ASPECTOS INCONSTITUCIONAIS DO DISTRITÃO

Importante deixar consignado que as imperfeições do sistema proporcional da atualidade não podem ser resolvidas com a adoção de modelos inconstitucionais como o distritão

(Imagem: USP)


Othoniel Pinheiro Neto*

É recorrente no Congresso Nacional a possibilidade de adoção do “distritão”, sistema eleitoral que pode substituir o atual sistema de eleição proporcional usado para as eleições de deputado federal, estadual, distrital e vereador. Assim, caso o distritão seja aprovado, passam a serem eleitos os parlamentares mais votados independentemente do quociente eleitoral e das votações dos partidos.

Em verdade, muitas pessoas, equivocadamente, podem entender o distritão como um modelo mais justo devido a leituras apressadas nas avaliações dos sistemas eleitorais.

Mas a adoção dos sistemas proporcionais tem a sua razão. É que, diante da impossibilidade prática do exercício da democracia direta, sempre se buscou uma forma de colocar a comunidade inteira dentro do parlamento, para que as correntes culturais, filosóficas e de pensamento encontradas na sociedade sejam retratadas proporcionalmente no parlamento, sendo essa a razão única de o número de integrantes do parlamento ser superior a 1 (um).

Então, a pergunta que se faz é: como colocar toda a sociedade no parlamento?

Dessa forma, a função e a formação do Poder Legislativo em um Estado Democrático de Direito exige uma metodologia diferenciada para a escolha de seus membros. Não foi por outra razão que a nossa Constituição Federal adotou o sistema proporcional, ao preconizar em seu art. 45 que “a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal”.

Esse método também é extensível à eleição de deputados estaduais, distritais e vereadores. Vale lembrar que tal sistema não é usado para as eleições de Senador da República, que adotou o sistema majoritário, uma vez que o Senado Federal é composto por representantes dos Estados membros da federação em número de 3 (três) para cada unidade, ao contrário da Câmara dos Deputados, que representa o povo brasileiro.

Em verdade, é preciso combater a equivocada personificação da atividade parlamentar, que se presta demasiada ênfase à pessoa do candidato e não àquilo que ele realmente irá votar no parlamento, que está em conexão com a orientação de sua bancada. É que, na prática, muitas pessoas votam em candidatos exóticos sem levar em conta que ele poderá votar matérias que são contrárias à visão política dos seus próprios eleitores.

Tais leituras superficiais que concluem ser mais justo o sistema majoritário para todas as eleições possuem ligações profundas com uma duradoura cultura resultante da confusão entre o público e o privado, que faz com que se preste demasiada ênfase à pessoa do candidato e não àquilo que ele realmente irá votar no parlamento.

Nesse contexto, a personificação dos candidatos aos parlamentos, além de lesionar o princípio da impessoalidade, obscurece o valor e o entendimento acerca da importância do Poder Legislativo em uma democracia.

Diante disso, é que se vislumbra a inconstitucionalidade do sistema que elege os candidatos mais votados por violar o sistema democrático representativo (art. 1º da Constituição Federal), uma vez que deixa sem representatividade o eleitorado que votou em candidatos que não se elegeram, não sendo essa a razão da existência dos parlamentos.

Portanto, entendo ser, pelo menos até agora, o atual sistema de eleição proporcional brasileiro o mais justo, uma vez que objetiva a escolha do número de parlamentares em quantidade proporcional às correntes de pensamento da população, de forma a aproveitar a maior quantidade possível de escolhas.

Com efeito, se em uma comunidade, 60% da população possuir um pensamento conservador, 60% do Parlamento deve (ou deveria) ser conservador. E se 10% da população possuir pensamentos liberais, é democrático que 10% também siga a mesma linha. Esse sistema proporcional é importante para as aprovações e as rejeições de projetos em trâmite no parlamento, uma vez que retrata a vontade democrática da sociedade e considera decisiva a imensa maioria da vontade do eleitorado, sendo aproveitada a maior quantidade possível de votos.

É nesse contexto que entra o partido político como forma de representar essas parcelas da população, servindo como intermediário de sua vontade nas decisões políticas fundamentais de uma comunidade, adquirindo um número de cadeiras proporcional a seus eleitores.

Nesse panorama, em homenagem ao princípio da impessoalidade e da representação partidária, é importante despersonificar a figura da representatividade para solidez do sistema democrático parlamentar, pois a aplicação de um eventual sistema majoritário (personalizando a disputa) nas eleições para o Parlamento, desconfigura a função do partido político e deixa sem nenhuma representatividade a maioria da população que “votou em um candidato” não eleito.

Importante deixar consignado que as imperfeições do sistema proporcional da atualidade não podem ser resolvidas com a adoção de modelos inconstitucionais como o distritão, mas sim, com a busca de outras soluções sem perder o enfoque democrático, que exige a busca de meios de colocar toda a sociedade dentro do parlamento.

*Othoniel Pinheiro Neto é Defensor Público do Estado de Alagoas e Doutor em Direito UFBA.

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