MAIS UMA PRA CONTA DA VAZA JATO

Foram muitos os desdobramentos da Vaza Jato desde as primeiras reportagens em junho de 2019. Os mais notáveis, sem dúvida, são a reversão de prisões injustas e a profunda transformação na visão que a sociedade brasileira tinha da força-tarefa de Curitiba. E claro, o fim da própria Lava Jato, dissolvida no ano passado. Aliás, já imaginaram que Moro estaria hoje no STF, indicado por Bolsonaro, não fosse pela série de reportagens do Intercept?




Havia quase um consenso sobre a operação — e sobre um certo vale-tudo jurídico para se combater a corrupção — que foi rompido. Ainda assim, faltava um impacto muito importante: apesar de tudo que foi revelado, nenhum membro do Ministério Público Federal havia sido severamente punido pelos inúmeros atos ilegais ou antiéticos que foram expostos pelas mais de 100 reportagens da série. Ontem, essa realidade mudou.

Diogo Castor de Mattos, procurador e membro da força-tarefa, foi expulso do MPF pelo Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público, o CNMP. De acordo com o órgão, Castor de Mattos cometeu improbidade administrativa grave e feriu princípios da administração pública. Com isso, diz ainda o Conselho, ele "maculou a dignidade da Instituição e, em maior extensão, da Justiça".

O que fez o procurador? Pagou com recursos próprios, mas utilizando os dados pessoais de um laranja, a confecção de um outdoor que exaltava a "República de Curitiba" e os membros da força-tarefa. Não que seja o único caso de falta de decoro no MPF do Paraná, mas este acabou por se tornar um caso exemplar.

Castor de Mattos foi uma figura lateral no início da Vaza Jato. O mais jovem procurador da força-tarefa, ex-estagiário de Dallagnol, apareceu pouco nas primeiras matérias, até que na 17ª parte da série noticiamos o caso do outdoor. A reportagem, na realidade, não apenas apontava o pagamento da peça publicitária por parte do procurador: o que o texto de Rafael Neves, Amanda Audi e Victor Pougy demonstra é que Castor de Mattos confessou ao corregedor-geral do Ministério Público Federal que pagou pelo outdoor e ainda assim o corregedor Oswaldo Barbosa deu o caso por encerrado sem investigação formal. Além disso, ele omitiu a confissão do Conselho Nacional do Ministério Público. Tudo isso sob conhecimento dos demais procuradores, especialmente do chefe da força-tarefa Deltan Dallagnol. Há áudios acachapantes na reportagem.

O caso revela diversas facetas dos métodos comumente utilizados pelos membros da República de Curitiba. Para os justiceiros do MPF, parecia não existir princípio de impessoalidade e limites institucionais diante de suas motivações políticas e seus interesses pessoais. Isso se articulou por anos com um certo corporativismo que foi essencial para que a Lava Jato pudesse atuar impunemente ferindo normas e cruzando a barreira da legalidade com enorme frequência.

A Vaza Jato mostrou outros casos em que o CNMP deixou de atuar e vale lembrar que, para safar Dallagnol do processo administrativo disciplinar pelo famoso PowerPoint, o Conselho permitiu que a apreciação do caso fosse adiada 42 vezes. Dessa forma, a prescrição veio antes do julgamento.

Se não fosse o corporativismo do MPF, por exemplo, além de responder pelo outdoor, Diogo Castor de Mattos poderia ter sido cobrado também pela farra das diárias que lhe renderam mais de R$ 370 mil quando trabalhava na força-tarefa, que mostramos em outra reportagem da Vaza Jato. Demos detalhes sobre como o procurador engordou o contracheque sob a justificativa de trabalhar longe de casa. No papel, Castor de Mattos vivia em Jacarezinho (PR) e trabalhava em Curitiba. No entanto, ele mesmo garantiu à justiça em cinco ocasiões que morava na capital. Acredite: esse caso também era do conhecimento de Deltan Dallagnol e dos demais procuradores, como deixam claro mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram e que o Intercept trouxe a público.

Ou talvez, quem sabe um dia, o Conselho Nacional do Ministério Público se interesse em investigar o verdadeiro esquema de palestras altamente rentável montado por seus membros. Em 2018, Diogo Castor de Mattos, ele de novo, foi convidado com outros quatro colegas para palestrar em evento da XP Investimentos. Outro procurador, Roberto Pozzobon, estava um pouco preocupado com a percepção pública sobre sua participação. Ele questionou Dallagnol se Castor de Mattos também acharia que "não havia risco". Dallagnol garantiu: "castor respondeu: 'vou ficar rico'". Será que o CNMP acredita que este tipo de conduta também macula a dignidade de uma instituição que se supõe de Estado?

A punição dada a Castor de Mattos demonstra que ainda podemos esperar mais impactos da Vaza Jato. Uma investigação jornalística desse porte gera muitos desdobramentos e é natural que alguns deles demorem a aparecer, afinal, são mais de dois anos de trabalho dedicados a ela. Basta lembrar que a reportagem sobre as diárias pagas a Castor de Mattos é de março deste ano!

Quem poderia acreditar que uma redação de 15 jornalistas, jovens, mas obstinados, seria capaz de bater de frente com o poderoso Ministério Público Federal e seus procuradores? Quem, naquele momento, tinha forças para confrontar o quase unânime Sergio Moro?

O Intercept faz um jornalismo que é raro e exige muito dos seus profissionais. Mas este é um jornalismo que vale a pena porque, como você pode ver, ele causa impacto, muda o jogo.

Sem o apoio das pessoas que nos leem, nosso trabalho não se mantém de pé. Ou você acredita que alguma empresa quer patrocinar a redação que revelou os métodos e atalhos da Lava Jato? Algum banco, alguma montadora, alguma fábrica de salsichas hot dog?

Leandro Demori
Editor-Executivo





GAZETA SANTA CÂNDIDA, JORNAL QUE TEM O QUE FALAR

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