretor executivo da Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda), Ricardo Tortorella.

No primeiro bimestre, o dado mais recente disponível, houve retração de 11% nos volumes de fertilizantes entregues aos agricultores brasileiros para todas as lavouras em relação a igual período de 2021, segundo dados da Anda.

“O mundo mudou, não é como antes, tem um sinal amarelo ligado”, afirma Tortorella, fazendo referência às incertezas geopolíticas no mercado provocadas pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Apesar disso, ele diz que o setor está conseguindo atender a demanda, mas não no ritmo desejado.

Hoje o Brasil produz só 15% dos fertilizantes que consome. O Plano Nacional de Fertilizantes, recentemente lançado, só vai começar a ter efeitos na oferta no longo prazo. Esses fatores contribuem para um cenário incerto de preço dos adubos no curto prazo.

Em resposta ao aumento de custos de insumos e ao juro mais elevado para o custeio da próxima safra, o gerente da Consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Belotti, acredita que os agricultores vão reduzir o ritmo de expansão da área plantada de grãos. “O produtor deve ficar mais cauteloso”, diz, lembrando que nas duas últimas safras houve avanços significativos. Para ele, por mais que os preços das commodities estejam elevados, as margens de ganho dos produtores devem ser achatadas em razão dos aumentos de custos.

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